Pelo reconhecimento do trabalho.
Ontem, 23 de setembro, o Estado de São Paulo celebrou o Dia do Mediador de Conflitos. O objetivo deste dia não só destaca a profissão, mas também enfatiza o valor da resolução pacífica de conflitos em nossa sociedade e vida cotidiana.
É fundamental entender que os mediadores e conciliadores de conflitos são mais do que simples intermediários. Eles são os arquitetos silenciosos de uma sociedade mais pacífica e coesa, laborando incansavelmente para facilitar diálogos construtivos e encontrar soluções amigáveis para disputas que, de outra forma, poderiam escalar para situações incontroláveis. Atualmente, o poder judiciário brasileiro conta como trabalho de cerca de 8.594 profissionais atuando em todo o país, sua influência é inegável e merece o reconhecimento apropriado.
Diante de inúmeras frases comemorativas e felicitações aos profissionais de resoluções de conflitos, uma narrativa institucional me chamou atenção. Uma peça publicitária elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) destacando a XVIII Semana Nacional da Conciliação. Este órgão, que é o vértice da promoção da Política Pública de tratamento adequado de conflitos no Brasil, rotineiramente divulga e promove os métodos de resolução pacífica. Conforme imagem abaixo:
Entretanto, como resultado desta iniciativa, elaborei uma sucinta Carta Aberta ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que serve não apenas como uma análise crítica, mas também, como uma lente através da qual desejo que a mediação e a conciliação de conflitos passem a serem vistas em um futuro próximo.
Prezada equipe de comunicação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ,
É com apreço que reconheço o trabalho que a vossa instituição tem realizado para disseminar informações ao público de forma acessível, visual e inclusiva. Este método de comunicação configura-se como uma poderosa ferramenta de justiça social. Todavia, como profissional ativa nos quadros de mediadores e conciliadores judiciais e pesquisadora nesta área, permitam-me apresentar algumas ponderações.
Mesmo o texto em legenda sendo explicativo, a informação reportada na imagem através da frase: “Aí não tem conciliação” vai em desencontro quanto ao procedimento da audiência de conciliação, elencado nos art.334 e seguintes do CPC.
Esta expressão pode confundir o entendimento sobre a audiência de conciliação, conforme a Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos (Resolução 125/2010). Que têm como diretiva o estímulo a cultura da paz através da comunicação facilitada por um terceiro neutro, imparcial e sem poder decisório. Neste sentido, em conciliação ou mediação a parte jamais será obrigada a realizar um acordo em desconforto com sua vontade. Entretanto, a tomada de decisão pelo não acordo, ocorrerá após a realização do procedimento de conciliação ou mediação, momento no qual as partes passam a ter maior consciência e claridade sobre a situação negocial e fática do conflito.
A saber, há qualquer tempo no trâmite processual há liberdade das partes não participarem de determinados atos judiciais, entretanto, esta escolha individual, gera suas consequências, por exemplo, com a aplicação de multa ou a presunções da veracidade dos fatos narrados e não contrapostos pela parte faltante. Este entendimento legislativo, que a recusa de participação em atos judiciais é um direito das partes, mas que comporta suas próprias consequências, como a aplicação de multas ou presunções legais adversas, vem sendo endossado e anualmente revisado pelo FONAMEC, conforme dispõe:
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“Enunciado n.º 19. Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa de que trata o art. 334, parágrafo 8º.” (Enunciado aprovado na reunião ordinária de 22/04/2015, com redação atualizada na reunião extraordinária de 28/04/2016. Revisado, aprovado por meio de consulta eletrônica finalizada em 24/08/2022, e com a adoção da redação sugerida pela Comissão do CNJ.)
Portanto, em sede de audiência de conciliação judicial, designada pelo magistrado, conforme art. 334 CPC, é necessário que observemos algumas considerações:
(1) conforme § 8º, o não comparecimento injustificado à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
(2) A práxis jurídica ainda manifesta grande resistência as inovações legislativas referentes aos métodos consensuais de tratamento de conflitos, bem como, a designação e comparecimento as sessões de conciliação e mediação designadas, sendo estas atitudes manifestamente contrárias a recentedo legislador.
Neste sentido, em minha construtiva análise considerei a frase informativa dúbia, tendo em vista a não observância do Procedimento de Conciliação, ora regulado por legislação federal 13.105/2015 e especial Lei 13.140/2015. Desta feita, a veiculação de informações publicitarias desconexas com os procedimentos legislativos e práticos, por sua vez, apenas reafirma a frágil situação da promoção da Cultura da Paz no ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, a título de sugestão alinhada ao estímulo da seriedade dos procedimentos de conciliação e mediação, sugiro a substituição da frase supracitada. Como curiosidade, uma possível alternativa:
“Eu quero conciliar! Mais e se a outra parte não quiser?Aí, a audiência de conciliação ficará sem acordo e o processo seguirá seu curso até o julgamento pelo magistrado. Ninguém é obrigado a fazer acordo.”
Atenciosamente,
Fernanda Alves Curbage, estudante do programa de Doutoramento em Política Internacional e Resolução de Conflitos pela FEUC/Universidade de Coimbra. Mediadora judicial pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Instrutora de mediação pelo NUPEMEC/SP. Advogada, Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. Membro da Comissão Soluções Consensuais de Conflitos – OAB/SP.
O intuito desta Carta Aberta remanesce em expor como iniciativas institucionais podem ajudar, ou não, a moldar um discurso público. Assim, validando um olhar crítico construtivista que direcione para o bem comum.
Este é um chamado à ação para todos nós: reconhecer e valorizar o trabalho crucial desses profissionais em nossa sociedade.
Engenheiro
1 amuito bem observado Fernanda com uma mensagem objetiva. abçs