Ocaso de mártires e heróis
Mártires e heróis têm convivido no imaginário popular há milênios. Feitos mitológicos forjaram atos heróicos contra bestas e forças sobrenaturais, redimindo aqueles que temiam em enfrentar seus destinos. Mártires simbolizaram o sofrimento de milhões ao manterem suas convicções mesmo diante de torturas horrendas e sacrifícios pessoais.
Ao longo da história mundial, da mitologia, do folclore e das religiões, mártires e heróis despertaram nossa consciência coletiva para fatos e movimentos importantes na trajetória humana. Verdade que muitos foram criados por mentes criativas para mobilização ou manipulação das massas, nem sempre com intenções nobres. E não esqueçamos que, salvo lobotomia em escala, bons vilões são essenciais para o sucesso dos mártires e heróis.
Atos heróicos foram cantados e celebrados como exemplos da moral idealizada, enquanto mártires comoveram e converteram mentes e corações. E assim foi numa época que as lendas começavam com "Era uma vez em um reino distante..." e as farsas podiam transformar um pobre alferes negro bexiguento em mártir inconfidente com traços de Jesus Cristo... Entretanto, mais recentemente, a revolução digital também tem causado estragos disruptivos cosmogônicos, e temos convivido com certa falta de renovação heróica ou martírica. Acesso e velocidade das informações, mapa mental pragmático e ética social do prazer são algumas das deidades contemporâneas que minimizam idolatria e ideologia. Nanotecnologia e biotecnologia parecem ter levado os santos milagreiros ao ostracismo.
Mas vamos aos fatos contemporâneos...
Na capital paulista, e também em várias cidades no Brasil, hoje foi uma data histórica. 13 de março de 2016 será lembrado como o dia com a maior manifestação política. Enquanto Dilma ainda burila sobre a diferença entre renúncia e resignação, Lula pode celebrar mais uma conquista em sua realidade fantástica: nunca na história desse país a população havia se mobilizado tanto contra um governo, contra um partido, contra um personagem.
Multidões foram às ruas para demonstrar seu despeito pelo desrespeito lulopetista, enquanto nenhuma liderança política foi capaz de se posicionar como referência. Máscaras de Newton Ishii (o "japonês da federal") e do juiz Sérgio Moro interagiram com os bonecos infláveis Pixuleca e Pixuleco, sem qualquer referência a lideranças oposicionistas que pudessem catalisar a busca de esperança por dias melhores em nossa nação combalida. Nem mesmo os jovens movimentos sociais que coordenaram as convocações das massas pelas redes sociais apresentaram nomes fortes.
Temos um ocaso de mártires e heróis.
Idosos, jovens, estudantes, empresários, famílias. Muitos foram hoje às ruas sem disposição para "morrer pelo Brasil" como clama nosso Hino da Independência, nem tampouco para apoiarem uma nova frente política renovadora de todos os males. Foram pelo ideal republicano em preservar a força das instituições para que mecanismos sociais e econômicos possam livremente promover o aumento da produtividade, do bem-estar social e da confiança. Foram pelo desejo de um Estado mínimo com menos tributos, menos intervenção econômica, menos subsídios direcionados, menos negligente com serviços sociais, menos incompetente em relações exteriores. Foram para expulsar uma gangue indecorosa instalada no poder há mais de uma década.
No olhar esquizofrênico petista, Lula ainda ressurgirá como fênix heróica contra a "mídia golpista" e a "elite opressora", ou sucumbirá como "pobre nordestino injustiçado". Felizmente, nenhuma das carapuças lhe servirá, e em sua lápide política se lerá apenas "Aqui jaz um tropeço democrático".
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Daniel Augusto Motta é Doutor em Economia pela USP, Mestre em Economia pela FGV-EAESP e Bacharel em Economia pela USP. É Sócio e Presidente Executivo da BMI Brazilian Management Institute. É Membro-Fundador da Sociedade Brasileira de Finanças. É Membro do World’s Most Ethical Companies Advisory Panel. É Professor de Economia, Estratégia e Liderança na Thunderbird School of Global Management e Fundação Dom Cabral. Foi Professor de Pós-Graduação pelo Insper, FGV, ESPM e PUC-SP. É autor de diversos artigos publicados pelos jornais Valor Econômico e Folha de São Paulo, e também tem três artigos publicados pela Harvard Business Review Brasil.