Pelé: eu estava lá
Cena 1: A cada jogo do #santosfc a repetição de um padrão, em qualquer estádio. Os alto-falantes ecoavam as escalações dos dois times. Como é de praxe, cada torcida vaiava as menções aos jogadores adversários, com uma exceção. No momento do anúncio do camisa 10 do Santos, o locutor fazia uma pausa, um suspense e anunciava com ênfase: "Número 10... #PELÉ". E só se ouviam gritos e aplausos, no máximo acompanhados por murmúrios da torcida adversária, como se esta preferisse não provocar o Rei do futebol com as mesmas vaias destinadas aos jogadores comuns.
Ninguém me contou, eu estava lá. Desde criança, dezenas de vezes, frequentemente levado por um pai são-paulino deslumbrado (como qualquer mortal sincero) com a orquestra comandada por Pelé.
Cena 2: Santos e Atlético Mineiro, estádio do Pacaembu. Jogo empatado em 1x1 até os minutos finais. Bola no ataque do Santos em direção a Pelé. Corre em sua direção o zagueiro encarregado da marcação. Pelé engana o adversário que o cerca e, de costas para os outros atacantes do Santos, dá um salto e ainda no ar toca a bola de calcanhar para trás, desconcertando toda a defesa e deixando o companheiro Nenê na cara do gol. Santos 2x1 e final do jogo.
Ninguém me contou, eu estava lá. Um garoto hipnotizado com o gênio e agitando uma bandeira do Santos feita em casa. Se fosse hoje, a jogada seria saudada por comentaristas esportivos como uma “assistência genial” mas no território do Rei aquele era apenas mais um passe banal.
Cena 3: Final dos anos 1980. Pelé era uma espécie de embaixador do turismo brasileiro no mercado internacional. Na condição de jovem repórter, viajei com ele para a Alemanha como parte de um grupo de jornalistas a convite da Embratur, que organizara o roteiro. No aeroporto de Guarulhos um pequeno tumulto: muitos passageiros queriam conversar com ele e pedir autógrafos. Pelé gentilmente atendeu a todos na medida do possível, a caminho do embarque.
Chegada no aeroporto de Frankfurt e novo tumulto: jovens e velhos querendo se aproximar e pedir autógrafos. A seguir conexão para Bonn (capital da então Alemanha Ocidental) e horas depois jantar formal com grupo seleto de convidados na embaixada brasileira. O garçom italiano encarregado de coordenar os serviços estava deslumbrado por estar junto a Pelé e no meio do jantar, quebrando qualquer protocolo, interrompeu a conversa para pedir que o Rei autografasse uma camisa, argumentando que quando seu filho crescesse não perdoaria se ele não tivesse feito aquela intervenção.
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Pelé tirou de letra, assinou a camisa e todos em torno da mesa acharam o máximo.
Ninguém me contou. Eu estava lá.
Cena 4: No dia seguinte uma festa enorme para centenas de crianças fora organizada pelas autoridades de Bonn e tinha Pelé como principal homenageado. Minha surpresa: crianças alemãs de 7, 8 e 9 ou 10 anos, que nem de longe tinham idade para tê-lo visto jogar, aplaudiam e gritavam freneticamente seu nome quando ele apareceu na varanda e acenou para aquela pequena multidão infantil. Na sequência, o chanceler da então Alemanha Ocidental Helmut Kohl interrompeu uma reunião importante apenas para se dirigir ao local e conversar com Pelé, sem dispensar uma sessão de fotos a seu lado. Detalhe: a reunião interrompida discutia o processo de reaproximação entre os dois lados de um muro de Berlim que já estava prestes a ser derrubado. E quem ficou esperando pela volta de Kohl foi o presidente da Alemanha Oriental, Erich Honecker.
Ninguém me contou. Eu estava lá, impressionado pelo alcance daquele mito situado acima de questões geracionais e das sensibilidades da diplomacia.
Cena 5: No dia 21 de junho de 2011 o Santos conquistava o tricampeonato da Taça Libertadores da América. Festa nas arquibancadas do estádio do Pacaembu e jogadores confraternizando em campo. Generoso, Pelé foi até o banco de reservas do Santos, puxou pelo braço o sempre discreto técnico Muricy Ramalho e o levou até o centro do gramado para que fosse saudado pela torcida. Era um gesto destinado a mostrar que, para além dos ídolos que fazem os gols, a vitória se constrói no dia a dia do planejamento, da liderança e do trabalho em equipe.
Sim, claro. Ninguém me contou. Eu estava lá.
Consultor da BMJ
2 aQue belo registro, meu amigo! Que privilégio!
Especialista em comunicação CX - CS Redator- Roteirista- Planner- B2B- B2C- Endomarketing- Eventos Corporativos - Trademarketing - Jingles
2 aQue história linda, Ciro! Que privilégio! Que texto! Obrigado por compartilhar!
Comunicação | Endomarketing | Eventos | Planejamento Estratégico | PR | Assessoria de Imprensa | Jornalismo
2 aUau, Ciro! Um privilégio ter sido santista nessa época. Apaixonados pelo futebol, como eu, se arrepiam ao ler essas histórias! Fantásticas! Será que algum dia teremos alguém que chegue próximo ao que ele foi e representa para o futebol brasileiro??? Abraços!