Parentalidade & Produtividade
Outro dia estava conversando com uma amiga querida, e falávamos (mais uma vez!) sobre esse sentimento recorrente de nos sentirmos não produtivas e procrastinadoras. Passei um tempo decantando a nossa conversa enquanto a vida ia acontecendo, e depois de ter ficado um dia sem ir para o trabalho (!! que não é o mesmo que “não trabalhar” !!) porque meu caçula ficou doente, no dia seguinte me peguei pensando como estava sendo pouco produtiva naquela semana.
Resolvi dar um passo para trás e revisitar o que estava chamando de produtividade, e qual era a performance que eu achava que deveria ter numa semana com um filho doente em casa. Foi quando pensei muito no papel do cuidar no meio desse bololô todo e aí ficou muito evidente, que de fato, a conta como é calculada hoje em dia, foi feita para não fechar.
A régua que usamos para mensurar produtividade mede a quantidade de “coisas concretas” que foram realizadas ou tarefas concluídas. Mas existe uma outra dimensão de atividades que não dá para dar check na lista, porque são parte de um processo vivencial.
Ouvi a psicanalista Vera Iaconelli falando sobre atividades produtivas versus atividades reprodutivas (um tópico de estudos das ciências humanas) e isso me ajudou a organizar algumas ideias. Basicamente, as atividades produtivas estão relacionadas com a produção de “bens” que permite o acúmulo de riqueza que é essencial dentro de uma organização social capitalista, e as atividades reprodutivas que são todas aquelas que envolvem o cuidar* e permitem a continuação da espécie.
*principalmente com o aumento da expectativa de vida, o cuidar também engloba cuidados com os idosos.
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As duas categorias são fundamentais para que nós, seres humanos, continuemos existindo: precisamos produzir coisas que vão nos manter vivos, e que em grande parte nos dias de hoje se resume a nossa produção remunerada, que nos permite comprar esses bens como abrigo, roupa,... Mas, no mesmo patamar de importância, temos que conseguir cuidar da prole e garantir que ela cresça para que ela possa cuidar das futuras gerações.
Na prática, ainda enfrentamos um cenário muito desigual em relação a forma como temos distribuído atividades produtivas x reprodutivas em função do sexo. Em meados de 2022, a @filhosnocurriculo divulgou um dado do IBGE, que aponta que mulheres dedicam em média 20,9 horas por semana à tarefas domésticas e cuidados com os filhos, enquanto para homens essa média é de 10,8 horas/semanais. E aí, numa matemática simples, fica claro, que as mulheres dedicam quase o dobro do tempo em atividades reprodutivas.
Uma conversa complexa não deve ser reduzida à posições simplistas de “nós versus eles”. O convite aqui é para refletirmos enquanto sociedade, como podemos resignificar o conceito de produtividade para que a gente não olhe só para as atividades produtivas, mas também que inclua na conta atividades reprodutivas que foram negligenciadas ao longo da história. E lembrar que tão importante quanto produzir bens é “produzir” a próxima geração que vai tocar o barco quando não estivermos mais aqui.
Carolina Nikaedo (Dezembro/2022)