Os jogos da possessividade
Conhece o mito de Cibele e Átis?
"A história é antiga: na região central da Turquia, o culto a Cibele remonta a mais de 6 mil anos (depois, a mitologia romana a incorporou).
Mas o tema é absolutamente atual, pois fala das consequências trágicas do amor possessivo. Embora nesse mito a amante ciumenta seja também a mãe, muitos relacionamentos adultos implicam sentimentos inconscientes de dependência infantil e possessividade parental.
É comum levarmos para a vida adulta conflitos não resolvidos na relação com os pais, e pôr em prática as relações arquetípicas descritas neste mito.
Resumidamente, Cibele - deusa criadora de todos os reinos da natureza - teve um filho, Átis, a quem ela amava e se extasiava com sua graça e beleza a ponto de, quando ele chegou à idade adulta, tomou posse de sua virilidade e se tornou sua amante. Além disso, fez dele sacerdote de seu culto e o prendeu a um juramento de fidelidade absoluta. E assim viveram os dois fechados num mundo paradisíaco, onde nada podia macular a perfeição dessa união.
Porém, Átis, um dia, enquanto descansava sob a copa de um enorme pinheiro, viu uma bela ninfa por quem se apaixonou imediatamente e com quem teve relações sexuais. Cibele teve um terrível ataque - nada escapava a ela! - Usou seus poderes para fazer Átis entrar num transe delirante e, ele, em sua loucura, se castrou, para garantir que nunca mais tornasse a quebrar seu juramente de fidelidade a Cibele.
O fim da história é trágico: Átis sangra até a morte nos braços de Cibele, sob o mesmo pinheiro em cuja sombra havia se deitado com sua ninfa".
(do livro "Uma Viagem através dos Mitos", de Liz Greene e Juliet Sbarman-Burke)
Esta história lhe soa familiar?
Não precisamos nos fixar no incesto mítico dos personagens para perceber que estamos diante de relações bem conhecidas nos dias de hoje. Sim. Há mães que "prendem" seus filhos de tal forma que eles se tornam incapazes de se realizar como pessoas e como homens plenamente. Mas não podemos deixar de observar que falamos de processos inconscientes.
Há mulheres e homens que ocupam a posição de Cibeles e Átis em grande parte dos relacionamentos em que, por exemplo, o ciúme da dedicação do parceiro ao trabalho ou a uma atividade criativa, ou às amizades, faz com que a pessoa se afaste de tudo e de todos.
A explicação mais provável - à luz do mito, e de forma bem simplificada! - é que a pessoa possessiva é profundamente insegura e se sente ameaçada por qualquer sinal de separação desse objeto de amor - que remonta ao primeiro vínculo amoroso de todo ser humano.
Se não se sentiu amado o suficiente provavelmente vai carregar essa insegurança para outros relacionamentos na vida adulta.
Essa insegurança, por vezes, pode levar o possessivo a atitudes destrutivas - tipo Cibele: não é meu, não será de mais ninguém. O que seria uma atitude extrema!!
Mas há sinais mais sutis de autocastração quando o sujeito ocupa o lugar de Átis na relação: para satisfazer a Cibele o parceiro pode compactuar com isso, por medo de perder o relacionamento e a autocastração se concretiza no plano psicológico.
Quem ocupa o papel de Cibele costuma "impor sentimentos de culpa, negar-se ao outro em termos afetivos e sexuais, num jogo de poder, e isolar o parceiro, mediante uma interferência sutil de suas amizades e interesses externos."
Mas os tipos Cibele só existem porque os tipos Átis possuem uma necessidade absoluta delas. Átis é um bebê no plano psicológico, que não suporta se separar de sua mãe. "A dependência que sente é a de um filho em relação aos pais."
Ambos, Cibeles e Átis, vivem presos nessa rede. Não suportam o desafio humano fundamental da existência afetiva independente.
O mito que se contrapõe a este talvez seja o de Ulisses e Penélope, que fala de um amor baseado em confiança mútua, e que retrata a mítica da lealdade que pode haver numa união, apesar das tentações e provações a que possam estar sujeitos os dois parceiros!! <3
(imagem Grande Mãe Cibele, encontrada em flavyr.blogspot)