A palhaça e a CDF
Tô aqui lendo artigo científico sobre o papel da intuição na aprendizagem e os mecanismos de defesa que operam em nossa mente em reação a certas ideias novas, contra supostas ameaças a certos tipos de estabilidade que algum lugar inconsciente da mente quer preservar. Deliciosos conhecimentos úteis para quem, como eu, gosta de (brincar de) trabalhar com estratégias de conteúdo e aprendizagem para a mudança de mentalidades e comportamentos. Se a gente não entender direitinho as barreiras à mudança, não muda nada de verdade.
Eis que a leitura me gera um insight ou coisa do tipo (tô sabendo agora que há vários tipos e nomes para essas pequenas explosões de ideias). Ou talvez tenha sido apenas uma hipótese. Vejamos.
A memória me transportou para aquele momento preciso, em meados de 2022, quando, assistindo a um desses maravilhosos vídeos da The School of Life , que tratava especificamente do dilema profissional, que tanta gente enfrenta, entre seguir uma paixão e perseguir um #sucesso, eu "me lembrei" de uma paixão antiga e trancafiada em algum baú dentro de mim, e imediatamente tomei um susto e senti uma coisa doida que era talvez um misto de saudade com medo, lamento, resquícios envelhecidos e enrugados de esperança e talvez um tempero de culpa, que rapidamente me umedeceu os olhos e produziu um choro que marcou a emergência de uma decisão inadiável: eu precisaria resgatar, entender e traduzir a tal paixão em uma nova carreira, ou estaria perdida nesta vida.
Como a leitura de agora há pouco me trouxe esse recorte de memória, pensei se ela poderia ser um exemplo de algo que estava protegido em mim e foi "redescoberto" e revelado pela reflexão proposta pelo vídeo, trazendo consigo reações emocionais fortes. Me perguntei qual poderia ser a estabilidade ameaçada por essa descoberta. Para buscar essa resposta, precisei, naturalmente, me concentrar no teor da descoberta.
A paixão resgatada era relativa ao brincar. Naquele choro, eu recordava ser apaixonada por certos tipos de atividades lúdico-criativas que, no fundo, no fundo, intuitivamente, eu sabia que era possível transformar em uma carreira profissional altamente gratificante. Não sabia ainda como, mas depois daquele choro revelador eu teria de inventar um jeito.
O que poderia haver de ameaçador nessa paixão? A qual estabilidade ela se contrapõe? Qual barreira à mudança eu tinha em mim?
Ora, se o vídeo contrapunha paixão e sucesso como polos de um dilema, defendendo justamente a ideia de que juntar as duas coisas é o caminho da felicidade e da prosperidade, então havia naquele choro meu a pista de que, em algum lugar da minha mente, estava proibido misturar trabalho sério com brincadeira, carreira de sucesso com gargalhadas, boa remuneração com arte e outros casamentos do gênero. Proibido, mas intimamente muito desejado, desde criancinha.
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E quais evidências eu tenho desse suposto dilema?
Bem, na vida escolar, eu era aquele tipo de estudante que levava a escola "a sério". Estudava conforme o figurino, tirava notas altas, recebia elogios das professoras, era cobiçada por colegas na montagem de grupos de trabalho sobre temas em que eles fossem fracos. Mas era ruim de me enturmar, detestava a bagunça da turma do fundão e no recreio só andava com os nerds. Na minha tradução de hoje, escola era sinônimo de seriedade. A exceção eram as aulas de artes, quando a obrigação era criar e se divertir no processo.
Já na vida pessoal eu era pura comédia. Eu e minha melhor amiga de infância, vizinha da mesma rua, éramos uma dupla e tanto na assídua brincadeira criativa de roteirizar e encenar esquetes de humor instantâneas das quais ríamos muitíssimo. Eu amo aquela menina para sempre, e em grande medida é pela paixão saudosa que eu mantenho pela nossa parceria lúdico-criativa inesquecível.
Por muitíssimo tempo, essa segregação em duas Francines -- uma séria e comprometida, a outra divertida e feliz -- me causou inúmeros efeitos nefastos. Paguei preços muito altos por isso, sem entender nada. Muitos anos de terapia depois, o vídeo da TSOL (eternamente grata por tanto, sua poderosa) ligou uns fiozinhos a mais na minha mente e me trouxe de volta à consciência o desejo agora irrepreensível de legitimar e honrar meu currículo de comediante infantil como parte indissociável do meu currículo profissional, para sempre em construção.
A separação se desfez. A profissional de sucesso que eu quero ser é uma palhaça com objetivos seríssimos e uma vontade de estudar maior ainda. Uma menina falante que se meteu num doutorado para aproveitar melhor as competências que começou a desenvolver décadas atrás, tanto na sala de aula e na lousa da garagem de casa quanto despretensiosamente e de pés descalços, junto com sua amiga genial. Uma CDF intuitiva e criativa que quer misturar uma porção de áreas do conhecimento e da produção humana numa só carreira, numa só vida, numa só identidade, mas dinâmica, mutante, adaptativa, que tenha o efeito de realizar vários dos meus desejos enquanto ajuda mais gente a fazer o mesmo.
Os próximos capítulos quem viver lerá.
Supervisor de Filial
11 mMuito bom! Pretendo acompanhar os próximos capítulos
Software Engineer working for a sustainable present and future.
11 mBoa sorte, Francine! As coisas mais bacanas que eu te vi fazer foram com humor e agenda positiva! A jornada é longa e tortuosa, mas é sua.
Exploring and teaching creative coding, generative art and design with Python
11 mAdorei! Viva a alegria de aprender e ensinar!