A omnipresença digital
“De acordo com o American Automotive Policy Council, uma organização industrial, as maiores companhias mundiais de automóveis chegam a utilizar mil chips por carro. Se faltar um chip que seja, o carro já não pode ser expedido”(1).
Tendemos a considerar que a informática, seja o hardware ou o software, são coisas dos computadores e da Internet.
Que a sociedade da informação se limita ao ciberespaço ou, numa versão já vanguardista, à “Internet das coisas” [tradução livre de “Internet of things” (IoT) (2)]. Essa amalgama de “gadgets” ligados à rede, que identificamos como modernices mais ou menos fúteis.
Se na perspetiva sociológica percecionamos uma transição da vivência social para o ambiente digital, na perspetiva tecnológica foi o digital que transitou para o mundo físico. O analógico é já uma peça de museu ou uma excentricidade de um mundo rural em vias de extinção.
Todas as comodidades que nos rodeiam foram invadidas pelo digital e se renderam à tendência universal de partilha de dados em rede.
Não são apenas os Humanos que estão nas redes sociais digitais, as coisas também!
Tal como aconteceu com os automóveis, conforme evidencia a frase de Chris Miller que citamos no início deste texto, do contador da luz ao frigorífico, do robot de limpeza ao televisor, também as nossas casas são hoje seres digitais permanentemente ligados ao ciberespaço partilhando na rede os nossos hábitos familiares. Como o é o telemóvel, o smartwatch, o tablet, etc.
Pelo consumo de luz, água quente e aparelhos de televisão ligados em simultâneo, certamente que uma qualquer Inteligência Artificial da nuvem já determinou quantas pessoas vivem nessa casa, quando entram, quando saem, quando comem, que hábitos televisivos têm, quando tomam banho, quando dormem…
Pelos milhares de sensores espalhados no nosso automóvel, sabem como conduzimos, quando e para onde… e quanto tempo lá ficamos.
Toda a rede bancária (e as Finanças também) sabe quanto dinheiro temos, quanto recebemos, quanto gastamos, onde e quando.
E todos os cartões de desconto, apps comerciais ou sites de e-commerce já construiram o nosso perfil de consumidor. Sabem melhor que nós o que gostamos e o que é melhor para nós, queiramos ou não.
Sabem até, para nosso bem, como estamos de saúde. Pois caridosamente o telemóvel e o smartwatch registam (e partilham, claro está) os hábitos saudáveis que agradecidos aprendemos dos gurus digitais.
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E tudo isto é possível porque meia dúzia de empresas, à escala mundial, reduziram hiper processadores de dados a complexas topografias de produtos semicondutores (3) registadas em placas de silício de nanotecnologia, passíveis de incorporar discretamente o mais inocente objeto do quotidiano.
O circuito integrado passou a fase endémica do tradicional ambiente informático, para se tornar num elemento verdadeiramente pandémico de toda a tecnologia moderna.
Uma pandemia que ameaça tornar-se endémica a todo o planeta, e para qual me parece duvidoso que estejamos a desenvolver os anticorpos necessários.
PDV
2024
#48k #direitodigital #informática #ciberespaço #circuitointegrado #chips #produtossemicondutores #economiadigital #propriedadeindustrial
Notas:
(1) Chris Miller, A Guerra dos Chips, D. Quixote, 2023 (tradução de Diogo Freitas da Costa).
(3) Abordo a temática numa perspetiva jurídica a pp. 127 a 146 do meu Manual de Propriedade Intelectual Digital – Tomo I Das Criações Digitais, Editora D’Ideias, 2023 [https://editoradideias.pt/loja/ideias-de-direito/104-manual-de-propriedade-intelectual-digital-tomo-i-das-criacoes-digitais.html]
Professor Adjunto no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave
8 mMuito obrigado, Pedro! Dany kahneman, que faleceu recentemente, dizia que temos a ideia que entendemos o passado e criamos a ilusão de que a vida é possível de entender e que conseguimos prever o futuro. Apesar de concordar com ele, acho que é bom tentar compreender o presente e sair, por momentos, do estado de alienação em que vivemos. As tuas crónicas são uma excelente ajuda!