Os desafios das mulheres no mercado de trabalho durante a pandemia

Quem conhece um pouco mais da minha trajetória profissional sabe que estou perto dos 30 anos de carreira. E apesar de sempre brincar com esse número que pode revelar a minha idade, vivi muitas coisas importantes ao longo dessa jornada e pude ver de perto grandes mudanças. Isso me permite avaliar alguns pontos de vista do mercado de trabalho para as mulheres por meio das minhas próprias experiências.

Um tema sobre o qual tenho refletido muito é o desafio que as mulheres enfrentam como profissionais durante esta pandemia. Apesar do assunto ser recorrente há vários meses, apenas depois de algum tempo é possível observar melhor sobre as consequências desta tendência. E para mostrar um panorama mais detalhado, busquei dados recentes e fontes que trazem perspectiva para nossa reflexão.

Impacto em números e dupla jornada

O mercado de trabalho é cheio de desafios para todos, mas quando se fala de uma rotina de home office, home classes, crise econômica e reestruturação da maneira em que o trabalho é feito, é importante entender como o gênero feminino é afetado.

Um estudo recente do Bureau of Labor Statistcs (EUA) mostrou um número maior de demissões de mulheres americanas do que de homens durante a pandemia. Enquanto as taxas de desemprego estavam em 4,2% para as mulheres e 4,3% para os homens em março desse ano, o número em abril saltou para 16% referente às mulheres e 13,5% referente aos homens.

Além disso, sabemos que as mulheres tradicionalmente realizam uma “dupla jornada” em casa quando o expediente chega ao fim e, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), elas ainda representam três quartos de todo o trabalho não remunerado. A situação é particularmente mais difícil para quem tem filhos ou é a responsável pelo cuidado de alguma outra pessoa, por exemplo. Com o home office, a jornada dupla agora pode ser vivida durante o dia todo, o que afeta o seu desempenho e também sua saúde mental.

Além disso, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também acredita que as mulheres continuarão a ser bastante afetadas por serem a maioria em trabalhos e setores impactados pela prática do distanciamento social, como o turismo e o varejo, e também porque em países em desenvolvimento há muitas estudantes que deixam a escola para complementar a renda familiar. Isso acaba gerando um efeito negativo multiplicador, e impacta na perda de renda entre as mulheres, atual e futura.

Preconceito enraizado

Apesar de os últimos 50 anos terem trazido muitas mudanças para as mulheres no ambiente de trabalho, ainda existem preconceitos que atrapalham o progresso delas, independentemente de serem mães ou do momento em suas carreiras. E durante uma crise econômica, esses preconceitos podem reaparecer. É o que diz um recente estudo americano feito com diversas universidades e divulgado em matéria recente da BBC. Um dos pontos levantados foi a constatação de que mulheres ascenderem a cargos mais altos é ainda mais difícil quando a empresa se encontra atravessando um momento de crise. Parece estarmos diante de uma visão enviesada de se confiar mais em homens para gerenciar situações críticas, mesmo que esteja no mesmo nível de experiência e competência de uma mulher. Apesar de diversos estudos e pesquisas revelarem os benefícios de se ter maior igualdade de gênero no ambiente de trabalho em todos os níveis, isso continua não sendo uma realidade. Para ilustrar, cito o estudo intitulado “O poder de paridade: Como avançar a igualdade das mulheres poderia adicionar $12 trilhões ao crescimento global”, feito pela Mckinsey & Company, em 2016, que segue sendo absolutamente atual e indica as vantagens de progredir com a inclusão de mulheres em diferentes setores mercadológicos.

O que as empresas e as mulheres podem fazer

A conscientização de que estamos tendo um impacto importante no posicionamento das mulheres no mercado de trabalho neste momento é o primeiro passo. É hora de redobrar a atenção, foco e prioridade no tema. Quero relembrar e reforçar aqui os 7 princípios de empoderamento de mulheres, elaborado pela ONU Mulheres em parceira com o Pacto Global das Nações Unidas, que mesmo tendo sido assinado em 2010 continua absolutamente crítico. Os princípios incluem estabelecer liderança corporativa de alto nível para a igualdade de gênero, e mais do que nunca, promover educação, formação e desenvolvimento das profissionais mulheres, e promover a igualdade de oportunidades não só na empresa, mas em toda a cadeia de mercado.

Do nosso lado, das profissionais mulheres, tenho consciência de que muitas de nós estão batalhando pela segurança financeira e de saúde de suas famílias, e por isso cada mulher em posição de liderança tem um papel importantíssimo, de servir como aliada e abrir caminhos para que mais de nós possamos conquistar relevância. É preciso falar sobre o tema, e com muita sabedoria não desperdiçar uma crise como a que estamos vivendo para acelerar o processo, tal como aconteceu em outros momentos históricos do século XX.

Do ponto de vista pessoal, é importante a divisão de tarefas domésticas e no cuidado com a família. Ninguém é capaz de fazer tudo sozinha, e ter um acordo entre os parceiros neste sentido é vital. Não menos importante, é o cuidar de si mesma, da sua integridade física e mental. Repito aqui conselhos que tenho recebido de profissionais de saúde, e que tenho procurado seguir com disciplina: limitar o acesso a informações em geral a fontes confiáveis, manter a auto confiança, ter regras de alimentação saudável, descanso, exercícios físicos, e conexão emocional com a família e amigos.

Mensagem final

Minha reflexão após estas constatações acima é a de que precisamos ter uma ação intencional neste momento, que não permita andarmos para trás nas questões da diversidade. Precisaremos persistir em cuidarmos umas das outras, além de cuidarmos de nós mesmas e das nossas famílias. Não é fácil, mas é possível, e assim estaremos caminhando para um novo normal que tanto se fala, do qual faça parte o desenho de sociedade mais diversa, equilibrada e feliz.