Os Desafios do Empreendedorismo Feminino
Certa manhã acordei e me deparei com a pergunta: quando e por que decidi ser empreendedora? Após fazer uma retrospectiva, cheguei a seguinte reflexão:
Decidi ser empreendedora quando ainda era estudante do ensino fundamental e nem imaginava que um dia viria a ser empresária. Nesta época, com 11 ou 12 anos, lembro que passamos por algumas dificuldades financeiras após a separação dos meus pais e, para poder ajudar em casa, fazia bolo de chocolate para vender na escola, no recreio. Certamente eu nem sabia o que era empreender, mas precisava fazer algo que gerasse dinheiro/lucro. Mesmo sem saber, de maneira bem amadora, estava utilizando alguns dos princípios do empreendedorismo.
Brasília e a minha passagem pelo Executivo Federal (2001 a 2011), foi uma verdadeira escola profissional e de vida! Trabalhava sem planejamento, sob pressão política constante, contra o tempo e com grandes entregas. Além disso, vivenciei injustiça e intolerância em situações que testaram minha índole e idoneidade o tempo todo. Lá pude perceber na pele até onde a inveja e o individualismo de “amigos” pode chegar para tentar te derrubar. Foi onde também conheci os verdadeiros preconceitos em relação a mulher e quando exercemos cargos de confiança e chefia, por competência e compromisso com a causa. Assim como o ciúme e a inveja de colegas mulheres quando o trabalho executado permitia algum destaque.
No entanto, mesmo diante de tantas resistências, em 10 anos de executivo federal conquistei cargos de liderança, ensinei homens e mulheres como trabalhar em equipe, de forma engajada e, principalmente, pude aprender muito com todos, mas em especial, com as interações e situações difíceis.
Sempre fui apaixonada pelo que faço, em especial quando sei que posso estar contribuindo para a melhoria de vida de outros. Fui muito comprometida com tudo e com todos, fazendo a minha parte e, talvez um pouco mais, para garantir os direitos do ser humano, o cumprimento das metas e dos Programas e Projetos Estratégicos do Governo Federal que estavam sob nossa responsabilidade.
Muito abdiquei do tempo pessoal, de horas de sono e de fins de ano com a família para garantir que as tarefas e metas fossem cumpridas em prazos cada vez mais curtos. Em 2011, depois de 10 anos, percebi que poderia dedicar o meu tempo e a minha energia para empreender em algo que me trouxesse mais satisfação e menos preocupações ou decepções. Algo que também me envolvesse e onde eu pudesse manter meu compromisso com uma causa maior.
Decidi sair do executivo federal e abri a Lucca Consultores Associados, uma empresa de Consultoria e Assessoria na elaboração, acompanhamento e execução de Projetos em Brasília. Um desafio muito grande e de alto risco, medidas as proporções.
Com apoio e incentivo de meu esposo, abri meu primeiro negócio oficial. Resolvi assumir as rédeas da minha própria caminhada profissional, correndo atrás de clientes para garantir a entrada de trabalho e dinheiro. Tudo isso, ensinando homens e mulheres como se faz um bom projeto, como antecipar-se a uma análise técnica e, principalmente, quando devemos aproveitar as oportunidades existentes em nosso favor.
Isso até o momento em que a gravidez mudou a minha vida e os impactos do empreendedorismo, que antes foram significativos e positivos, passaram a ficar em segundo ou terceiro plano. Não precisava apenas cuidar de mim, da minha saúde e bem-estar, agora precisava também cuidar de outro ser humano indefeso e em formação. As responsabilidades parecem muito maiores, nossa atenção se volta para o ser gerado em nosso ventre e o restante passa a ser algo a mais. É inexplicável.
Os primeiros meses após o nascimento de um filho são muito difíceis devido as várias mudanças hormonais, alterações de humor, mudanças de prioridade, incompreensão daqueles que estão próximos, até que você consegue superar isso tudo e passa a se reencontrar enquanto pessoa. Mas até chegar nesse ponto, são muitas as horas sem dormir, dias sem banho, descuido com a aparência, com a saúde, entre tantas outras coisas.
Diferente de muitas mães que precisam retomar suas atividades profissionais após 4 ou 6 meses do parto, eu pude permanecer os dois primeiros anos de vida da Sophia com ela, acompanhando seu crescimento e desenvolvimento. Foi uma escolha possível devido a ser empreendedora e ter condições de trabalhar minhas demandas de casa, reduzindo minhas agendas de viagem e me sentindo produtiva e reconhecida, principalmente como uma grande MÃE.
Este período me permitiu refletir a ideia de empreender para lucrar e ficar rica, como é o discurso de um empreendedor tradicional, mas que nunca fez sentido para mim. Acima de tudo está o compromisso com algo maior e que realmente possa fazer a diferença na minha vida e na vida do outro. Foi neste momento que conheci minha atual sócia e decidimos buscar algo novo que viesse ao encontro do nosso propósito comum, criando a Conecta Projetos, um negócio de impacto social que visa fortalecer os diversos agentes do Ecossistema de Projetos Sociais Incentivados, mobilizando recursos privados com vistas à transformação social.
Cabe destacar que empreender como Startup faz-se um desafio maior ainda, visto que requer muita dedicação, força de vontade, capacidade de errar para acertar e, principalmente, como mulher, superar os preconceitos sócio-culturais ainda existentes.
Preconceitos identificados no estudo realizado pelo Boston Consulting Group (BCG 2018), em parceria com a MassChallenge, que concluiu que startups fundadas por mulheres recebem muito menos investimento que as criadas por homens. Em longo prazo, porém, elas geram maior receita, apesar do baixo investimento inicial. Segundo o mesmo estudo, o machismo, junto a outros fatores como desconfiança, são fatores ou entraves que tentam justificar este cenário.
Como no meu caso, atualmente temos muitas empreendedoras prontas para desenvolver soluções que se conectam em rede com oportunidades de negócios escaláveis, com foco e capacidade de lidar melhor com as várias tarefas concomitantes de uma startup. Além de criar negócios com base na experiência, acreditarmos que somos capazes de superar estes preconceitos com sabedoria e por meio do compromisso assumido com o outro, ultrapassando as barreiras ainda existentes!
Neste sentido, discordo em parte dos fatores apresentados pela pesquisa, que na minha opinião são machistas. Prefiro concordar com Marcia Malaquias, diretora de operações e cofundadora da startup Alluagro, quando afirma que a mulher tem uma capacidade extraordinária de inovar e de gerenciar negócios, por sermos naturalmente multitarefa.
Quem empreende sabe que ter uma startup é construir um carro em movimento. Temos que montar o carro, parte a parte, abastecer, atender e servir as pessoas que estão lá dentro, com atenção, dedicação e diferencial que só o nosso negócio possui.
No ambiente de startups conheci outras pessoas e negócios que atuam em prol de propósitos maiores que vão além do dinheiro, buscando a transformação sociocultural e econômica de populações em situação de vulnerabilidade social que tem seus direitos privados.
Empreender com propósito é o que orienta minha vida atualmente. Propósito de uma vida digna, justa, onde precisamos ser profissionais, dedicados e criativos nos diferentes papéis que desempenhamos, utilizando a tecnologia como meio necessário para agilizar, automatizar os processos e alavancar os resultados almejados.
Sei que ainda temos um longo caminho a percorrer, vários paradigmas a serem quebrados, mas como mulheres, multifuncionais, acredito que temos competências e diferenciais que contribuem para nosso empoderamento e conquistas que são alcançadas diariamente. Vamos em frente pois arrisco dizer que os impactos do empreendedorismo feminino, conforme relatos anteriores, tendem a ser muito positivos.
Consultora e Palestrante em Inovação e Sustentabilidade - ODS e ESG, CEO Conecta Projetos by Lucca, Conselheira e Advisor de Negócios, Mentora, Avaliadora Programas Empreendedorismo, Inovação e Impacto socioambiental
6 aObrigada pelas Curtidas!!! Espero que a leitura tenha contribuído com algumas reflexões do nosso dia a dia.