Pausa forçada: em tempos de coronavírus (atualizado em 31.mar.20)
É desnecessário dizer que a pandemia do COVID-19 mudou a minha vida.
Provavelmente mudou a sua, também. E não só as nossas: a de milhões de pessoas, mundo afora. E ainda mudará mais.
As notícias de mortes no Brasil assustam, principalmente porque estão cada vez mais próximas de nós, com o raio de alcance diminuindo.
Mas não podemos perder o autocontrole. Como nos reestruturarmos fará total diferença. Foi solicitado isolamento social pelas autoridades de saúde, devemos aderir às recomendações.
Infelizmente, muitas pessoas não poderão parar, por questões financeiras. Muitos profissionais de saúde não poderão parar agora, justamente porque estão na linha de frente de combate ao COVID-19.
Outras categorias também deverão continuar trabalhando (como telefonia, por exemplo, transportes, comércio , bombeiros e operários, dentre outros). Mas, se você tem como, pare. Recolha-se. É uma questão de responsabilidade social. Não se recuse a colaborar.
É terrível ter sua liberdade de ir e vir restringida (sempre digo que a liberdade é o meu valor preferido!), mas é o que temos de fazer agora.
Eventos no mundo inteiro estão sendo cancelados, já se sente o impacto na economia mundial - então, não é apenas paranoia e pânico, certo? Mas diminuir o dano depende da colaboração das pessoas.
É hora de parar de desacreditar da ciência, de achar que a terra é plana, e voltar a valorizar a pesquisa científica, a rede de saúde pública e o ensino universitário. Parar de pagar fortunas a determinados atletas e investir no pagamento dos profissionais que vão salvar a vida de milhares de pessoas.
Provavelmente nos próximos dias o governo brasileiro terá de seguir o exemplo de alguns países e fazer quarentena. Se você pode, pare antes. Diminua o risco para você.
Recusa à quarentena – o que há por trás disto.
Mas o que faz as pessoas se recusarem a reconhecer a gravidade da pandemia? Que continuam suas vidas normalmente, indo para a praia, jogando futebol (que tem o corpo a corpo)? (Não estou falando aqui das pessoas que, por situação financeira, continuam se expondo, para garantir o sustento)
O ser humano tem horror à ideia da morte.
Para não pensar sobre a sua própria morte, começam não falando sobre ela. Desde a infância, nos ensinam a não falar sobre isto. Se não podemos falar, o simples pensamento já dispara pensamentos ansiogênicos. Chega-se à idade adulta sem olhar para a finitude, para a própria vulnerabilidade. Quem morre é sempre o outro.
Quando alguém próximo morre, inesperadamente, ou quando morre uma criança ou jovem, as pessoas se chocam. Como se houvesse mesmo uma “ordem natural das coisas”. Não há. Mas quem quer pensar sobre isto?
Nos últimos dias, o comportamento de vários jovens que se recusaram a mudar seu comportamento chamou atenção e causou horror: alguns verbalizaram que o risco na faixa etária deles era baixo e que, se alguém mais velho morresse, é porque "já era a hora".
A crença em ser invulnerável é uma das estratégias (bem ineficiente) de lidar com a angústia de morte. Ineficiente porque a pessoa se coloca em risco, desconsiderando as orientações de segurança. Neste momento, o risco é estendido às pessoas próximas, mais vulneráveis.
Como Irvin D. Yalom propõe, em seu Existencial Psychotherapy, as psicopatologias são estratégias ineficientes de lidar com a ansiedade ligada ao horror da morte. Apesar de não estarem tão evidentes, podem ser percebidas em alguns transtornos, como o obsessivo compulsivo (em especial nos tipos de contaminação e de verificação), nos transtornos de ansiedade e pânico, nas fobias, dentre outros. Até no transtorno de personalidade narcisista pode-se perceber este medo de morrer.
Atendimento on-line
Desde 16 de março, seguindo as recomendações das autoridades de saúde e do Conselho Federal de Psicologia (CFP), só estou atendendo atendimento on-line.
É a melhor opção? No momento, é a única recomendada. Como psi, cuido da saúde mental, mas não posso descuidar da saúde física – nem da minha e nem da dos outros.
Quando a internet surgiu, psis logo pensaram na possibilidade de atendimentos psicológicos on-line. Em um país como o Brasil, de dimensões continentais, nem todas as cidades têm profissionais disponíveis. Moradores de cidades pequenas podem ficar com medo de encontrar seu/sua psi em eventos. Porém, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) estabeleceu normas e limites em 2012. Uma das preocupações era com o sigilo e a confidencialidade.
Muitas pesquisas foram feitas desde então e, já em 2018, o CFP autorizou os atendimentos através do Skype, Whatsapp etc. Felizmente, devido à crise do coronavírus, o CFP reconsiderou algumas exigências burocráticas para o atendimento.
As sessões on-line podem não ter, talvez, a mesma “emoção” do encontro pessoal, mas pesquisas comprovam a eficácia desta modalidade. É o que temos para o momento, para não deixarmos a nossa mente ansiosa nos adoecer. Para quem começa este tipo de atendimento, é importante lembrar que deve escolher uma área da casa em que outros moradores não passem e usar headphones para garantir o sigilo da sessão.
Por que não parar a terapia agora?
Algumas pessoas resistem à terapia on-line. Está na hora de trabalharmos a flexibilidade psicológica e cognitiva. Aliás, as abordagens mais ortodoxas também deveriam rever seus pressupostos teóricos.
O tempo não para, a vida pede flexibilidade para que a gente consiga atravessar esta crise de forma mais fácil.
Sem falar das questões de saúde física, surgirão com certeza, problemas de relacionamento: familiares terão convívio mais próximo - e nem sempre isto é bom. Pode aumentar os riscos de violência doméstica. Casais em dificuldades terão um intensivão - e uma excelente oportunidade para rever o que está problemático.
E quem for realmente ficar totalmente isolado, poderá sofrer mais, pois pode aumentar o tédio, tendo mais tempo para alimentar os pensamentos ansiosos ou depressivos. O confinamento pode ser uma situação de risco para quem já sofre de depressão ou ansiedade.
Trabalhar é terapêutico, para muita gente. Quem ficar em casa sem poder trabalhar poderá também desenvolver estes quadros de depressão ou ansiedade. Será preciso delimitar horários e espaços bem como aproveitar o tempo que sobrou. É importante criar uma rotina e não consumir notícias em tempo integral. Ou seja: tente não ficar 24 horas se alimentando das notícias alarmistas.
Mas esta é a hora. Temos de parar. Haverá prejuízo? Sim, claro. Use a tecnologia a seu favor. Use os programas de videoconferência para continuar em contato com as pessoas queridas, agende como se fosse encontrá-las e se prepare para isto.
Cuide da sua saúde mental, mesmo que de casa. Se ainda não começou não deixe pra depois.
Thays Babo é Psicóloga Clínica, Mestre pela Puc-Rio, com formação em TCC pelo CPAF-RIO, extensão em Terapia de Aceitação e Compromisso pelo IPq (USP).
Atende a jovens e adultos em psicoterapia individual, terapia de casal e pré-matrimonial. Temporariamente, o consultório em Copacabana está fechado e os atendimentos acontecem exclusivamente on-line.