Pelo financiamento público do jornalismo

Pelo financiamento público do jornalismo

Esses dias vimos o lançamento do NewsGPT.AI , o primeiro canal noticioso 24 horas 100% gerado por Inteligência Artificial. Repare que não usei o termo “jornalístico”.

É só o primeiro de muitos. Aliás, de infinitos, se a coisa correr solta como está tendendo a correr. Este NewsGPT é como se fosse um PC 286, só que o iPhone 13 chega daqui a três meses.

Evidentemente este canal NewsGPT tem viés. Todos terão. Muitos existirão especificamente, propositalmente para ter viés. Não existe espaço aideológico.

E os humanos não estão minimamente preparados pra lidar com a torrente que vem por aí. 

É certo que sem jornalismo não haverá liberdade ou progresso. É melhor ter zero confiança na visão de jornalismo dos Tech Bros ou Wall Street. Regulamentação da IA, e do conteúdo gerado pela IA, noticioso inclusive, é peça-chave pra garantir nosso futuro. Mas não basta.

Nenhuma sociedade avançará com seu jornalismo piorando a cada dia que passa. Nem local, nem global. Com menos e menos financiamento, o negócio jornalístico só tende a rolar barranco abaixo.

Com seus muitos problemas a solucionar, a instituição “jornalismo” já tem algumas bases sólidas, depois desses 150 anos ou que o valha. O que está em risco mortal é o financiamento do jornalismo, até agora sustentado fundamentalmente por publicidade, com as conhecidas vantagens e desvantagens envolvidas. 

Muito se fala sobre procurar novas alternativas. É mais prático relembrar e remodelar algumas bem tradicionais. 

Uma das soluções que solucionam bem é o financiamento público dos veículos. Da mesma maneira que nossos impostos pagam por escolas públicas, ou o SUS, podem e devem pagar por jornalismo confiável. E o veículo jornalístico que quiser sua parte da bufunfa pública que elimine o firewall.

Jornalismo (e internet, e água, e…) são serviços públicos e devem permitir livre acesso por todos. Aliás, é urgente o investimento público massivo em Letramento em IA, sem o qual a população não estará minimamente preparada para o maremoto que se aproxima.

É preciso diferenciar o estatal do público. Jornalismo estatal é propaganda. Jornalismo público é a BBC ou a NPR, a RAI etc. Não são perfeitas, mas têm boa dose de independência editorial.

Dito isso, é claro que você pode e deve financiar com dinheiro público jornalismo feito por entidades privadas (com ou sem fins lucrativos). Eu adoraria ver a Agência Pública, o Congresso em Foco ou o Observatório do Clima com o triplo de orçamento por exemplo. E já passou da hora de ser reinventado o jornalismo local, que fiscaliza o vereador e a enchente na cidadezinha.

Hoje o dinheiro público já financia boa parte do jornalismo, só que via publicidade e privilegiando os veículos pra simpáticos aos donos do poder.

No caso da cidade de São Paulo, por exemplo, temos assistido milhões sendo investidos em branded content para promover o atual prefeito, em todos os principais veículos consumidos pelo paulistano. Pior: testemunhamos a vomitante cumplicidade de grandes empresas de comunicação com as campanhas negacionistas assassinas de Jair Bolsonaro.

Muito melhor o financiamento com dinheiro público feito de maneira transparente, com agência reguladora, fiscalização da sociedade e tudo mais. Tão aí dando sopa os exemplos de tantas empresas jornalísticas sérias mundo afora bancadas integralmente ou fundamentalmente por dinheiro público.

O Brasil pode e deve imitar essas soluções gringas, fortalecendo o que já há de bom por aqui. Não precisa reinventar a roda. Não é utopia pro século 22, é viável em 15 minutos. E aliás as Big Techs vão ter que pagar pelo conteúdo que usam para treinar suas IAs, ou vão fechar - o processo do New York Times é só o primeiro de muitos, e a OpenAI acaba de reconhecer para o legislativo britânico que é impossível treinar o ChatGPT sem usar fontes protegidas por direitos autorais.

Claro que este modelo pode facilmente virar dinheiro fácil pra empresário pilantra. Mas o caminho para garantir o bom uso dos recursos públicos, seja em jornalismo, vacina ou merenda, é mais fiscalização independente.

Mais jornalismo. E não menos.

(André Forastieri é jornalista desde 1988, empreendedor desde 1993, mentor, fundador da consultoria de conteúdo e conexão COMPASSO e da plataforma de transformação profissional HOMEWORK . Saiba mais em www.andreforastieri.com.br. Neste inclemente verão, está pesquisando soluções de IA para empoderar jornalistas e comunicadores em geral).


Carlos Alberto Baião

Diretor Técnico (CLO) -| Baião Assessoria e Baião Advogados

11 m

E transformar todos os jornalistas em agentes do governo?

Mais justo que o dinheiro do contribuinte financie jornalismo do que eleições.

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