Nau sem Leme e as memórias de 94
Sexta Feira, 09 de Dezembro de 2022.
Bandeiras flamulando, expectativa no ar. Brasileiro trabalhando em marcha lenta, já no ritmo de vestiário pré-jogo. Sextou na quinta.
Era dia de seleção canarinho.
Até o mais cético dos torcedores não previa a catástrofe que estava porvir. Alguns cogitavam um magro 2X1, outros 1X0 (sempre para o Brasil), e os mais iludidos sonhavam com uma apresentação de gala, ainda extasiados pela vitória sob a respeitosa Coreia.
Os primeiros 10 minutos de jogo serviram mais do que mau presságio, foram um trailer do filme que veríamos. A tática não funcionava, raras jogadas individuais colidiam com a forte e organizada defesa Croata. Não era uma equipe.
Aos Croatas sobrava clareza. Propósito e estratégia bem definidos. Foco gélido. Aguardavam pacientemente a oportunidade certa.
Para o Brasil, além da desorganização, o relógio corria contra o favoritismo, desnudando a cada minuto o óbvio nervosismo e despreparo psicológico daquele escrete.
Contudo, algo não era tão óbvio: por que uma seleção com jogadores experientes e com um técnico rodado não tinha a capacidade de mudar a estratégia ao longo do jogo?
Nem era necessário se reinventar. Bastava fugir da mesmice. Tentar uma alternativa tradicional entre tantas possíveis. Tudo, menos a inércia.
Dizia Confúcio somente os extremamente sábios ou extremamente estúpidos não mudam". O resto o leitor conclui.
O angustiado torcedor aguardava ansiosamente o intervalo. Ali estava a gota de esperança.
Prefiro não narrar os derradeiros capítulos. Todos sabemos no que deu.
O que me estranha é a mesmice, não só do time, mas da nação, dos torcedores.
A frustração seguida do silêncio doloroso era o início da ferida.
Brotaram dos lares milhões de pseudotécnicos para diagnosticar o fiasco, apontando causas, circunstâncias e vilões.
Mesmo quem não sabia distinguir lateral de goleiro tinha em mãos o parecer técnico. O brasileiro presume que nascer em solo tupiniquim lhe outorga automaticamente diploma de mestre futebolístico.
Mais intrigante é a rapidez em que o herói de alguns se transmuta imediatamente em vilão: Neymar, o garoto alvo.
Ouvi dizer de tudo:
Faltou liderança do técnico: concordo
Teve salto alto: concordo também.
A convocação foi questionável: aplausos!
Dispensaram psicólogos: - pra quê? Se temos Daniel Alves... A ironia vem pronta.
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Mas sejamos francos e minimamente justos, há um problema silencioso.
Dentro das quatro linhas tínhamos estrelas, coadjuvantes, meninos, jovens, lendas, mas ninguém que exercesse respeito e liderança sob todo o grupo. Falo da regência natural, reconhecida pelo time.
Isso me leva a meados de 1994. O time desacreditado do Tetra que deu voz aos berros de Galvão Bueno, não era favorito, mas tinha um capitão nato:
Dunga
Quem não viu, veja!
Parafraseando o narrador Global
- Você, exemplo maior da força, da valentia e da coragem desse time!
Parreira escolheu para capitão Raí, o craque. O time reconheceu Dunga. É sobre isso. Um líder é reconhecido antes mesmo de ser nomeado.
O esbravejar daquele meia defensor era ouvido aos quatro ventos. Sangue nos olhos, veias saltando, cabelo espetado e respeito emanado. Todos entendiam o recado. Romário, Branco, Cafú, Aldair, Bebeto, não importava, a última palavra era do comandante.
Voltando ao presente:
Vi um vídeo em que Tite, antes do gol, avisa: - não sobe! pedindo que os jogadores da defesa não fossem ao ataque após gol do Brasil na prorrogação.
Completando a cena, uma imagem de Neymar fazendo cera com a bola no meio campo, negando-se a correr pro ataque. Claramente ganhando tempo. O mesmo Neymar aparece segundos após o Gol da Croácia gritando aos companheiros : -Pra quê subir! Faltavam 4 minutos...
Se estava tão claro pra Tite e Neymar a estratégia da vitória após o 1X0, por que o time não cumpriu?
Assimilação?
Motim?
Contradição?
Falha de comunicação?
Não.
Tínhamos quase tudo na Nau, menos o comandante. A roda do leme estava solteira, abandonada à própria sorte.
Senti saudades do plantel do tetra, do desfecho daquele domingo de Julho. Mais que isso, senti saudades do esbravejar de Dunga, mais que dos belos gols de Romário ou da alegria de Bebeto.
Thiago F.Coutinho
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2 aMuito bom!!!