O tempo é a pedra angular das relações

Já reparou como muitos dos problemas de desconexão que acontecem nos nossos relacionamentos são causados ou ao menos impulsionados pela falta de tempo? 

É a falta de tempo que me leva a não encontrar meus amigos e cultivar comunidade. A falta de tempo para ter conversas profundas, honestas, transparentes. Falta de tempo para perguntar “como você está, e como eu posso tornar seu dia melhor?”. Falta de tempo para a gente se conhecer profundamente e criar intimidade. Falta de tempo para priorizar e se dedicar às relações.

E se você não tem esse desafio é uma exceção. Você sabia que a maioria dos adultos passa menos de 40 minutos por dia socializando? E o problema é que precisamos de tempo para nos tornarmos verdadeiramente íntimos de alguém. Um estudo realizado por Jeffrey Hall na Universidade do Kansas, observou que levam cerca de 50 horas para que conhecidos se tornem amigos casuais, mais 40 horas para se tornarem amigos reais e mais 200 horas para se tornarem amigos muito próximos. [Fonte: Social Chemistry, Marissa King]

Claro que a intimidade não pode ser medida com a matemática fria de um número de horas, mas fato é que sem tempo fica difícil cultivar relações significativas.

“Sem tempo irmão”

A falta de tempo também contribui para aquele estado de pressa interna que leva à desconexão. Já percebi inúmeras vezes o quanto a pressa me leva a impaciência, agressividade, interrupção, ao atropelamento das pessoas. Sem tempo, não conseguimos ver o outro. E sem ver o outro, não há espaço para o amor. 

Pra mim essa desconexão causada pela falta de tempo é muito bem explicitada por um experimento apresentado no livro do psicólogo Daniel Goleman. Um grupo de 40 (quarenta) estudantes seminaristas estavam se preparando para fazer um sermão, sendo que metade deles falaria sobre ajudar um desconhecido e a outra metade sobre tópicos aleatórios. Ao se direcionar para o espaço do sermão, havia um homem caído gemendo de dor, e apenas 16 estudantes pararam pra ajudar. Ao analisar aqueles que pararam para ajudar, o fator que teve mais importância foi o fato de não estar com pressa, e não o fato de estar estudando sobre o tema.  [(Fonte: Inteligência Social (Daniel Goleman]

Não preciso nem dizer o quanto essa falta de tempo crônica é uma questão estrutural, que reflete o modelo de produção e trabalho. Parafraseando Ailton Krenak, focamos tanto em nos desenvolver que nos esquecemos de nos envolver. E esse nosso modo de vida não só nos roubou o tempo do relógio, mas o tempo da alma, da vida, do amor. 

“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, ‘tempo é dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela conquista do tempo como universo de realização própria. A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize’.“ Antônio Candido 

Os gregos chamavam de Kairós o tempo específico em que uma janela se abre, e você subitamente passa a ver algo que talvez estivesse sempre ali, e você só não sabia. Um tempo único, infinito, que eu me arrisco a chamar de amor. 

Uma parede que se move quando a gente se faz companhia, um ataque de riso que desconcerta, o sopro de esperança que vem em uma conversa sobre sonhos, um dragão que vira fada através de uma escuta atenta, uma música cafuné enviada no meio da tarde, uma noite em claro cantando Elis Regina no karaokê da cidade, o abraço que desfaz o medo, a crise de choro que abre espaço, o gozo que liberta, o beijo que me ensina a voar. O tempo de Kairós é o tempo do afeto, e ele não pode ser medido no relógio, só sentido na alma. 

Bebo da Teoria do Fluxo, proposta pelo psicólogo de nome difícil, Mihaly Csikszentmihalyi, para tentar teorizar sobre esse tempo fora do tempo que às vezes vivenciamos nas nossas relações. Entrar em estado de fluxo com o outro é estar em um estado de sincronia tão profundo, que:

• Não há esforço, estamos em estado natural e sentimos que podemos ser nós mesmos um com o outro, 
• Perdemos a noção do tempo, e ele parece acelerar ou desacelerar 
• Nos des-identificamos, e temos menos apego a nossas ideias e identidades, nos misturando com as pessoas ali presentes e nos sentindo parte de algo maior que nós, 
• Ficamos tão presentes que o encontro é valioso por si mesmo, desapegando da necessidade de utilidade e chegar a um fim, 
• Somos capazes de improvisar, sair do script, compor com a realidade e com o outro,
• Estamos totalmente concentrados no que quer que estejamos fazendo juntos,
• Há uma fusão entre corpo, mente e emoções, e conseguimos sair do estado de agitação e ruminação mental. 

Em um cenário de falta de tempo crônica, gosto de pensar nesse tempo de qualidade, como um tempo que gera tempo. O tempo dedicado a momentos significativos, nos gera tempo, de chronos e de kairós. Sim, também ganhamos tempo no relógio - quando estamos sincronizados com as pessoas com quem nos relacionamos, as decisões se tornam mais fáceis, conseguimos pensar melhor, ganhar fluxo no nosso trabalho, ter as conversas difíceis com menos esforço. 

Então, da próxima vez que não tiver 1 hora inteira, escolha ficar 10 minutos por inteiro. E lembre-se sempre que puder, que você pode colocar o seu tempo a favor do amor. E isso é muita coisa.