As pedras da Lua e a biocivilização
Por Dal Marcondes, da Envolverde –
Em 1969, quando os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisaram na Lua, um grande objetivo foi alcançado pela humanidade. “Um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”, como ficou imortalizado o feito na fala de Armstrong. 47 anos depois a humanidade tem a frente muitos novos desafios que precisam de união e orgulho em ser uma espécie inteligente. O texto abaixo foi escrito alguns anos atrás apenas para mostrar que ir à Lua não foi apenas um passeio, mas um desafio civilizatório. Confira!
Em 1961 o presidente Jonh Kennedy lançou um desafio à sociedade americana, levar um homem à Lua e trazê-lo de volta em segurança. Mais do que isso, o feito deveria ser realizado antes do final da década. Em 1963 Kennedy foi assassinado, mas os Estados Unidos seguiu em frente e se lançou em um dos mais importantes desafios para o processo civilizatório de um dos tempos mais prolixos em realizações, o século 20. Em 20 de julho de 1969 a nave espacial Apollo 11 estabeleceu um novo marco na história humana. Pela primeira vez um ser humano pisa em um território que não pertence ao Planeta Terra. De lá foram trazidos 385 quilos de pedras, nas diversas missões Apollo, que ainda aguardam estudos mais detalhados por parte dos cientistas. “Muito dinheiro dos contribuintes para nada”, disseram conservadores e jornais da época.
Kennedy, ao lançar o desafio certamente não estava pensando no valor científico ou econômico do que seria encontrado na Lua. Estava, na verdade, estabelecendo metas para um grande salto tecnológico, que tirou o mundo de um cenário restrito do pós-guerra, para lançá-lo em um real processo de transformação científica, tecnológica e de globalização. Da decisão tomada em 1961 surgiu toda uma nova perspectiva planetária a partir do desenvolvimento de computadores menores e mais eficientes, tecnologias de comunicação, satélites, microships, universalização do acesso à internet e às telecomunicações em geral.
A sociedade e a economia que emergiram desta decisão é mais rápida, trabalha com mais informação e saber e é educacionalmente mais qualificada do que tudo o que havia existido antes. Claro que não conseguiu resolver todos os problemas e mazelas da humanidade, teve uma parte expressiva de suas tecnologias destinadas a usos militares e criou novos problemas. No entanto, é inegável que mudou o mundo.
Seria possível continuar a linha de tempo sem os avanços da micro-computação e sem os saltos da tecnologia da informação? Certamente que sim. No entanto o novo padrão científico e tecnológico se espalhou de forma capilar e estrutural pelo mundo, o que criou novos cenários e novas oportunidades de geração de conhecimento, empregos, renda e riqueza não mais limitados a porções geográficas do “mundo ocidental”.
Nesta primeira década do século XXI surge um novo desafio, enfrentar as mudanças climáticas de forma criativa e com grande capacidade de transformação para a humanidade como um todo. Da mesma forma que a conquista da Lua foi um fator decisivo para a transformação civilizatória do final dos anos 90, a busca de conhecimento, ciência e tecnologias para o desenvolvimento de uma economia limpa, eticamente comprometida e includente sob o ponto de vista de acesso a bens e serviços é o fator que vai alavancar o crescimento da oferta de riquezas nos próximos anos, bem como sua distribuição de forma mais justa.
Manter os mesmo parâmetros de desenvolvimento, sem mudar os usos e costumes da economia não vai levar a humanidade muito além de onde chegou. A estabilidade do business as usual não oferece os desafios necessários para que empresas, governos e pessoas se superem em busca de horizontes mais amplos para cada um destes atores.
A biocivilização preconizada pelo economista Ignacy Sachs, uma mente brilhante a serviço de construir e propor hipóteses de desenvolvimento realmente inovadoras, é, sem dúvida, a transformação necessária para a criação de desafios capazes de mobilizar as forças extraordinárias do mercado e da sociedade em direção a um modelo econômico não planetariamente antropofágico.
Sachs acredita que a produção e usos de biomassas podem alavancar uma modelagem econômica com novas empresas e novas tecnologias, com mais distribuição de renda pelo trabalho e com uma imensa capacidade de regeneração de biomas e ecossistemas. Ele vê biomassa como matéria-prima para quase todos os usos que a humanidade possa precisar. São matérias-primas florestais para energia e indústria, biotecnologia de base para o desenvolvimento de produtos, bioenergia a partir de celulose, o que transforma qualquer resíduo vegetal em combustível e assim por diante. Além disso, uma organização social diferente, com estruturas de mobilidade coletiva e alto valor para educação e cultura completam o quadro de um desenvolvimento limpo.
A existência de combustíveis fósseis fartos, muito mais do que se poderia imaginar na metade do século XX, tem sido um argumento forte para que os investimentos em uma biocivilização não ganhem escala. No entanto, esta é uma argumentação que peca em uma das bases estruturais do pensamento sustentável. A ex-ministra norueguesa Gro Brundtland, ainda nos anos 80 do século passado, quando desenvolveu a pedido das Nações Unidas o relatório “Nosso Futuro Comum”, onde descreveu pela primeira vez o conceito mais aceito de sustentabilidade, estabeleceu, também, o conceito de solidariedade entre gerações: “Ser sustentável é trabalhar para prover as necessidades da atual geração de humanos sem comprometer a capacidade das futuras gerações em prover suas próprias necessidades”.
Dentro deste raciocínio, é muito importante que a atual geração olhe para uma matéria-prima da importância do petróleo com mais responsabilidade. De todos os usos que se pode dar a este recurso, o pior e menos nobre é queimar em motores de automóveis. Existe toda uma indústria petroquímica e de química fina e farmacêutica criando produtos a partir do petróleo. São produtos que poderão não estar disponíveis no futuro apenas porque setores da economia do século XXI não se esforçam para buscar transformações estruturais em seu modo de ser e de agir. E, entre estes setores não estão apenas empresas, mas também governos que não veem com bons olhos pedir que seus eleitores mudem a forma como vivem. Mesmo que isto signifique grandes transtornos no futuro.
A busca da ciência e da tecnologia necessária para a transição para uma economia de baixo carbono pode ser a alavanca necessária para melhorar a performance do sistema educacional, pode representar um novo complexo industrial capaz de absorver milhões de trabalhadores em áreas pobres do planeta e, certamente, não significa o desmantelamento do atual parque industrial mantido pela dobradinha montadoras de veículos/petroleiras. É apenas uma nova maneira de olhar para velhos problemas e buscar o uso mais racional e eficiente de recursos naturais.
A biocivilização tem o potencial de levar parte de seus processo e de sua geração de renda para os rincões de miséria do mundo. Será preciso trabalhar em todas as potenciais áreas agrícolas e com tecnologias menos agressivas em termos de uso do solo. O mundo precisará de mais especialistas em ciências da vida, em conhecimentos tradicionais e em gestão de processos e pessoas. Principalmente, uma economia limpa deverá ter a capacidade de inovar em situações onde o conhecimento tradicional está cristalizado.
Recentemente a Alemanha anunciou o retorno de uma das mais antigas tecnologias do mundo para mover navios, as velas. Um cargueiro de 30 mil toneladas usa uma vela de última geração para reduzir em 20% seus gastos de combustível em alto mar. A vela é controlada por um piloto automático e demonstrou excelente eficácia. Não é um retrocesso, mas um avanço significativo e com alto potencial de redução de custos para os transportadores.
A busca pela reputação de sustentabilidade está fazendo com que grandes empresas globais atuem para entender melhor suas cadeias de valor, de forma a visualizar oportunidades que unam conceitos de responsabilidade socioambiental e redução de custos. Isto tem dado certo. Mas, o mais importante deste movimento, é que as empresas que enveredam pela busca honesta pela sustentabilidade não podem voltar atrás e dizer: “agora não quero mais brincar de ser sustentável, cansei”. O recuo seria muito mau visto pelos clientes e por todos os públicos desta empresa.
A transição para uma economia limpa se dará nos próximos anos. Será pela necessidade objetiva de mudanças nos padrões de produção e consumo, pelos problemas impostos pelo atual modelo, ou pela vontade de mudar. Se a sociedade conseguir gerar um pacto de transição, envolvendo empresas, governos, ongs e pessoas, as mudanças podem ser mais eficazes sob o ponto de vista de organização social, e talvez custem menos em recursos materiais, ambientais e sociais.
A busca por uma economia limpa será a “Conquista da Lua” do século XXI. Será o uso de todos os conhecimentos acumulados pela humanidade e de todos os recursos e riquezas à disposição do mundo apontando em direção ao futuro. Tudo o que sabemos e podemos deverá ser direcionado a fazer do futuro um bom lugar para se viver. (Envolverde)
* Dal Marcondes é jornalista especializado em jornalismo econômico, diretor e editor responsável da Envolverde – Revista Digital e presidente do Instituto Envolverde.