O que Melinda Gates e o presidente do Banco Mundial têm a nos dizer sobre a desigualdade no pós-covid
Se queremos reconstruir nossas economias e torná-las mais financeiramente sustentáveis, melhorar a saúde pública, aumentar os empregos e reduzir a desigualdade de renda é preciso focar nas Mulheres
Artigo publicado originalmente dia 02 de março no site do Valor Investe
Por Naiara Bertão
“After the pandemic, put women first”. Na tradução livre para o português: “Depois da pandemia, coloque as mulheres primeiro”. Foi esse título que me chamou a atenção para um artigo assinado por Melinda Gates, copresidente da Fundação Bill & Melinda Gates, e David Malpass, presidente do World Bank (Banco Mundial). Eu ainda acrescentaria algo: coloque IMEDIATAMENTE as mulheres primeiro e vou explicar o porquê.
Para quem não conhece, a Bill & Melinda Gates Foundation é uma organização que se propõe a reduzir problemas graves mundiais, como pobreza, fome, crise de saúde pública etc. em países e regiões que carecem de dinheiro, infraestrutura, esforços públicos e privados e até atenção de seus próprios pares.
Nos primeiros anos da fundação, Melinda e Bill Gates (sim, o magnata da informática, fundador da Microsoft) perceberam que, se focassem nas mulheres, as políticas públicas e atividades desenvolvidas pela organização seriam muito mais efetivas. Por que mulheres? Elas são não apenas peças importantes na tomada de decisão das casas, inclusive financeira muitas vezes, como são também as responsáveis por criar e cuidar da saúde e educação dos filhos.
Em muitos lugares elas são as principais responsáveis pelo trabalho remunerado, sem contar todo o trabalho “invisível” necessário para o companheiro também trabalhar (limpar a casa, buscar lenha e água, cuidar das crianças, até fazer algo para vender e complementar renda).
Em nível mundial, as mulheres representam 43% da força de trabalho agrícola (2018) e, segundo estudo da FAO, braço da ONU (Organização das Nações Unidas) para a Alimentação e a Agricultura, se as mulheres agricultoras tivessem o mesmo tipo de acesso que os homens, a produção nos países em desenvolvimento aumentaria 4%. Ainda, seria possível reduzir em 17% o número de desnutridos, o que representa aproximadamente 150 milhões de pessoas.
Mas no artigo para a Bloomberg Opinion, que foi replicado pelo Banco Mundial, Melinda e David chamam a atenção justamente para o quanto nós NÃO focamos nas mulheres – e fazemos isso por décadas, séculos, milênios – o que precisa mudar com urgência.
“Mais de 200 países desenvolveram medidas de proteção social em resposta à covid-19, mas muitos falharam ou estão com dificuldade para identificar e entregar ajuda aos trabalhadores informais, o que significa que muitas mulheres continuam sendo deixadas de lado”, dizem.
Em muitos países, as mulheres foram as mais afetadas pelo isolamento, lockdown e perda de fôlego econômico. Na América Latina, cita o artigo, por exemplo, as mulheres tinham 50% mais probabilidade do que os homens de perder o emprego nos primeiros meses da pandemia.
E vamos além: as mulheres tendem a estar fortemente empregadas em setores mais vulneráveis, como varejo, restaurantes e hotelaria. Também costumam estar mais na informalidade do que seus pares e isso inclui desde a venda de mercadorias nas ruas até a costura em casa, que carecem de proteções como licença médica remunerada ou seguro-desemprego, por exemplo – seguro saúde nem se fala!
Quando esses empregos desapareceram, as mulheres não tinham (e continuam não tendo) rede de segurança social à qual recorrer. Nem precisamos entrar aqui na questão das mãe solo, que ainda têm dificuldade para deixar os filhos aos cuidados de outra pessoa ou nas creches (que fecharam todas por causa do vírus) enquanto trabalham.
Além disso, as mulheres podem ter um impacto desproporcional na recuperação econômica, especialmente em países de renda baixa e média. Pesquisa do Banco Mundial, por exemplo, mostra que o PIB per capita do Níger poderia ser mais de 25% maior se a desigualdade de gênero fosse reduzida.
“Enquanto os líderes enfrentam o enorme desafio de reconstruir as economias pós-pandemia, as mulheres devem estar no centro de suas estratégias”, diz a dupla.
E aqui vai a minha opinião: temos que incluir as mulheres IMEDIATAMENTE. Temos que focar esforços e políticas públicas nelas se quisermos realmente ter uma recuperação econômica mais rápida, uma economia mais estável e sustentável, mais empregos, mais educação e diminuir a desigualdade social e de renda.
Melinda e David citam três frentes que os governos podem começar a agir nessa direção:
Primeiro
Países podem acelerar a digitalização dos sistemas de identificação do governo, plataformas de pagamento e outros serviços essenciais, em parceria com o setor privado. Mulheres economicamente marginalizadas geralmente são invisíveis para seus governos e muitas sequer aparecem no registro social. Isso ajuda a direcionar com rapidez e segurança os recursos que as mulheres precisam.
“As transferências diretas de dinheiro direcionadas às mulheres em países como Indonésia, Nigéria e Zâmbia já ofereceram a milhões de mulheres acesso mais seguro e maior controle sobre os fundos”, contam. E exemplificam ainda com o caso da Índia, país que conseguiu em 2020 transferir ajuda financeira emergencial para mais de 200 milhões de mulheres necessitadas porque já tinha dados desagregados por sexo e uma infraestrutura digital, e essas mulheres tinham suas próprias contas bancárias.
“Os governos podem garantir que as oportunidades econômicas sejam compartilhadas de forma equitativa, ampliando o acesso à Internet, aumentando a conectividade móvel e desenvolvendo habilidades digitais”, completam.
Segundo
Governos podem remover as barreiras para a inclusão total das mulheres na economia, seja como empresárias ou empregadas. Em economias com o isolamento social mais rígido, empresas pertencentes a mulheres tinham 10 pontos percentuais mais probabilidade de fechar as portas na pandemia, o que pode ser justificado até pelo tamanho desses negócios liderados por mulheres (a maioria é de um ou menos de cinco funcionários).
“Eliminar as lacunas de gênero no empreendedorismo ajudaria a reduzir a pobreza, criar empregos e estimular o crescimento e a inovação. Os governos devem, portanto, direcionar linhas de crédito e outras formas de financiamento para empresas de propriedade de mulheres, impulsionar a criação de plataformas de comércio eletrônico para permitir que mulheres empresárias acessem mercados e ajudar incubadoras de empresas a superar preconceitos quando se trata de investir em mulheres negócios”, afirmam, sabiamente.
Para funcionários, sugerem tornar transporte público mais seguro para as mulheres, para que elas possam trabalhar sem medo de serem assediadas; revisão de leis e regulamentos para evitar a discriminação contra as mulheres na força de trabalho; estabelecimento de políticas adequadas de licença-família e creches de qualidade apoiadas pelos setores público e privado.
Terceiro
Governos devem se comprometer a garantir uma educação sólida para as meninas, pelo menos até o ensino médio. Os autores lembram que o problema da educação de má qualidade não é único da pandemia. Mesmo antes o mundo já enfrentava uma crise de aprendizado: mais da metade das crianças de 10 anos nas escolas de países de baixa e média renda não conseguiam ler e entender um texto básico.
A pandemia piorou as coisas e, globalmente, mais de 800 milhões de alunos permanecem fora da escola e muitos alunos pobres, especialmente nas áreas rurais, com pouco ou nenhum acesso à educação à distância. Citam o caso da África Subsaariana, onde até 45% das crianças ficaram completamente desconectadas durante o fechamento das escolas.
“As meninas enfrentam desafios adicionais ao aprendizado remoto. Se houver apenas um telefone por casa, por exemplo, é provável que seja usado por meninos em vez de meninas, enquanto uma carga mais pesada de trabalho doméstico proíbe o acesso à instrução para muitas meninas. A educação é a chave para as oportunidades de emprego futuras e a capacidade das mulheres de ter poder e influência em suas próprias vidas”, pontuam.
E na volta às aulas é hora de garantir que tanto meninas quanto meninos se envolvam novamente no processo de aprendizagem. “É verdade que a maioria dessas medidas exigirá investimentos substanciais, em um momento em que o aumento da dívida representa uma grande preocupação. Mas a melhor maneira de pagar essa dívida é fazer as economias crescerem mais rápido e evitar que mais famílias caiam na pobreza”, comentam.
O artigo pode ser lido em: Blog World Bank
E fica aqui uma sugestão de leitura incrível, que me abriu muito os olhos para os reais problemas sociais do mundo: “O momento de voar”, livro escrito por Melinda Gates.
Livro O momento de voar, Melinda Gates — Foto: Amazon
Administrador | ME - Ministerio da Economia
3 a👏👏👏
Construindo negócios
3 a"Se as mulheres agricultoras tivessem o mesmo tipo de acesso que os homens, a produção nos países em desenvolvimento aumentaria 4%. Ainda, seria possível reduzir em 17% o número de desnutridos, o que representa aproximadamente 150 milhões de pessoas." Que artigo maravilhoso. Precisamos mesmo repensar muitas coisas. Obrigada por compartilhar Naiara Bertão.