PARA SER UM GÊNIO, PENSE COMO ALGUÉM DE 94 ANOS DE IDADE
John Goodenough, inventor e cientista americano. Foto: Darren Carroll / QUARTZ

PARA SER UM GÊNIO, PENSE COMO ALGUÉM DE 94 ANOS DE IDADE

Bem que eu gostaria, mas esse título provocador e subversivo que você acabou de ler não é meu. É de um artigo do The New York Times, de autoria da escritora americana Pagan Kennedy, publicado em abril de 2017.

Cheguei até Pagan Kennedy há poucos dias, depois de ouvir um podcast do físico Paulo Nussenzveig. Não sei se isso acontece com você, mas comigo uma coisa puxa a outra.

Paulo é colunista do programa Ciência e Cientistas da rádio da USP. A "coisa" em questão deveras me interessa: Criatividade e Idade.

********************BREAK********************

Tenho guardadas nas muitas gavetas da minha memória juvenil, belíssimas imagens de fotos em p&b de Pablo Picasso.

As mais marcantes são aquelas em que o enfant terrible da Arte Moderna aparece trabalhando, já na fase bem madura, em seu ateliê na França.

Aliás, contam alguns biógrafos que Picasso pintou até algumas horas antes de morrer, em 1973. Ele estava com 91 anos.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Imagem: zestyblog.tumblr.com

************De volta ao programa da rádio***********

“Seria a criatividade uma característica exclusiva dos jovens?”, nos provoca o podcaster Paulo Nussenzveig. É nesse contexto então que ele cita o tal artigo de Pagan Kennedy.

Rapidinho: vale deixar aqui registrado que o físico e professor Paulo Nussenzveig ajudou a montar experimento de um dos ganhadores do Nobel de Física, em 2012, Serge Haroche.

Feita a devida apresentação, vamos logo ao artigo.

Senta que lá vem a história...

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Foto: news.utexas.edu

Tá vendo esse senhor simpático e sorridente na foto aí em cima? Pois no início de 2017, Pagan Kennedy o entrevistou e a conversa rendeu uma bela de uma história.

Trata-se de John Goodenough, físico e inventor americano da Universidade do Texas, em Austin. Na época, aos 94 anos, o Dr Goodenough estava simplesmente causando na indústria de tecnologia de baterias recarregáveis.

Ele acabara de publicar na revista Energy & Environmental Science um artigo científico sobre a descoberta de uma nova tecnologia de bateria feita de vidro. A pesquisa e o artigo tiveram a parceria da cientista portuguesa Maria Helena Braga.

Na mesma época, o Dr Goodenough depositou um pedido de patente em parceria com os seus colaboradores da equipe da Escola de Engenharia Cockrell, da Universidade do Texas.

Mais rapidinho: a ideia é que a nova tecnologia substitua os eletrólitos líquidos das baterias atuais. Segundo os pesquisadores, ela é mais segura e tem três vezes a densidade de energia das baterias de íon de lítio.

Essa tecnologia revolucionária tem o potencial de reduzir drasticamente a nossa dependência de combustíveis fósseis.

Mais rapidinho ainda: alguns colegas duvidavam que o Dr Goodenough tivesse sucesso, mas ele não entrou na "onda":

“Tenho idade suficiente para saber que você não pode fechar sua mente para novas ideias. Você tem que testar todas as possibilidades se quiser algo novo”

QUANDO IGNORAR UM CONSELHO É TUDO

Não entrar em "ondas", especialmente as negativas, parece ser um dos trunfos de John Goodenough. Aos 23 anos, após retornar da 2ª Guerra Mundial, ele rumou para a Universidade de Chicago com o sonho de estudar Física.

Ao chegar lá, um professor avisou que ele já estava velho demais (!) para ter sucesso na profissão. Sabe o que o Dr. Goodenough fez? Ignorou totalmente o "conselho" do tal professor e seguiu com o seu propósito.

Muito antes de 2017, ele já tinha agitado o mercado. Suas pesquisas e invenções mudaram a vida de milhões de pessoas no planeta, inclusive a minha e a sua.

Isso mesmo. Sabe as baterias recarregáveis que são usadas diariamente nos nossos laptops, telefones, câmeras, ferramentas e carros elétricos? Pois foi Goodenough que em 1979, aos 57 anos, contribuiu para o desenvolvimento das tais modernas baterias de ions de lítio.

Nem é preciso lembrar (ou melhor, é preciso lembrar) que isso moldou definitivamente a forma como consumimos eletrônicos.

CRIATIVIDADE X IDADE

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Foto: Bjørn Christian Tørrissen / Wikimedia

Muitas pessoas têm a tendência para acreditar que a criatividade diminui com a idade, diz Pagan Kennedy.

Vou dar um pitaco: não faço parte dessa tchurma, penso que a ousadia pode diminuir, mas a criatividade, não. Talvez, eu disse talvez, ela estivesse fazendo uma "autoreferência", ou quem sabe uma provocação a si mesma, visto que foi uma das pioneiras do movimento zine dos anos 1990, aos 20 e tantos anos.

“A história do Dr. Goodenough sugere que algumas pessoas realmente se tornam mais criativas à medida que envelhecem. Infelizmente, esses gênios de última hora têm que lidar com poderosos preconceitos contra eles”, diz a escritora.

Ela cita como exemplo de preconceito a tal frase, famosa e infeliz, de Mark Zuckerberg: "Os jovens são mais inteligentes", lembra? Isso foi em um evento, em 2007, quando ele era o executivo-chefe de 22 anos do Facebook. Mais tarde, Zuckerberg se desculpou.

Só para registrar, escrevi sobre os temas ageismo e discriminação etária aqui.

Pagan Kennedy nos apresenta números em seu artigo:

  • Dados compilados de patentes depositadas nos EUA, entre 2011 e 2014, indicam que 53% dos indivíduos inovadores têm idades entre 47 e 60 anos.
  • Um estudo de 2016 da Fundação de Tecnologia da Informação e Inovação descobriu que os inventores atingem o auge em seus 40 e poucos anos e tendem a ser altamente produtivos na última metade de suas carreiras.
  • Professores do Instituto de Tecnologia da Georgia e da Universidade Hitotsubashi, no Japão, descobriram que, nos Estados Unidos, o inventor médio envia seu pedido ao escritório de patentes aos 47 anos e que patentes de valor mais alto muitas vezes vêm dos inventores com mais de 55 anos.
  • Um estudo com os ganhadores do Nobel de Física descobriu que, desde a década de 1980, eles fizeram suas descobertas, em média, aos 50 anos. O estudo também descobriu que o auge da criatividade para os vencedores do Nobel está aumentando a cada ano. 

ALGUNS DE NÓS SÃO TARTARUGAS

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

Foto: Wikipedia

Para explicar o seu sucesso na vida adulta, o Dr. Goodenough recorre à Natureza. Ele acredita que algumas pessoas são tartarugas que vão levando a vida, rastejando e se esforçando. Talvez não percebam isso até os 30 anos. Mas as tartarugas têm que continuar andando e complementa:

“Esse rastejar pela vida pode ser vantajoso, 
particularmente se você passear por aí, através de diferentes áreas, adquirindo ideias ao longo do caminho”

John Goodenough sabe bem do que está falando. Ele mesmo começou na Física e depois mergulhou na Química e na Ciência dos Materiais.

Ao mesmo tempo, sempre manteve seus olhos nas tendências sociais e políticas que poderiam impulsionar uma economia verde.

“Você tem que aproveitar uma quantidade razoável de experiência para poder juntar ideias”, afirma Goodenough.


Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

É, alguns são tartarugas, outros lebres. Que o diga a fábula de Esopo...

Pois então, eu disse que comigo uma coisa puxa a outra...



Ilustração: Arthur Rackham, 1912 / Wikipedia


MISSÃO DE VIDA, FOCO E FÉ

John Goodenough conta que a sua é o que o mantém focado em sua missão de vida: eliminar a poluição no planeta e abandonar o petróleo.

Ele também cultiva a gratidão: “Sou grato pelas portas que foram abertas para mim em diferentes períodos da minha vida”.

Para ele, a invenção da bateria de vidro foi apenas mais um exemplo dos acidentes felizes que surgiram em seu caminho: “No momento exato, quando eu procurava por algo, ela entrou pela porta”.

Como diz Pagan Kennedy, “Por último, mas não o menos importante”, ele atribui à velhice a possibilidade de um novo tipo de liberdade intelectual. “Você não precisa mais se preocupar em manter o seu emprego”, brinca o Dr Goodenough.

Em tempo: Prestes a completar 96 anos, o John Goodenough mantém suas baterias bem carregadas de energia e disposição (desculpa aí, mas não pude deixar de fazer essa comparação tipo, boba). E muito menos posso deixar de chamar a atenção para o sobrenome dele Goodenough. É ou não é D+?

O inventor detém, através da Universidade de Austin, juntamente com Maria Helena Braga, a patente dos eletrólitos de estado sólido.

E advinha? Ele está fazendo investigações em outras patentes.


Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

John Goodenough (centro), comemorando seus 95 anos, ao lado de Maria Helena Braga (dir.) e sua equipe. Foto: Marsha Miller / UT News

*************************************************NÃO AO AGEISMO / STOP AGEISM - Este é o 3º de uma série de posts sobre o Ageismo e seus reflexos na Sociedade e no Mundo do Trabalho.

Se você se interessa pelo tema, por favor, comente. Se curtiu o que leu, espalhe a palavra.


Keli Lynn Boop é jornalista freelancer. Espraiar a palavra é a sua vocação. Tem experiência em jornal, revista, rádio, TV, internet e assessoria de imprensa.

Tem passagens pela Rede Globo (SP) e Record (SP). O seu trabalho já apareceu em diversas publicações impressas e online. Entre eles, Caderno 2 (O Estado de São Paulo), extinto Jornal da Tarde e revistas das Editoras Globo e Abril.

Iniciou a carreira no jornal Diário Catarinense, do Grupo RBS, em Santa Catarina. No Rio Grande do Sul foi colaboradora por mais de 10 anos do Jornal do Comércio/RS, e tem passagem pelos jornais NH e ABC Domingo (Grupo Sinos).

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Keli Lynn Boop

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos