PDI ou PDC? - Por um novo olhar sobre desenvolvimento humano e organizacional.
Em meio aos diversos temas que surgem, ora como modismos ora como tendências reais de futuro, a área de desenvolvimento humano e organizacional parece invadida por nomes pomposos, além dos estrangeirismos, todos misturados numa grande sopa de letrinhas. E aqui estou, pronto para temperar um pouco mais este debate, convidando você a refletir sobre dois conceitos distintos: de um lado o PDI e do outro o PDC.
O PDI, nosso bom e velho Plano de Desenvolvimento Individual, já é bem conhecido; ele costuma aparecer logo após iniciativas de avaliação e feedback, sempre com a desafiante missão de sistematizar os processos de aprendizagens individuais, na maioria das vezes com foco na solução de gaps (olha o estrangeirismo aí), ou pontos de melhoria (em bom Português).
Valorizo, e muito, toda ação que busca promover o pleno desenvolvimento de pessoas e suas organizações humanas, afinal este é meu propósito, como profissional e ser humano também. No entanto, as experiências que adquiri nos últimos anos demonstram que grande parte dos PDIs geram apenas mais acúmulo de conhecimento, com pouca aprimoração de habilidades na prática, e quase nenhuma inspiração para novas atitudes; impactando pouco no desenvolvimento de competências reais. É a partir desta perspectiva crítica que proponho o PDC - Plano de Desenvolvimento Compartilhado, baseado num modelo de aprendizagem mais colaborativa.
Colaboração X Competição
Já faz algum tempo que a palavra colaboração se tornou um mantra, ou quase uma palavra de ordem, dentro dos ambientes organizacionais. Há quem defenda que a gênese deste movimento tenha relação direta com a estruturação do Design Thinking, lá na Universidade de Stanford, passando pelas experimentações na Ideo, até as mais atuais e melhores práticas envolvendo conceitos de UX (User Experience, ou apenas Experiência do Usuário - EXU, como diria o mestre Fred); mas a verdade é que até Henry Ford já defendia esta ideia ao dizer que:
"Reunir-se é um começo, permanecer juntos é um progresso, e trabalhar juntos é sucesso."
Deixando de lado as óbvias críticas ao pensamento fordista, ou à Revolução Industrial (sim, há críticas pausíveis), a verdade é que a ideia de se trabalhar junto (co+laborar) sempre foi sinônimo de sucesso, tanto pela criatividade, na multiplicação de ideias compartilhadas, quanto pela produtividade, ao se unir forças e talentos em torno de um propósito e objetivos comuns. Ainda assim, continuamos nos deparamos com a competição como paradigma para o pleno desenvolvimento.
Este pode ser, com certeza, um tema para vários textos, debates e longas conversas; mas vamos nos concentrar apenas num único desafio: como transformar um plano de desenvolvimento individual num processo em que a aprendizagem seja compartilhada? Sim, compartilhada, de maneira a não gerar mais acúmulo de conhecimento, e sim o desenvolvimento de competências que possam criar soluções colaborativas e criativas para os desafios cotidianos de pessoas e organizações.
Quero lhe convidar a explorar duas inspirações para mudanças reais, capazes de transformar PDIs em PDCs.
1ª Inspiração: Foque em Competências
Um plano de desenvolvimento, seja individual ou compartilhado, precisa ir além da aquisição ou acúmulo de "apenas" mais conhecimento. É preciso resgatar um conceito fundamental da Gestão por Competências, traduzido no acrônimo CHA (sim, vamos engrossar a sopa de letrinhas), que remetem às palavras Conhecimentos, Habilidades e Atitudes.
Vamos lembrar um pouco, ainda que de maneira geral, os conceitos destas três dimensões que compõem uma Competência:
Nos feedbacks é comum as pessoas apontarem essas três dimensões individualmente, sem reuni-las de maneira sistêmica numa competência elogiada ou que precise ser desenvolvida ou aprimorada. Nos elogios é comum ver apontamentos como: "Ela sabe bastante!" (Conhecimento); "Ela consegue realizar entregas com rapidez! (Habilidade); ou "Ela está sempre disposta a ajudar!" (Atitude). É difícil alguém que elabore um feedback como neste exemplo: "Ela aplica bem a colaboração (competência), compartilhando muito do que sabe sobre design (conhecimento qualificado) para garantir que o time possa realizar entregas com mais agilidade (habilidade prática), sempre contribuindo com ideias (atitude) para soluções criativas (resultado)".
A palavra colaboração é, neste último exemplo, apresentada como uma competência concreta, e explicada por meio das dimensões de conhecimento, habilidade e atitude, além do seu impacto, ou resultado; o que é fundamental para evidenciar, a quem recebe o elogio, quais pontos são valorosos e de que maneira impactam positivamente no trabalho em equipe (cenário do elogio).
Agora, quando precisamos propor a colaboração como uma competência a ser desenvolvida é preciso apontar, de maneira assertiva, estas mesmas dimensões. Partindo do mesmo exemplo anterior, vamos imaginar que a mesma profissional ainda precisa desenvolver sua colaboração; poderíamos propor o seguinte CHA como mapa para o início e sua jornada de aprendizagem:
Você percebe como o CHA, aplicado desta maneira, estabelece as bases de um plano de desenvolvimento que vai muito além do mero acúmulo de conteúdo? Então, este é o desafio de focar nas competências e, a partir delas, pensar ações mais sistêmicas e concretas, o que nos leva à segunda inspiração que desejo compartilhar.
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2ª Inspiração: Transforme a Prática em Ambiente de Reflexão
Esta foi, sem sombra de dúvida, uma das lições mais impactantes na minha jornada profissional, desde o início como educador em sala de aula até me tornar um mediador em processos de aprendizagem e mudanças organizacionais.
Sempre ouvi que era preciso pensar antes de agir, ou estudar muito, dominando a teoria para só então praticar, o que pode até fazer sentido para algumas áreas de conhecimento (será?); mas o fato é que descobri, ainda muito cedo, algo sobre aprender e fazer, o que consegui traduzir na seguinte frase:
“O mundo não espera você aprender para agir; ele continua se movendo para você aprender agindo!”
Foi assim na minha primeira vivência como educador, e é assim até hoje. Entretanto, isso não é um fardo, ou uma dificuldade com a qual preciso lidar. Reconheço o quão natural é este processo, especialmente nas organizações.
Para compreender melhor a inspiração de transformar a prática em ambiente de reflexão quero lhe convidar a revisitar comigo três conceitos fundamentais.
O primeiro é a Aprendizagem Significativa, proposta por David Ausubel, psicólogo da educação estadunidense, na qual se reconhece a importância de relacionar toda nova informação com algum aspecto relevante da estrutura de conhecimento que o indivíduo já possui. De maneira simples, é como dizer que: a aprendizagem se concretiza à medida que novos conhecimentos se conectam de maneira significativa àquilo que a pessoa já conhece.
E vou além do conceito de Ausubel, propondo que se construam relações de significados não apenas entre as novas informações com os conhecimentos prévios do indivíduo, mas também com os desafios que este enfrenta na sua realidade. É como responder à pergunta que você já deve ter feito em algum momento da sua vida: por que é que eu preciso aprender isso mesmo? A resposta deve estabelecer uma ou mais conexões de significado entre o que se está aprendendo e os desafios reais do cotidiano.
A propósito, desafios reais são a base da Aprendizagem baseada em Desafios Reais, segundo conceito desta nossa reflexão, inspirado na Aprendizagem baseada em Problemas. A proposta aqui é dar ao processo de aprendizagem um propósito concreto, a partir de algo que a pessoa precise, e possa, realizar a fim de tornar seu aprendizado mais experiencial; portanto, prático!
Um plano de desenvolvimento que não estabeleça uma realização real, idealmente materializada numa solução concreta, corre o risco de se tornar uma iniciativa subjetiva, difícil de ser mensurada, valorizada e reconhecida; sem falar na impossibilidade de ser compartilha (aqui voltamos ao paradigma de se formar meros acumuladores de conhecimento).
Transformar a prática em ambiente de reflexão passa por estas duas inspirações, estes chamados à ação:
Uma vez acolhidas estas duas inspirações, você e sua organização estarão na direção para criar Programas de Aprendizagem Compartilhada por meio da criação colaborativa.
Mãos à Obra
De volta ao título deste (não tão) breve artigo, reforço o convite à reflexão de que precisamos de um novo olhar sobre o desenvolvimento humano e organizacional, explorando de maneira mais apreciativa e assertiva a colaboração, e menos na competição.
O PDC - Plano de Desenvolvimento Compartilhado é um convite para um novo olhar sobre desenvolvimento humano e organizacional, transformando os desafios cotidianos em oportunidades para gerar ainda mais significado aos processos de aprendizagem, reunindo duas ou mais pessoas que possam desenvolver, a partir de seus potenciais, soluções de maneira mais colaborativa.
Abrir mão do individualismo nos planos de desenvolvimento quebra o paradigma da competição, gerando oportunidade para colaboração, num cenário em que o compartilhamento de conhecimentos, habilidades e atitudes geram ainda mais reconhecimento do valor de cada indivíduo.
Quer experimentar desenvolver as competências das pessoas na sua organização, e transformar a prática em ambiente de reflexão? Então vamos tomar um café, mesmo que virtual!
Rafael Giuliano // Gestor de Talentos, Mentor em Aprendizagem e Mudanças Organizacionais.