Os incomodados é que se mudam

O descontentamento é uma benção — pode trazer desgosto, inquietação, atribulação; sufoco —, todavia, pode nos livrar da síndrome da Gabriela e sua apologia do "eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim"... 

Romain Roland, Nobel de Literatura de 1915, informou-nos que: "Os homens inventaram o destino a fim de lhe atribuir às desordens do universo, que eles têm por dever governar". Não há nada mais entorpecedor do que acreditar que nada pode ser feito e, assim cantarolar os versos do poeta que diz: "deixa a vida me levar, vida leva eu".

O grande desafio humano é resistir ao feitiço da imobilidade — os incomodados precisam se mudar — tá de saco cheio do casamento? Mude-se. Infeliz com a profissão? Mude-se. Teu chefe é um mala? Mude-se. Os amigos não te dão a atenção que merece? Mude-se. Não está contente com a política do país? Mude-se agora...

Mas vale um alerta: não confunda as ideias — a mudança que vale a pena não é geográfica, mas intrínseca, pessoal, íntima. Aquela que nos desamarra, des-vitimiza e faz evoluir.

Mario Sergio Cortella nos leva a reflexão quando no primeiro capitulo do seu livro Não nascemos prontos ele diz haver um erro grave na frase: "uma pessoa quanto mais vive mais velha fica". 

Segundo o autor isso não é possível acontecer com o ser humano — para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando... Isso não ocorre com gente e sim com geladeira, sapato, fogão, cadeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não pronta e vai se fazendo.

Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição, revista e ampliada (inclusive para os lados). O mais velho de mim está no meu passado e não no agora.

Nascemos não prontos e vamos nos construindo ao longo da vida e, a inquietação, o incomodo, o desassossego é vital para este processo evolutivo. É diante dos agentes estressores que somos convocados a mudança.

Se o descontentamento é uma benção a letargia é a maldição. Visto que garante aos humanos o apalermado status de mesmice. Não há nada pior que a não mudança; o congelamento do potencial; a falta de progresso e evolução epistêmica.

A Lei da compensação

Diz-se que os melhores cavalos perdem quando competem com os mais lentos, e vencem contra os melhores rivais. Sub-compensações pela ausência de um agente estressor — a ausência de desafios degrada o melhor dos melhores.

Obstáculos, problemas, desafios, oportunidades, ou seja lá como chama aquilo que te incomoda, são ótimas chances para se mudar. Perceba que, como no exemplo do cavalo, a falta de rivais que nos ‘ameacem’ faz com que não evoluamos e nos esforcemos em busca de nossa melhor versão.

O problema da satisfação

O gênio Guimarães Rosa disse que "o animal satisfeito dorme". E esse é o grande mal causado pela satisfação — sono entorpecedor. Ele acaba com o sujeito ofertando uma falsa sensação de bem estar, conformismo e lugar seguro...

A satisfação é irmã da letargia e flerta com o comodismo. São três palavras de extrema passividade que nos priva do encantamento e sucesso da evolução. Já dizia o mestre Raul Seixas: “Eu é que não vou ficar com a boca escancarada cheia dentes esperando a morte chegar”. Isso não é mesmo uma boa escolha.

A bíblia cristã oferecesse um conselho para todos, mas para aqueles que querem a boa, perfeita e agradável vontade de Deus, ela dá uma ordem: 

"E não vos conformeis com este sistema, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus." Romanos 12:2

Estar de saco cheio talvez seja o combustível motivador para a ação. Sentir-se desconfortável, descontente, incomodado; pode libertá-lo da síndrome da Gabriela, do deixa a vida te levar, da passividade do destino imutável.

Claro que em alguns momentos a mudança pode até ser geográfica, mas no geral a mudança vital é no campo das idéias, valores, comportamento, discurso e opinião.

E AI, QUANDO É QUE VAI SE MUDAR?

Até a próxima!

Achiles Rodrigues

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