O Radiologista Intervencionista e o Encanador

O Radiologista Intervencionista e o Encanador

A Radiologia Intervencionista é uma especialidade médica que começou a ser idealizada nos anos de 1960 a partir da visão e do trabalho de uma Radiologista chamado Charles Dotter que com justiça é reconhecido como o Pai da Radiologia Intervencionista. Em 2002 tive a oportunidade de visitar para aprofundar parte do meu treinamento como Radiologista Intervencionista justamente no Instituto Charles Dotter da Universidade Estadual de Oregon em Portland. Na época o Dr. Dotter já era falecido, mas os seus colegas mais próximos e o seu legado permaneciam intatos. Lembro que um dia almoçando com o Dr. Joseph Rosch (que também já nos deixou) conversávamos sobre a identidade desta nova especialidade e a dificuldade que tínhamos (e ainda temos) para explicar, não apenas para os pacientes, mas para as pessoas de forma geral o que verdadeiramente fazíamos dentro da medicina. Ao fim, lidamos com imagens, mas também utilizamos instrumentos muito delicados para realizar tratamentos minimamente invasivos para inúmeras doenças que acometem quase todos os órgãos e sistemas do corpo humano. O problema é que poucas pessoas conhecem estas possibilidades de tratamento. O Dr. Rosch me contava que Dotter costumava se apresentar como “o Encanador do Corpo Humano”, o que significava que podíamos entupir ou desentupir qualquer vaso sanguíneo o conduto do corpo dependendo da necessidade.

Depois de quase 20 anos essa história voltou ao meu presente. Acontece que eu moro com a minha família numa casa térrea na cidade de São Paulo e com as recentes chuvas torrenciais típicas desta época do ano acabou entupindo um cano de água pluvial e o nosso quintal ficou completamente alagado. Chamei uma empresa especializada em desentupimentos e prontamente chegou um encanador que ao ver a situação fez o diagnóstico imediato: Está entupido!

Ato seguido começou a explicar que o método apropriado para desentupir o cano seria a utilização da máquina comumente conhecida como roto-rooter, uma máquina que utiliza cabos espiralados ou hastes flexíveis de metal que ensamblam um no outro até atingir o local da obstrução. Pela minha formação e expertise em procedimentos de Angioplastia para desentupir artérias acometidas pela doença aterosclerótica não tive qualquer inconveniente em compreender o mecanismo, mas o que verdadeiramente eu queria saber era quanto iria custar esse serviço. Aí o profissional me respondeu: “Bom doutor, o preço depende da distância onde o entupimento está localizado. Cada haste tem 1 metro e contamos a quantidade de hastes que são necessárias até chegarmos ao local entupido, e o preço é de R$ 250/metro”. Com cara de surpresa olhei para o encanador e quis saber se eu tinha entendido de forma correta o custo do serviço e disse: “veja, do local do ralo no quintal até a saída na rua tem uns 20 metros; se o entupimento estiver perto da desembocadura, o custo seria de quase R$ 5000,00? “

Ele respondeu afirmativamente: “É isso mesmo Doutor!”

Com uma certa indignação, mas com absoluto respeito comecei a explicar a ele qual era a minha atividade. Contei que era um radiologista intervencionista que fazia mais o menos a mesma coisa, porém nas pessoas. Mas também, expliquei que o processo era uma pouco mais complexo e disse: “veja quando um paciente me procura no consultório porque tem dor ao caminhar e mediante exames descobrimos que isso está ocasionado pelo entupimento de uma artéria eu preciso inicialmente fazer um relatório de várias páginas para pedir que o plano de saúde me autorize a fazer o procedimento para resolver o problema. Quando depois de algumas semanas finalmente o procedimento é autorizado eu preciso internar o paciente no hospital, fazer o procedimento e cuidar dele no pós-operatório assumindo integralmente a responsabilidade pelo paciente em cada uma dessas etapas. Com sorte, o plano de saúde me paga os meus honorários depois de 3 meses e o valor não chega nem a metade do que você quer me cobrar para resolver o entupimento da minha casa.....”

Com cara de pena, o encanador olhou para minha cara e disse: “Doutor, o problema não é que eu sou caro, o problema é que o Senhor é muito barato!!!!”

Triste realidade........


Dr. Nestor Kisilevzky

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