Pardais
Me peguei rindo à toa ontem. E foi gostoso.
Ria de uma das minhas lembranças favoritas. Vira e mexe a tiro para passear e acabo, invariavelmente, rindo.
Estava sentado na entrada da ECA na USP, uma tarde particularmente quente e ensolarada. Esperava as aulas começarem e não havia ninguem conhecido por perto a não ser os pássaros que abundavam no local. Os mais ativos eram os pardais. Não me lembro de ter visto tantos pardais juntos antes na minha vida. E nunca lhes tinha prestado atenção. Os pássaros eram como a música incidental de um filme; tinham que ser muito bons para lembrar-me deles.
Mas, estes 3 aqui estavam ocupados em tomar banho de terra. Como todo pardal, faziam isso chilreando e gritando cheios de entusiasmo, pulando uns por cima dos outros, como crianças brincando na beira de um rio. Tinham encontrado uma poça de terra particularmente solta e fina e eles se divertiam --pois era isso o que me parecia-- transformando-se em bolinhas de pena e terra com bico, jogando terra uns nos outros.
Estavam muito ocupados nisto para prestar atenção no mundo que os rodeava.
Havia outros pássaros por perto, mas estes iam e vinham, cada um cuidando da sua própria vida. Os mais comuns eram as pombas.
Uma delas prestou atenção no barulho e divertimento dos pardais e chegou mais perto. Ela devia ser duas ou três vezes o tamanho do maior dos pardais na poça. Chegou mais perto. Mais um pouco. Mais...
Inclinou a cabeça como a calcular (coisa nada difícil para pombos).
E, acertou uma inesperada bicada na cabeça do pardal mais próximo!
Foi um reboliço!
O pardal atingido virou uma explosão de terra e penas e gritos!
Os três fugiram voando do local e a pomba tomou posse da poça.
Parecia muito grande para ocupar todo o espaço, mas, encolhe dali, aperta de lá, deu. Estava na poça.
Estufou as penas e começou distraidamente a aproveitar seu ganho.
Deve ter ficado uns trinta segundos nisso.
Percebí que houve uma mudança no ambiente.
A quantidade de pardais em relação às pombas aumentou, mas o barulho que faziam diminuiu. Não comiam nem brincavam. Só estavam ali e aqui, indo e vindo. Numas...
Posso ter imaginado, mas ví claramente um círculo frouxo de pardais ao redor da pomba e da poça. Como a isolar a área.
De repente, sentí mais do que ví, uma mancha marrom voar e, numa hipérbole perfeita, acertar a cabeça da pomba com o que me pareceu ser a força de uma martelada!
Na mente da pomba só cabiam duas idéias: [vamo]+[simbora!]!
E, pegando as penas que pode, saiu voando, ela e todas as outras pombas. Deixando atrás de sí a toillete incompleta e um campo cheio de pardais chilreando aproveitando da poça.
O Piscinão de Ramos não deve ter todo esse entusiasmo num dia de sol!
Quando percebi a peça que acabara de assistir, caí numa risada alta, satisfeito e agradecido por ter participado apenas como espectador.
Desse dia em diante meu pássaro favorito é o pardal.
Cada vez que vejo um deles fazendo algo sem sentido, me lembro desta tarde.
...
E rio.
Publicado originalmente no blog "Tentativa e Erros" no dia 28 de novembro de 2009.