O que o mercado ainda não descobriu sobre as mães

O que o mercado ainda não descobriu sobre as mães

A maternidade é como fazer um MBA em poucos meses, descobrindo e desenvolvendo habilidades

Quando meu filho nasceu, escrevi para a minha mãe: "Eu só aprendi a ser filha no momento em que virei mãe". Tenho refletido com frequência sobre o que estava implícito nessa mensagem.

Talvez estivesse vivendo na pele aquilo que só encontrava nos livros: a maternidade como um evento catalisador. Um acontecimento tão forte capaz de alterar a lógica de tudo. O fim e o início exatamente ao mesmo tempo – a despedida da vida que vivia até então e as boas-vindas a novos desafios, medos, anseios, dúvidas e, claro, uma nova rotina.

Digo “catalisador” porque hoje, três anos depois da chegada do Fivo, noto como algumas das minhas habilidades socioemocionais estão mais maduras. Como recrutadora, sei o quão complexo é desenvolver essas competências – afinal, estamos falando de habilidades intimamente ligadas a aspectos da formação da nossa personalidade.

Quando me tornei mãe, comecei a refletir sobre crenças limitantes profundamente arraigadas em mim – como o papel da mulher na família e no trabalho –, e passei a olhar sob diferentes perspectivas minhas convicções, reconsiderando o que para mim era verdade absoluta.

Durante boa parte da minha vida, fui atleta profissional. E atletas profissionais não são criadas para pensar que um dia serão mães, apenas competidoras olímpicas. Por isso, na infância, eu troquei as bonecas por campeonatos. Depois, na vida adulta, ao me tornar executiva, minha prioridade continuou sendo a autossuperação. Então, quando desejei ser mãe, pensei: “Será que vou ter que renunciar a alguma outra escolha na minha vida para viver este momento?”

Diversos autores, como Daniel Goleman, pioneiro no tema “Inteligência Emocional”, e Nassim Taleb, autor de “Antifrágil”, estudaram os impactos de eventos catalisadores no desenvolvimento de competências socioemocionais. São episódios que nos fazem refletir intensamente e que podem mudar a maneira como enxergamos o mundo. Sheryl Sandberg, COO da Meta, lançou em 2017 o livro “Plano B”, em parceria com o pesquisador norte-americano Adam Grant. Escrevendo depois de perder o marido em um acidente, Sheryl reflete sobre encarar momentos difíceis, construir resiliência e buscar novamente a alegria. Ter um filho é o oposto de viver uma perda, mas também sacode nossas estruturas emocionais, e identifico muito do que vivi numa frase dela: “Uma experiência traumática é um terremoto que sacode nossa crença num mundo justo, que nos rouba a sensação de que a vida é controlável, previsível e tem sentido”.

A maternidade não é o único evento catalisador que enfrentamos. A perda de um ente querido, uma doença ou uma demissão podem nos levar a enfrentar nossas escolhas. No entanto, diferente desses outros, tornar-se mãe carrega um estigma negativo no ambiente profissional, como se fosse contrário (em vez de benéfico) ao desempenho de longo prazo. Em vez de as mulheres serem valorizadas por esse processo de amadurecimento e autoconhecimento, elas enfrentam um preconceito de escolha, que precisa ser urgentemente modificado. 

Apesar de toda beleza e fascínio que envolvem esse momento, ser mãe ainda é uma das razões pelas quais mulheres ascendem menos a posições de liderança.

De acordo com o IGBE, estamos mais presentes em universidades do que os homens (cerca de 34% contra 28%), mas eles têm maior empregabilidade em todos os níveis de formação. Nos cargos gerenciais, as mulheres ocupam apenas 39% das vagas. E essa não é uma realidade exclusiva do Brasil.

Para Colleen Ammerman e Boris Groysberg, professores da universidade de Harvard e autores do livro “Glass Half-Broken: Shattering the Barriers That Still Hold Women Back at Work, o “cano começa a vazar” (da expressão em inglês, leaking pipe) quando as mulheres chegam aos 30 anos. Numa pesquisa conduzida pelos autores com jovens norte-americanas recém-formadas na faculdade, 85% identificaram que “priorizar a família em detrimento do trabalho” é a barreira número 1 para ascenderem profissionalmente.

Não há dúvidas de que há mulheres qualificadas aos montes para cargos de liderança. Mas, como bem aponta Giulliana Bianconi, cofundadora da empresa de jornalismo de dados Gênero de Número, “falta espaço para pensar em um mercado de trabalho que contemple mulheres mães” – afinal, os homens também são pais e não sofrem essa interrupção na carreira.

Contra todos os (infelizes) fatos e dados, a verdade é que ser mãe gerou efeitos muito mais positivos do que negativos na minha carreira – e fiquei pensando que não deve ter sido só comigo.

Motivada pela curiosidade de entender se esse tinha sido um processo individual ou se outras mulheres compartilham da mesma experiência, decidi escutá-las. Em julho deste ano, conversei com mulheres, mães e executivas, em posições de liderança nas maiores empresas do Brasil, como Meta, Grupo Votorantim, Pátria Investimentos, Google Pay, Gerdau e McKinsey. A partir de seus relatos, percebi que temos muito em comum. As histórias dessas mulheres – e a minha própria vivência – me levaram a compartilhar as competências que passaram por saltos qualitativos depois da maternidade e os ensinamentos que esse processo nos trouxe. Registro-os aqui, pois quem sabe sirva de estímulo para líderes e recrutadores olharem com outro viés para as profissionais que são mães.     

EMPATIA

Arlene Heiderich Domingues, que era VP de Relações Institucionais e RH da Nexa Resources, me contou que a evolução de suas competências socioemocionais foi reconhecida diversas vezes pelos colegas de trabalho. Ela destacou mudanças como “maior tolerância e maior compreensão do tempo do outro, uma espécie de ‘abrandamento’ da forma”, disse.

Em uma outra conversa, desta vez com Flávia Camanho, empreendedora especializada em desenvolvimento humano, ouvi que ela “se tornou uma líder melhor, com mais empatia e abertura” depois de ser mãe.

Ao aprimorar o senso empático, não só a nossa capacidade de se relacionar é favorecida, mas a de liderar também. Porque mais empatia significa mudar a forma como gerimos conflitos, toleramos o diferente, e como nos tornamos mais abertas para opiniões divergentes.

TOMADA DA DECISÃO

Flávia Goulart, diretora de Community Partnerships da Meta, percebe que esse é um traço comum a ela e outras mulheres. “No dia a dia do trabalho, percebo uma característica comum na grande maioria das mães: objetividade e eficiência acima da média”, conta.

Depois da maternidade, a relação com o trabalho é redimensionada – nos tornamos menos sentimentais e mais pragmáticas nas tomadas de decisões, com dimensionamento mais equilibrado entre análise, risco e cautela.

Percebi isso quando me vi responsável por uma vida. Quando o que está em jogo é a sobrevivência e o desenvolvimento de um bebê, todas as outras decisões parecem mais simples do que antes – o parâmetro do que é difícil muda.

AUTOCONFIANÇA

A clareza de posicionamento tem um impacto enorme no aspecto profissional. Quando, em uma das conversas, Caroline Carpenedo, diretora-executiva de Pessoas e Responsabilidade Social da Gerdau me disse “nunca mais, depois de ser mãe, ouvi que eu era ansiosa”, me dei conta de que se apropriar do protagonismo da própria vida e carreira traz grandes benefícios, inclusive para a nossa saúde mental.

Autoconfiança tem a ver com se apropriar de um papel autoral na construção da sua história. É sair de uma posição de atender às vontades e expectativas do outro e ser dona das suas ações e decisões com paz de espírito.

GESTÃO

Senti que aprimorei a versatilidade para gerenciar múltiplas tarefas ao mesmo tempo, numa dinâmica melhor de definição de prioridades e delegação. Flávia Camanho me contou algo similar: “eu fiquei mais focada, com mais efetividade na entrega, e soube administrar o meu tempo melhor”.

Aliás, vale aqui uma dica. No livro “Blink – A decisão num piscar de olhos”, do jornalista britânico Malcolm Gladwell, o autor revela que, para tomar uma grande decisão, não é necessário ter mais tempo para processar as informações, mas sim filtrar os elementos que realmente importam.

INTUIÇÃO

Intuição é um processo pelo qual passamos, mesmo que involuntária e inconscientemente, para chegar a uma conclusão sobre algo. É uma habilidade que se desenvolve na mesma proporção do nosso autoconhecimento. Trata-se da capacidade de ir além de dados, fatos e números e decidir o que é melhor para a equipe e para a empresa. Vejo a maternidade como uma oportunidade contínua de conhecermos a nós mesmas, fortalecendo, portanto, a nossa intuição – não apenas como mães, mas como profissionais.

ALTRUÍSMO

Como mãe, vi crescer em mim o desejo de contribuir para um mundo melhor – a vontade de deixar um legado humano positivo para as próximas gerações. Um senso colaborativo aguçado – ou altruísta, por assim dizer – pode ter consequências diretas na agenda ESG de empresas, por exemplo. Temas socioambientais e de governança podem se tornar ainda mais prioritários quando há pessoas olhando para eles sob essa perspectiva.

MBA EM POUCOS MESES

De tudo o que ficou dos relatos dessas mulheres, o mais importante para mim é que todas reconhecem a potência que a maternidade exerceu (e exerce) em suas vidas pessoais e profissionais.

Michele Robert, CEO da Gerdau Summit, foi assertiva ao dizer que “sim e muito”, quando perguntei sobre o desenvolvimento dessas habilidades enquanto mãe. Paula Paschoal, diretora-executiva do Google Pay, ousa dizer ainda que foi “um MBA em poucos meses”.

É preciso que as empresas mudem a ótica sobre maternidade e passem a entendê-la como uma oportunidade singular de desenvolvimento de aptidões socioemocionais. Esse processo de transformação pode até acontecer por outros caminhos que não a maternidade, mas ter um filho é uma via expressa e intensa de aprendizado.

Maternidade e carreira não são antagônicas. Ser mãe não é motivo para “descarrilhar” a profissão de qualquer mulher. Ter um filho não deve ser sinônimo de renúncia de papéis – seja na vida pessoal, seja na profissional.

Mulheres podem e devem escolher exatamente o que e quem querem ser.

Para isso, devemos nos apropriar do papel de protagonista da nossa vida – como mães, como profissionais ou como aquilo que simplesmente desejamos ser. Porque é assim que vamos nos desvencilhar dos estigmas sociais que colocam a maternidade como um “descarrilhador” de carreiras. Melhor ainda será se as empresas também se abrirem para olhar a maternidade com outro viés, aproveitando os benefícios que esse processo traz para as mulheres, ressignificando o papel de profissionais mães.

 

Flávia Siqueira

Ajudo você a conquistar vivência internacional, viajando o mundo com salário em dólar, através de aulas personalizadas além de cursos preparatórios para processos de intercambio, work & travel, trabalhar em cruzeiros

3 a

Grande parte das mulheres opta por deixar a carreira stand by justamente por conta da dificuldade em encontrar empresas que propiciem uma boa acolhida na reinserção da mãe na rotina do trabalho, sobretudo empresas de pequeno e médio porte. Outras continuam em empregos onde não se realizam, prejudicando sua saúde mental e física, por medo do julgamento da família, por não se acharem capazes de enfrentar novos desafios, por se acharem velhas demais para uma transição de carreira. Durante os últimos 2 anos, segundo uma pesquisa da PERSON, cerca de 84% das mulheres tem o desejo de empreender em 2022, porque sentem a discriminação das empresas no que diz respeito às oportunidades de trabalho entre homens e mulheres. Por isso, autoconhecimento é o caminho mais eficaz para desenvolver a Autoconfiança e assim alcançar uma Vida em Alta Performance.

Letícia, muito, muito bom! Este artigo deve ser lido por homes e mulheres, por quem quer ter filho e quem lidera times. Uma inspiração. Parabéns

Niara Lacerda

Mãe | Em transformação: estudando Psicologia

3 a

Adorei o texto Letícia, parabéns e obrigada por compartilhar essa visão importante e necessária!

Flavia Bizinella Nardon

Diretora Global de Pessoas e Responsabilidade Social I CHRO

3 a

Parabéns Letícia! Super importante olharmos para este tema com essas lentes.

Camila Silva Francischelli

Investor Relations Director at Movida Aluguel de Carros

3 a

Acompanhar essa sua trajetória é um privilégio e uma inspiração! Que mais mulheres sejam empoderadas e encorajadas a serem o que quiserem! Que sejamos para nossos filhos exemplos de amor próprio, sucesso pessoal e profissional - assim como você certamente é para o Fivo e espero ser para a Bianca!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Letícia Marson Perez

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos