Os desafios da Indústria 4.0 no Brasil
No meu artigo do dia 20 de janeiro, eu trouxe alguns dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para mostrar que, embora já faça parte da mentalidade do empresário brasileiro, a digitalização ainda está em um estágio embrionário no País.
Para embarcar nessa grande transformação histórica, o Brasil não enfrenta apenas desafios de conscientização. Mesmo que mais da metade da indústria já esteja ciente das possibilidades inéditas de inovação e do impacto econômico desse fenômeno, os desafios estruturais ainda são muitos.
No nosso atual momento, alguns setores estão claramente defasados e necessitam de uma requalificação estrutural inteira. Por outro lado, outros setores já concretizaram algumas de suas potencialidades e, por causa disso, poderiam muito bem servir de modelo para a implementação dos processos de transformação, mas eles também enfrentam desafios, principalmente em relação à demanda e à mão de obra.
As oportunidades são muitas, mas cada uma delas traz um desafio.
1. Toda empresa deseja mais inteligência
Provavelmente uma das características mais promissoras e revolucionárias da Indústria 4.0, a criação de um modelo de dados inteligente, permite que as empresas organizem seus processos em um fluxo e digitalizem toda sua cadeia de valor, desde o design, passando pelo produto e indo até o serviço oferecido.
Os resultados possibilitados por essa integração? Criação de soluções específicas, produtos específicos e benefícios específicos. Como analisamos nos artigos anteriores, uma empresa que opera com processos mais assertivos alimentados por dados consegue otimizar toda sua cadeia de valor, flexibilizar sua produção para entregar produtos cada vez mais customizados e ainda reduzir seus custos operacionais quase pela metade.
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Antes de operar em uma plataforma digital e conseguir desfrutar de todos os benefícios dessa transformação, as empresas precisam de uma integração end-to-end. Por meio da Internet das Coisas, a digitalização tem poder de transformar a economia e pode ser fundamental para que muitas organizações se mantenham competitivas num futuro bem próximo. Para isso, é necessário integrar softwares industriais e automação, além de expandir redes de comunicação.
O Brasil, por meio de diversos grupos de estudos, um deles liderado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), está avaliando suas capacidades nesse processo. Muitas empresas nacionais já empregam alguns dos recursos-chave para essa integração, mas o País ainda nota uma defasagem tecnológica acentuada em muitos setores, como no metal-mecânico. Como os processos e os conceitos de trabalho de algumas áreas sobreviveram às décadas, a transição para um novo modelo conceitual de negócios é mais turbulenta.
2. Toda empresa deseja lançar seus produtos mais rapidamente
Com a flexibilização dos processos de manufatura, numa cadeia operacional em que máquinas conversam com máquinas para funcionar de maneira mais inteligente, o design e a produção de lotes menores de produtos se tornam economicamente viáveis para muitas empresas. Como os produtos serão desenhados em um ambiente virtual por meio da colaboração entre produtor e usuário, a necessidade da criação de protótipos físicos para esses produtos é largamente reduzida.
Os resultados possibilitados por essa redução do uso de protótipos? Redução subsequente também do time-to-market. Posto de outra maneira, o tempo de lançamento de um produto no mercado cai pela metade. Quanto mais controle uma empresa tem sobre seus processos de desenvolvimento, mais assertivamente consegue prever o tempo necessário para o lançamento. Outras variáveis fundamentais para o sucesso desse encurtamento são o entendimento do público consumidor e a elaboração de uma estratégia de lançamento sensível ao momento do mercado. Com a correta interpretação do big data, todo esse controle se torna possível.
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Todas essas questões são inicialmente sensíveis ao nível de conscientização das lideranças das empresas sobre sua própria capacidade tecnológica. Se o Brasil começou a identificar os setores e as organizações com maior potencial para adotar os recursos técnicos relacionados à Indústria 4.0, isso tem motivação estratégica: o sucesso dessa transição em um setor mais desenvolvido pode facilitar a transição em outros mais atrasados e também servir de modelo de desenvolvimento para futuras indústrias.
Isso acontece principalmente porque não há uma única tecnologia e uma única estratégia de transformação. Como uma das principais vantagens oferecidas pela Indústria 4.0 é a sua flexibilidade — a sua capacidade de se adequar às necessidades específicas de uma empresa — as tecnologias são igualmente flexíveis e específicas, o que deixa na mão das mesmas empresas a tarefa de entender quais seriam suas próprias necessidades.
Além disso, as tecnologias requerem um novo conjunto de habilidades dos profissionais. Elas não são necessariamente mais complexas, mas necessitam de conhecimento especializado para que possam ser usadas com o máximo de eficiência. Logo, a adoção de políticas que estimulem a disseminação de conhecimento técnico é desejável para desenvolver sistemas de demonstração e permitir que os usuários entendam as maneiras mais eficientes de empregar todo esse potencial tecnológico.
3. Toda empresa deseja entregar produtos com mais qualidade
A análise sistemática das preferências dos consumidores e a integração ativa desses usuários no processo de desenvolvimento de produtos de uma empresa é muito mais do que uma estratégia de relacionamento. Os benefícios proporcionados pelo tratamento inteligente de dados são visíveis no aumento da qualidade e no aumento da eficiência de uma empresa.
Os resultados? Com toda cadeia de valor conectada ao big data de ponta a ponta, uma organização consegue operar um sistema de gestão de qualidade em loop fechado, corrigindo inconformidades e auditando todas as especificações necessárias aos seus produtos a cada etapa dessa cadeia, seja ela dentro da mesma área de produção, seja ela entre a área de produção e a área de suprimento.
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Embora a indústria brasileira seja bastante diversificada e atrativa a investimentos, o impacto e a urgência desse desenvolvimento requer foco.
A Indústria 4.0 intensifica a tendência mundial da servitização, que reflete a participação do setor de serviços na atividade industrial. Assim, a necessidade de antecipar erros e inconformidades antes que aconteçam cria oportunidades para o setor de serviços relacionados a software e à integração de sistemas.
Se compararmos Brasil e Estados Unidos, a participação do segundo setor como percentual do PIB é similar em ambos os países. No entanto, a densidade industrial americana é várias vezes maior do que a brasileira. Por aqui, a maior parte da oferta de serviços não é voltada para atividades que amparam o desenvolvimento da indústria, mas para atividades que se destinam diretamente ao consumidor final.
Para que seja possível usufruir das potencialidades da qualidade, o País necessita desenvolver tecnologias específicas e criar programas que facilitem o intercâmbio de tecnologia, aproveitando que já possui uma base de competência estabelecida no setor. O desafio, no entanto, requer a atuação conjunta do governo e da indústria.
4. Toda empresa deseja mais controle sobre seus resultados
Embora alguns setores da indústria já tenham produtos amplamente individualizados, como é o caso da indústria automotiva, a gestão integrada dos componentes variáveis necessários para construir diferentes modelos de carro, por exemplo, nunca foi analisada com profundidade suficiente. Como essa individualização obedece tanto ao refinamento progressivo das preferências de consumo quanto às regulamentações impostas pelo mercado internacional, qualquer modelo de gestão integrada precisa lidar com o aumento progressivo da complexidade da linha de produção.
No caso da indústria automotiva, diferentes produtos são compostos por partes comuns (todo veículo possui um motor) e partes variáveis (que correspondem às diferentes características de série). Já que cada novo produto também introduz novas variáveis que precisam ser rastreadas e documentadas, isso é particularmente trabalhoso.
Os resultados da digitalização? Um dos principais desafios dos projetos de engenharia de software é configurar os mecanismos para administrarem as relações de restrição e dependência que são necessárias à formulação de um produto variável. Mas, por meio da integração de dados proporcionada pela criação de um digital twin, uma empresa é capaz de integrar diferentes variantes e versões de seus produtos em sua cadeia de produção e ainda simplificar a complexidade dessas operações. Como o controle rigoroso da qualidade dos produtos passa a estar conectado ao também rigoroso controle dos processos de produção e de distribuição por meio dos dados inteligentes, uma organização também consegue atender às expectativas de consumo e reagir a mercados voláteis, individualizando produtos e performance de acordo com os gostos dos seus consumidores.
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Essa integração demanda profissionais com conjuntos de habilidades multidisciplinares para que se possa transformar o big data em smart data. A integração entre os mundos real e virtual que caracteriza a Indústria 4.0 abre oportunidades em análise de dados, padronização de sistema, segurança digital e desenvolvimento de aplicativos. No entanto, nenhuma organização conseguirá qualificar toda sua equipe de tecnologia da informação do dia para a noite. Por isso, o desenvolvimento de competências precisa ser pensado a longo prazo.
No Brasil, entretanto, essa flexibilização multidisciplinar esbarra na agenda trabalhista tradicional. Enquanto o País estabelece uma forma de trabalho orientada a um contrato fixo, a atividade industrial inteligente se pauta por tarefas pontuais, de acordo com um modelo de projeto. Em relação a isso, quem sai perdendo são principalmente as empresas pequenas e os próprios trabalhadores: a Indústria 4.0 possibilita que grupos menores forneçam para grupos maiores e favorece a desverticalização da atividade industrial. Para isso, contudo, é necessária maior flexibilidade trabalhista.
Sonho ou realidade?
Uma coisa é certa: a digitalização já é uma realidade em muitos países e vai transformar nosso jeito de viver. As vantagens são muitas, tanto para os consumidores quanto para as empresas e trabalhadores. Apesar de acontecerem naturalmente para os primeiros, porque é um fenômeno atrelado às novas maneiras como já estamos vivendo, elas pedem adaptações para os segundos e terceiros, como vimos aqui.
O Brasil tem um enorme potencial e pode ser agente nesse cenário de transformação, mas precisa avaliar cautelosamente suas capacidades. Identificando setores-chave que possam apoiar a transição, é possível começar o trabalho de desenvolvimento. Somente com uma estratégia que combine governo, indústria e serviços é possível mitigar os riscos para desfrutar todas oportunidades. A digitalização oferece uma revolução para todos, mas também pede que todos atuem em conjunto.
Arquiteto de Soluções | Gerente de Produtos | Desenvolvimento de Negócios | Transformação Digital | Indústria 4.0 | TI Industrial | IoT
7 aExcelente artigo! Já realizei e participei de inúmeras palestras abordando o conceito de "Indústria 4.0", porém fala-se em demasia sobre benefícios tecnológicos, pouco sobre a real aplicabilidade na indústria, e menos ainda sobre a academia em si, a qual na minha visão, assim como de outros profissionais em comentários anteriores, representa a maior dificuldade em nosso desenvolvimento.
Sales Application | Customer Support | Analytic Problem Solving | Communication | Conflict Management | Presentation Skills | Problem-Solving
7 a"Essa integração demanda profissionais com conjuntos de habilidades multidisciplinares para que se possa transformar o big data em smart data. A integração entre os mundos real e virtual que caracteriza a Indústria 4.0 abre oportunidades em análise de dados, padronização de sistema, segurança digital e desenvolvimento de aplicativos. No entanto, nenhuma organização conseguirá qualificar toda sua equipe de tecnologia da informação do dia para a noite. Por isso, o desenvolvimento de competências precisa ser pensado a longo prazo." - Acredito que a "Os desafios da Industria 4.0 no Brasil" passam por Um Brasil também 4.0
Content Designer | UX Writer | Design Sprint | Copywriting | Webwriting
7 aExcelente texto. Parece-me que a ndústria, em geral, ainda subestima muito a importância da análise de dados e o machine learning por demandar tempo de estudo antes de impactar em resultados. Como você bem apontou, IoT possibilita que todo o hardware seja como um único organismo com diversas especializações, mas há muitas empresas coletando o big data sem saber encontrar o right data. Em um cenário que ainda temos tantos acidentes causados pelo não uso de EPI e por questões de inadequação ergonômica, parece surreal vislumbrar a indústria 4.0, mas eu quero crer que haja este esforço coletivo para fazer acontecer. O Brasil tem potencial para isto e precisa evoluir na educação tecnológica antes do envelhecimento inevitável da mão de obra nacional.
Consultor e Sales Executive na Siemens Digital Industries Software | Transformação Digital | Indústria 4.0 | Gestão de Inovação | Maturidade Tecnológica | PHARMA | MES
7 aFantástico. Recentemente publiquei o meu ponto de vista sobre este tema, onde abordo o alinhamento estratégico da automação com a gestão de inovação como ponto chave para a digitalização, na verdade uma chamada para este tema. Parabéns Paulo Ricardo Stark
Gerente Industrial | Valoren
7 aPerfeito, espero que dê tempo antes das empresas não irem todas para o Paraguai, que está nos dando uma aula de inovação.