Os Desafios Financeiros de Trabalhar no Exterior

Os Desafios Financeiros de Trabalhar no Exterior

Vou compartilhar as dificuldades financeiras que enfrentei e ainda encaro desde que mudei para os EUA. Para contextualizar, não venho de uma família rica; conquistei tudo por meio do trabalho árduo e não tenho uma rede de suporte caso algo dê errado. Se você teve a sorte de nascer em uma família abastada, essa história pode não se aplicar a você. No entanto, se sua realidade é semelhante à minha, talvez este artigo possa ajudar a se preparar para alguns cenários.

Além disso, mudei com minha esposa e filho, e no visto O1, um dos mais comuns entre publicitários, a esposa é proibida de trabalhar. Portanto, contamos apenas com minha fonte de renda para sustentar três pessoas.

Após seis anos de esforço, finalmente alcancei meu objetivo de mudar para os EUA e trabalhar em uma agência americana, junto com meu dupla Lucas Ribeiro.

No entanto, deparei-me com um desafio financeiro significativo. A ilusão de ganhar em dólar não se alinha com a realidade salarial. Deixe-me explicar em detalhes.


Recomeçar do Zero

Mudar para um novo país geralmente implica retroceder na carreira, recomeçar do zero. Isso ocorreu comigo quando mudei de Porto Alegre para São Paulo. Deixamos um mercado no qual estava estabelecido para começar novamente em um lugar onde ninguém me conhecia. Esse recomeço também significa aceitar um cargo mais baixo em troca da oportunidade de se colocar no mercado. Foi o meu caso.

O recomeço implica, também, em ter que adquirir tudo novamente para a casa, desde pequenos utensílios como abridores de vinho até móveis essenciais como cama e sofá. Uma boa notícia é que as residências aqui já vêm equipadas com utensílios de cozinha, como fogão, geladeira e micro-ondas. Finalmente, um ponto positivo, não é mesmo?


Desigualdade no Brasil e nos EUA

No Brasil, estávamos em uma boa posição, havíamos alcançado o cargo de Diretores de Criação em 2018 e estávamos ganhando bem pela primeira vez. É surpreendente como isso acontece no Brasil, com poucas pessoas ganhando muito bem e a grande maioria ganhando muito mal. A mudança de criativos para diretores foi um grande salto e isso é comum em todo o país, é a lógica da desigualdade.

Nos EUA, a dinâmica é diferente. Existem mais níveis hierárquicos e a diferença salarial entre eles é menor.

Para ilustrar: no Brasil, meu salário era 8 vezes o valor do meu aluguel. Aqui, é 2,5 vezes.


“Quem Converte Não se Diverte”

Essa sensação de ficar convertendo o quanto estamos gastando nas férias é desesperadora. Agora, imagina viver isso todos os dias durante anos. No primeiro mês, sem salário em dólar e sem contas e cartões americanos, fui forçado a usar minha conta do Brasil para tudo: hotel, comida, transporte. Ao alugarmos um apartamento, precisamos pagar uma entrada alta, muitas vezes até três vezes o valor do aluguel, principalmente porque não temos histórico de crédito, que eles chamam de "credit score" e eu vou explicar a seguir. Se considerarmos, então, um aluguel de 3 mil dólares aqui (um valor médio em uma localidade razoável), caso seja necessário dar uma entrada correspondente a três meses, o montante total seria de 9 mil dólares (equivalente a 45 mil reais). Isso apenas para garantir o aluguel.


Um Recém Nascido de 30 Anos.

Imagina chegar a um novo país sem histórico financeiro. Tudo se torna mais difícil. Nos EUA, eles têm um sistema chamado "credit score", que avalia o quão confiável financeiramente você é. É essencial construir esse crédito, o que leva tempo. Um baixo credit score encarece e dificulta muitas coisas, já que você não é visto como confiável pelas empresas financeiras.

No Brasil, o não pagamento de contas resulta em consequências sérias, como a inclusão no Serasa. Essa dinâmica se reflete nos Estados Unidos, onde atrasos ou falhas em pagar contas, além de baixos limites de crédito, afetam negativamente o credit score. Esse histórico de crédito é consultado em cada transação, como a compra de um carro, e ao chegarmos aqui, começamos do zero, exigindo tempo para construir essa reputação financeira.

Um baixo credit score torna tudo mais oneroso e complexo, já que a confiabilidade junto às instituições financeiras é comprometida. Isso se traduz em mais exigências de garantias no aluguel, necessitando de mais capital. Da mesma forma, na compra de um carro, são solicitados maiores valores de entrada, elevando as parcelas mensais, e assim por diante.


Um Dólar Não É Um Real 

É crucial mudar drasticamente a mentalidade monetária ao chegar nos EUA. O valor de 20 dólares é significativo, ao contrário do que aconteceria com 20 reais no Brasil. Comer fora várias vezes por mês, algo possível no Brasil, não é viável aqui.


Adeus Poupança

Com todos esses gastos, fui pego de surpresa e precisei utilizar todas as minhas reservas. Todos os meses, eu trazia dinheiro do Brasil para pagar as contas. O dinheiro que economizei durante 20 anos de carreira evaporou em apenas um ano.


“Saúde é o que Interessa, o Resto Não Tem Pressa”

No Brasil, bastava um simples sintoma para se encontrar no hospital. Cansado? Injeção de Benzetacil no bumbum e soro na veia. Torceu o pé? Raio-X. E tudo isso de forma gratuita. Essa acessibilidade é tão comum para nós que raramente paramos para refletir sobre o quão valioso é o Sistema Único de Saúde (SUS).

Entretanto, a realidade aqui é outra. Nada na área da saúde é gratuito, mesmo com um plano de saúde. Os custos sempre surpreendem. Você pode visitar o hospital por conta de uma simples dor de cabeça e receber uma conta de mil dólares, intensificando ainda mais o desconforto. Não é uma situação fácil.


"Escolas Públicas Nos EUA São Maravilhosas"

São mesmo. No entanto, para crianças menores de 4 anos, elas frequentam o "daycare", o que é extremamente caro. Enquanto no Brasil, meu filho frequentava uma escola excelente por um valor acessível, aqui, ele foi para uma escola extremamente simples que ainda assim custava mil dólares por mês. Se você é bom de matemática, já percebeu que meu salário ia todo no aluguel, na escola e no carro, né?


Serviços x Produtos

Comparando serviços e produtos, notamos que os produtos são acessíveis, enquanto os serviços têm um custo elevado. Há uma valorização significativa das pessoas e da mão de obra, o que é excelente, porém isso implica que não é comum ter alguém para fazer a limpeza da casa, ao contrário do que acontece no Brasil. Além disso, ter que fazer muitos serviços que não estamos acostumados, como montar móveis, manutenção do carro e da casa, entre outros.


Este artigo não pretende, de forma alguma, desencorajar você a buscar uma carreira no exterior. É apenas um alerta para quem, assim como eu, não tinha ideia de como as coisas funcionam neste país ao se mudar para cá. Se você estiver considerando essa mudança, espero sinceramente que este artigo possa oferecer algum auxílio. Boa sorte na sua jornada.

Victor Toyofuku

Creative Director at TBWA/Chiat/Day NYC

11 m

E você nem citou o preço do Negroni ainda

Sempre criativo. Até no jeito de pedir aumento. Hahahah. Brincadeiras à parte, que baita alerta. Torcendo sempre pelos amigos. Abraço!

Pedro Castro - MSc

🌟 Criador da @fundamento.biz 🚀 Ajudo você criar o seu negócio. 🎯 Ajudo você na Estratégia e Marketing. 💡 Construir o futuro juntos é melhor!

11 m

Esse foi o melhor texto que li sobre migração. Duro, realista mas necessário

Bern Dalla

Art Director at TBWA\Chiat\Day | Creative Visionary, Advertising Campaigns, Videography

11 m

Excelente artigo! Mudar para cá significa enfrentar desafio após desafio e como imigrante, normalmente não atrás de não (principalmente quando você vem como estudante e entra no mercado de trabalho). Mas no fim do túnel temos os esperado SIM! A luta e os aprendizados são contínuos.

Thaís Pedro

Diretora Regional América Latina | Negócios | Expertise em Gestão de Marcas| Digital | Mkt Influência | Coordenação Regional | Gestão de Pessoas | Expertise em experiência do consumidor

12 m

Impecavelmente realista e pé no chão ! Muito bom seu texto Kazuo! 👏👏👏

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