Para superar a crise é necessário matar o RH
Este é meu primeiro artigo para a coluna Negócios e Gestão de Pessoas do Site Pordenttro Web, que está saindo do forno. Decidi que meu artigo de abertura precisava refletir com honestidade e radicalidade meus vinte anos de trabalho com Desenvolvimento Humano. Busquei chegar no alicerce de questões fundamentais que assolam nossas organizações e nossa forma de entregar valor. Se paredes quebradas podem derrubar nossas casas e se manter galhos mortos pode impedir uma planta de crescer ou viver, manter um RH moribundo pode destruir nossas organizações e retardar novos modelos positivos.
É o momento de matar o RH, sob pena de perdermos para essa crise e para as próximas. Quero desconstruir o modelo sob o qual a maioria de nós funcionou e operou, tão mecanicamente que parece absurdo ler o título deste artigo. Quero aproveitar que as paredes caíram para que tenhamos ousadia de construir o que realmente vai atender as pessoas e os negócios ao longo deste século. Quero matar o RH.
Para isso tenho que te contar uma história. Desde a origem do ser humano temos necessidade de organizar o Trabalho. Mas até o século XVIII, quando descobrimos a energia a vapor e mecanizamos a produção, não tínhamos experimentado a complexidade da relação entre humanos e máquinas. Elas, as máquinas, levaram boa parte da população das fazendas para a indústria, mudaram o que se conhecia como comércio, trouxeram novas demandas de serviços. Principalmente, mudaram as vidas das pessoas. Nasceu a necessidade de gente que controlasse gente, mas por meio de algum tipo de acordo além do controle.
A humanidade começou a aprender que recompensas valiam mais do que açoites. Na virada do século seguinte, Taylor ensinou ao mundo que produtividade também dependia de cuidado e investimento. A administração científica nascia provando que todos os recursos – inclusive os humanos - eram escassos e precisavam ser tratados com racionalidade. Afinal, máquinas e pessoas pifam sob condições adversas e isto tem um preço, um custo. Nasceu a necessidade de gente que gerenciasse gente, por meio de processos bem definidos, previstos e cada vez mais controlados, para poupar despesas e maximizar resultados.
Três séculos e três Revoluções industriais depois, a tecnologia acelerou mudanças e deixou os ambientes ainda mais complexos, substituindo grande parte do esforço físico e da repetição. Se açoitar não é mais permitido, oferecer dinheiro e cuidar da ergonomia não são mais suficientes. O Trabalho passa a exigir intenção e motivação. Nasceu a necessidade de gente que cuidasse de gente, fazendo uma ponte entre os interesses dos negócios e das pessoas.
Essa é a história da área que conhecemos como RH. A tradução desta sigla está cravada no nosso inconsciente e reflete um raciocínio secular de que pessoas são um recurso a ser utilizado e controlado, às vezes cuidado, para que não traga prejuízo, para que não acabe antes que seja reposto. Em algumas organizações, o RH ainda navega pelo modelo de extremo controle. Em outras, cuidar de gente é uma bandeira que briga com o negócio, como se estivesse em um outro extremo e alheio à importância de valorizar todas as partes interessadas, incluindo quem pagou as primeiras contas. Mas em ambientes cada vez mais voláteis, incertos, complexos e ambíguos, conduzir gente para construir soluções exigirá cada vez mais líderes que, numa relação de legitimidade, verdade e reciprocidade, inspirem as pessoas. Precisamos fazer nascer mais inspiradores de gente, líderes que consigam trazer as pessoas para dentro de si e, empatizando com suas identidades únicas, as convidem para um propósito comum.
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A Covid-19 acelerou tendências e transformou nossa forma de sentir as relações e o trabalho. Por hora, estamos com novos medos, necessidades, dúvidas, aprendizados e desejos, revendo nossa escala de valores, reescrevendo hábitos. Até que o novo normal deixe de ser novo, de novo. Neste fluxo, decidimos com cada vez mais consciência onde alocar mais energia, em várias dimensões da vida, não só no trabalho. Descobrimos que somos mais múltiplos do que imaginávamos. E isso também muda nossa relação com as organizações. Muitos já não querem as tradicionais formas hierárquicas e não aceitam uma separação ilegítima entre vida e trabalho. Serão os primeiros a sentir, se já não o sentem, que RH está fadado a desaparecer.
Dentro da área de Pessoas as mudanças são sentidas muito antes desta crise. Um exemplo está nos processos de seleção de pessoal. Se no passado a escassez de vagas no mercado de trabalho poderia parecer vantagem para os empregadores, atualmente pilhas de candidatos fora do perfil e pouca produtividade nas seleções mostram que a organização não sabe direcionar suas oportunidades para os talentos mais ajustados. Não há valor em centenas de candidatos por vaga. Há valor em atrair e manter as pessoas mais próximas da cultura, dos valores e das competências. Isto sim é poupar recursos e otimizar resultados. Então, antes de dizer que é mais barato realizar um processo de seleção inbound ou outbound, é fundamental estar consciente dos valores da organização e construir uma proposta de employer branding que de fato traga pessoas dispostas a apoiar a estratégia. Conto mais sobre isso nos próximos artigos.
Para superar a crise, se reinventar a tempo, atender as necessidades de seus clientes em constante reinvenção, não busque fórmulas prontas. Elas não existem mais. Ao contrário, estimule as pessoas da organização para que descubram o melhor caminho, assumam os riscos e comemorem resultados. Juntos terão mais possibilidades, mais respostas, mais soluções, mais resultado. Construa uma liderança poderosa, que entregue valor e convide todos a entregar valor. Comece matando de vez o RH.
Dani Aguiar é CEO e Fundadora da Wise Work, empresa que entrega soluções e conteúdos em Gestão de Pessoas, Trabalho e Longevidade. Cunhou o termo Longevidade Profissional para traduzir a reinvenção da área de Gestão de Pessoas, a Diversidade Geracional e a sustentabilidade dos negócios. É autora da série “Dani-se o RH” e do curso GP na Prática. É mãe da Sofia e da Eloá e vocalista da banda de rock Dentífricio.