O velho Ano Novo
Então, chegou o ano novo.
Você deseja, você espera que esse ano seja diferente. Que seja um ano realmente especial, repleto de sonhos realizados, de conquistas, saúde, amor e paz. Afinal, não são esses os votos que todos fazem para todos?
Desejar é saudável. Sonhar é imprescindível. Mas, como seres racionais, devemos questionar: por que esse ano seria diferente de todos os que já passaram? Alguns, certamente, foram muito bons. Outros, nem tanto. Não importa como foi o ano que passou, ou está passando. Todos querem um ano novo melhor, aperfeiçoado, sem os bugs do ano anterior, versão 2.0, já testada e aprovada.
Então você se veste de vermelho, amarelo, verde, branco... ah, o branco, neste ano quero paz! A roupa de baixo precisa ser nova, nunca antes usada. Exatamente à meia-noite, comer lentilha, jogar sal por cima do ombro, bater o pé direito três vezes no chão, ah, e não se esqueça das uvas. Pular sete ondas, a cada onda um pedido.
Rituais são importantes. Rituais nos dão a sensação de que, de alguma forma, temos controle sobre o nosso futuro. Somos seres pequenos diante do poder da natureza, dos caprichos de deuses ciumentos, do volúvel acaso, da ignorância dos dias vindouros. Precisamos nos apegar a qualquer coisa que nos dê um mínimo de segurança, um mínimo de poder sobre o que está por vir. Como olhar para o futuro, um futuro de 365 dias, sem ter a menor noção do que irá acontecer? Por isso nos precavemos. Lentilha, sal, uvas, roupas, cores, ondas.
Meia-noite. Mas qual meia-noite? No Japão, a meia-noite já foi ao meio-dia. No horário de verão, a meia-noite só será à uma hora da manhã. Tudo bem, os deuses não são tão rígidos assim. Desejos feitos, resoluções tomadas, rituais cumpridos. Tudo pronto para receber o novo ano, aquele que será diferente de todos os outros, aquele que finalmente trará as realizações tão aguardadas.
Neste ano terei muitos amigos, encontrarei a pessoa certa, farei contatos importantes para alavancar o meu trabalho e brilhar o ano todo.
Então, acordamos para o primeiro dia do ano novo. O que mudou? O que está diferente? Você acorda e se sente o mesmo. Olha-se no espelho e se vê o mesmo. O dia é exatamente igual ao dia que passou. E o dia seguinte, e o dia seguinte, e o dia seguinte.
O tempo que tanto prezamos e que tanto nos escraviza, só existe em nossa mente. Estipulamos que o dia começa ao nascer do sol e recomeça ao novo nascer do sol. São 24 horas – não exatamente – que limitam nosso dia. São 30 dias – aproximadamente – que limitam nosso mês. Mas nada disso é real. Em alguns países os dias duram seis meses. Assim como as noites. Cada ano é formado por um único dia e uma única noite. Em diversos países, os dias são mais curtos ou mais longos, dependendo da estação do ano. O tempo é relativo.
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Assim, a linha divisória entre esse ano e o próximo é muito tênue. Não existe uma fronteira bem definida que separa sua vida passada de sua vida presente.
Mas, para todos os efeitos, comemoramos o réveillon, encerrando o velho e dando boas-vindas ao novo. E tudo bem. O simbolismo também é importante. Também faz parte de uma vida saudável, assim como as resoluções e os desejos por mudanças. Poderíamos fazer isso a qualquer dia, a qualquer época, mas os marcos e as simbologias são parte de nossa herança psicológica e torna mais fácil nosso comprometimento com uma nova vida, uma nova atitude, um novo modo de ser.
Porém, roupas brancas ou coloridas, uvas, lentilhas, ondas, nada disso mudará o ano que se inicia. Utilizar muletas supersticiosas é divertido, é delicioso, mas nada fará para que nossos desejos se concretizem, para que nossos defeitos se evaporem, para que sejamos amados, ricos, famosos, realizados.
As festas de fim de ano são simplesmente festas. Para quem gosta, um prato cheio. Para quem não gosta, uma chateação. Nada mais, nada menos.
Curta, quem gosta de curtir. Dance, beba, coma, cante, estoure o champagne à meia-noite, distribua desejos e boa sorte para todos os que encontrar pelo caminho.
Ignore, quem não gosta de curtir. Tenha uma noite tranquila, como qualquer outra noite do ano. Durma sem nenhum peso na consciência.
Mas se você deseja mudanças, não deixe seus sonhos nas mãos do acaso. As mudanças dependem de suas atitudes todos os dias do ano. O futuro é costurado com as linhas do presente. E fadas e duendes não vão fazer o seu trabalho durante a noite. Sonhe, deseje, faça suas resoluções. Mas seja o artesão de sua vida, fio a fio, linha a linha. Você, e somente você, pode pintar o quadro do seu futuro, tecer a trama de seu destino, esculpir o mármore de sua existência.
Feliz Ano Novo.
Psicóloga, Neuropsicóloga, Escritora e Palestrante
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