Os prejuízos causados pelas associações pró construção.
Uma forma crescente de aquisição de imóveis com um custo abaixo do mercado são as associações pró construção, verdadeiras empresas privadas, com intuito de construir edificações, na forma escusa de “sem fins lucrativos”.
O perigo está na forma como os seus associados são colocados nesse formato de negócios, e, as obrigações jurídicas que parece não ter um assentamento no roteiro normal das empresas privadas são contorcidas na fruição dos direitos trabalhistas, fiscais, civilistas e tributários.
Inicialmente a estrutura de formação deve ser desvendada com olhares afinados pelo consumidor final, para não entrar numa verdadeira aventura jurídica e perder o sonho da casa própria.
Um caso recente do escritório, foi uma cliente que adquiriu uma unidade em construção, cujo terreno estaria no nome da construtora, e seria feito o desmembramento tão logo ficassem prontas as unidades de cada investidor.
Ocorre que a construtora, seguiu um padrão típico de conduta de quem não quer trazer transparência e objetividade do negócio. Pensando assim, a construtora redigia contratos não fatíveis na justiça, certos de que caso algum adquirente quisesse questionar o referido contrato, esse não teria o condão de ser executado judicialmente, passando por todo o processo de conhecimento.
Nesse sentido, a cliente convencida do trabalho do corretor que lhe apresentou a grandiosa vantagem em adquirir uma unidade de quatro quartos num dos melhores bairros de Belo Horizonte, Cidade Nova, adquirindo a cerca de 70% do valor habitual de um imóvel pronto semelhante ao proposto pela construtora, com plano de entrega em 24 meses.
Os erros estavam na forma da apresentação dos planos da construção. A oferta de um imóvel ao preço de custo, sem a intermediação de um banco, interferiu diretamente na sua experiencia desastrosa.
O marketing da construção foi um garoto propaganda, portando boa aparência, carro luxuosíssimo, custando ali, beira de um milhão de reais, e vídeos instagramáveis de outras obras já concluídas pela construtora.
De sorte, a cliente visualizou antes da compra, o material que para ela, foi suficiente, mas não observou alguns detalhes na compra que se tivessem acendido qualquer alerta, teria ela, mesmo sem assessoramento jurídico, concluído pela inviabilidade da obra.
DETALHES DOCUMENTAL DA COMPRA DE IMÓVEIS POR CONSTRUTORAS EM MODALIDADE DE ASSOCIAÇÃO.
A aquisição iniciou pela busca em sites e páginas de Instagram de apartamentos de 04 quartos, com closet, duas suítes e duas suítes interligadas pela bacia do lavatório.
Ela encontrou a oferta numa página de Instagram com cerca de 8.100 seguidores. Porém os vídeos e anúncios tinham em média 10 curtidas, as vezes um ou outro comentário, e dificilmente algum reenvio. Sugerindo seguidores comprados.
Do ponto de vista da apresentação do portfólio, era um aglomerado de plantas baixas, sem a humanização ou as fotos de um projeto arquitetônico com desenhos próximos a uma realidade 3D, ou superior, que desse teto ao que ela buscava. Sugerindo baixíssimo comprometimento e nenhum Know-how.
Já da parte técnica, embora na placa da obra, estivesse todas as anotações para a aferição municipal, contendo o RT – Responsável Técnico, ela sequer procurou no google as informações sobre o referido engenheiro, vindo a descobrir depois, que o malgrado, era autuado em mais de 40 processos de outras construtoras em seu nome, nos anos passados, e, que não era engenheiro civil. Sugerindo a incompetência para a parte estrutural da obra.
Da parte documental cabe um pouco de paciência do nobre leitor, pois ela avoluma a percepção mais acurada, nada sensorial.
Na legislação civil vigorante, uma associação é uma pessoa jurídica de direito privado, constituída pela adesão de pessoas que se constituem para fins não econômicos. Artigo 53 do Código Civil.
Veja que para a constituição de uma associação, é preciso pessoas, mas no caso da cliente, havia apenas um personagem inserido no estatuto, embora mencionasse outros associados, nenhum assinou a ata, o estatuto, ou esteve algum dia em alguma assembleia ordinária.
A cliente deixou de observar o senso de pertencimento, focando inteiramente na oferta e todo o trabalho de marketing do nobre corretor. A cliente não cuidou de exigir do serviço de corretagem o estatuto, a forma de organização para a participação e as respectivas contribuições que deveria ser a ela mensurado para o alcance da finalidade comum (a construção).
A cliente participou de uma associação da qual ela não fazia parte, tendo a ela sido vendido uma relação popularmente conhecida entre fornecedores e consumidores.
O estatuto previa prazo de duração, continha menção a uma gama de documentos, pertinentes e indispensáveis para a transparência, como: planta, memorial, planilhas, cronograma físico/financeiro. Contudo nenhum desses documentos era acessível aos “associados”.
No referido estatuto continha a possibilidade de TER POR AFETADO OS BENS MÓVEIS E IMÓVEIS DA ASSOCIAÇÃO.
Para piorar, e sem causar qualquer estranheza, o estatuto também tinha as regras de pagamento, sob a rubrica ou inciso de “contribuições”, sendo assim discriminada:
I. Contribuições ordinárias (...)
II. Contribuições extraordinárias. (...)
O problema começou a se revelar quando a “associação” subverteu o curso legal e esperado de sua constituição, que sendo possível, sem nenhum esforço, já se vislumbra na emissão de seu estatuto, com apenas um sócio.
A oferta mercadológica, através do serviço de corretagem, foi apresentada com a aparência da compra de um apartamento na planta. Sendo totalmente ineficiente o serviço do corretor, que tem obrigações e responsabilidades objetivas no curso das ações civis.
A oferta pública pelo serviço, também se desvirtuou do esperado na Lei 4.591/1964, em que o marketing nada generoso do bom moço, apresentava, “breve lançamento”, “venha conhecer”, por detrás da sua chamada de braços abertos numa laje de um edifício quase pronto, desvirtuou a complexidade da atividade empresarial por detrás da obra, levando que os associados assumissem além do preço do imóvel, todos os riscos do negócio, descaracterizando a maldita “ASSOCIAÇÃO PRO CONSTRUÇÃO”.
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O que não ficou claro para a cliente era que não sendo uma associação, com preço de custo, os associados, assumem todos os riscos, ainda que fora do estatuto. E para piorar, na insolvência da associação, poderá responder inclusive com o seu patrimônio próprio.
Continuando o caso, é de curial importância revelar que a referida empresa, construtora, recebera todo o aporte da aquisição da cliente (previsto no inciso I, supramencionado) e superado o tempo que deveria ter sido entregue a obra, exigiu mais aportes.
O imóvel adquirido a 70% do valor do mercado, precisaria de mais ou menos 50% a mais de investimento, senão a obra não ficaria pronta. Logo, se a cliente desejava pagar cerca de R$ 900.000,00 num apartamento tipo, quatro quartos, duas suítes e todo o arsenal luxuoso apresentado pelo famigerado corretor, deveria aportar mais R$ 400.000,00.
Tudo isso sem financiamento, sem qualquer esclarecimento ou transparência dos documentos aludidos no teor do estatuto.
Tendo gastado todo o potencial financeiro que tinha para a construção do seu patrimônio, coube à cliente a venda do seu carro, desistir de viagens e itens de mobiliário, de decoração e consignar novos aportes ao contexto.
O prédio levantado em quase 80% da sua plena edificação, superado 11 meses da data de entrega, foi intimado e levado à leilão, por uma das 40 ações que tramitavam contra o engenheiro, lembram?
Em uma reunião emergencial a cliente e os associados, exigiram a apresentação das contas, e o construtor disse que uma das unidades sendo dele, a título da administração da obra, poderia ser devolvida para os associados, desde que esses pagassem a dívida.
Assim foi feito! Pagaram a dívida, e ratearam entre si, o valor de aproximadamente R$ 89.000,00 entre eles, cogitando vender a unidade devolvida para a edificação.
Ao anunciá-la, tiveram a triste notícia de que já havia sido comercializada e sua matrícula estava com prenotação monitoria, advinda doutra ação judicial contra um dos sócios ocultos da construtora.
Assim chegou a cliente em meu escritório, tendo adquirido uma unidade imobiliária em construção, por uma associação que contava com apenas um associado (o engenheiro), do qual o terreno foi adquirido no nome da construtora, e as unidades estavam a ter total comprometimento e risco elevado.
Ao fazer a busca dos valores devidos, pela associação, tomamos conhecimento de falta de pagamento de verbas trabalhistas, da seguridade social, do FGTS e inúmeros protestos.
Nenhuma prestação de contas foi feita, e pasmem, a obra já estava parada há mais de 4 meses.
É claro que se a cliente tivesse adquirido um imóvel pronto teria pagado a mesma quantia, porém socorrida pelos financiamentos bancários, ou também adquirido uma unidade seminova, mais adequada ao seu orçamento. Mas como boa psicóloga, digo, advogada, não a revelei seu grave erro.
Contudo, passando a análise jurídica, as medidas a tomar poderiam ser:
1) Notificar ao cartório que aceitou a composição de uma associação de um sócio.
2) Notificar de forma cartorial à empresa inadimplente da obra, seu administrador, engenheiro e demais sócios ocultos, incluindo o corretor da venda, sobre a apresentação das contas, (entradas, saídas e se as saídas eram de fato para a obra).
3) Levantar o máximo de bens que os envolvidos possam ter.
4) Prenotar na matrícula do imóvel principal (lote da edificação) os direitos correspondentes às cotas dos associados.
5) Destituir o único membro da associação, através da alteração do estatuto, por meio dos seus associados inserindo cada um com seu poder e tarefa, a fim de que assumam a finalização do empreendimento.
6) Exigir extrajudicialmente a transferência do imóvel (lote) para os associados, não convindo, realizar a judicialização desse assunto, buscando no mínimo a prenotação judicial na matrícula do imóvel publicitando esse ato.
7) Sem composição amigável, denunciar criminalmente quanto aos fatos ocorridos, atrelando-os aos crimes previstos e que os atos se coadunam.
8) Entrar com a ação individual de cada afetado, contra os prejuízos causados na aquisição da forma de apartamento na planta. Exigindo a revisão contratual para evitar mais perdas e danos, como por exemplo, os pagamentos havidos pela empresa construtora, seus sócios, corretores e qualquer outro envolvido.
Embora as medidas possam ser alteradas essencialmente por um ou outro advogado é de curial importância passos próximos a essa realidade.
Por mais problemático que seja o exposto, acredite, é um caso real, e totalmente factível visto as operações pitorescas das associações pró construção.
Como costumo dizer, se precisa de advogado, é porque é quase impossível de resolver.
Fabiana Carvalho
Executiva de Vendas
2 mParabéns Dra . Excelente postagem ! Deveria ser um tutorial para todos que adquirem seu imóvel na planta ou pretende adquirir.
Professora de inglês na CIC - Centro de Idiomas
3 mObrigada por nos alertar e conscientizar sobre os riscos envolvidos nessa prática assim como as medidas que podem ser tomadas. Sucesso!
Coordenadora Comercial | Planilha de Composição de Preço, Documentos de Habilitação e Contratos | Processos Licitatórios | Ofícios Contratuais
3 m👏🏻👏🏻👏🏻
Advogada pós-graduada Direito Civil, Processual Civil, Penal e Processual Penal. Direito Trabalho, Tributário e Previdenciário, foco revisões e planejamento. Experiência Direito Imobiliário, Cartorário e Notarial
3 mParabéns pela excelente postagem, Doutora Fabiana Carvalho! 🌟 Você abordou de forma clara e detalhada os prejuízos causados pelas associações pró-construção. É fundamental que mais pessoas estejam cientes dos riscos e das implicações dessas práticas no mercado imobiliário. Sua análise é extremamente valiosa e contribui para um debate mais informado e consciente. Continue compartilhando seu conhecimento e insights! 👏👏
Gestor de TI | Especialista de infraestrutura de rede | cliente-servidor | AWS | Cloud | Suporte usuário
3 mNossa, que situação. Ótima pesquisa e obrigado por compartilhar, alertando sobre essa prática. Imagino o stress pelo qual sua cliente deve estar passando, provavelmente ansiosa em realizar um sonho, acabou transformado em pesadelo. Como podem ser capaz de tal falcatrua e maldade.