PESQUISA DO IBOPE SOBRE AUDIÊNCIA DA TV LOCAL: DÁ PRA CONFIAR?

PESQUISA DO IBOPE SOBRE AUDIÊNCIA DA TV LOCAL: DÁ PRA CONFIAR?

Esta semana saiu nova pesquisa do Kantar IBOPE sobre audiência de TV na Paraíba.

Alguns veículos comemoram os resultados. Outros nem tanto...

E o público se pergunta: como essa pesquisa foi feita?

Então, quem já foi pesquisado alguma vez pelo IBGE ou algum instituto em pesquisas sócio-econômicas-culturais ou mesmo eleitorais já deve ter se deparado com pesquisadores portando notepads, tablets ou mesmo smartphones para coletar os dados, mas a pesquisa de audiência de TV é feita com um caderninho. Isso mesmo, um CADERNINHO.

Funciona assim: a empresa de pesquisas seleciona um grupo de domicílios (normalmente 210), com base nos dados socioeconômicos do IBGE, que represente a população da cidade, e entrega a cada morador da casa um caderninho, no qual, durante uma semana, essa pessoa irá anotar o que assistiu a cada dia, em intervalos de meia hora.

Na prática, imagine que você foi um dos escolhidos. Você deve ter sempre à mão o seu caderninho e ir anotando de meia em meia hora o que está vendo.

Mas as pessoas fazem isso?

O próprio Kantar IBOPE admite que não.

Muitas pessoas optam por anotar o dia todo de uma vez e algumas até a semana toda, o que faz com que a pesquisa tenha uma grande influência do chamado "share of mind", que é a lembrança que as pessoas têm sobre os programas que mais assistem.

Sabe aquela vinheta de rádio que diz "Quando perguntarem que rádio você ouve, diga Rádio Tal!". Isso mesmo! Aquilo é pra gerar Share of Mind, porque a pesquisa de rádio é feita de maneira semelhante à da TV (só que menos precisa ainda...).

Voltando à TV, as pessoas que não anotam na hora o que estão assistindo podem anotar depois, baseadas principalmente nos seus hábitos e não necessariamente no que assistiram. Aí entra uma possível grande distorção: a pessoa pode preencher o caderninho baseada não no que assistiu, mas no que assistiria se estivesse vendo TV naquele dia e horário.

As pesquisas também não levam em consideração oficialmente a audiência fora dos domicílios, nas empresas ou nos celulares com TV, por exemplo, mas nada impede que a pessoa preencha seu caderninho baseada nesse consumo de conteúdo fora de casa, o que não deixa de ser mais uma distorção.

Este, aliás, é o grande problema da pesquisa: mostrar quem realmente estava assistindo TV naquela semana ou quem naquela semana seguiu a mesma rotina de sempre.

Numa semana, por exemplo, em que ocorre um grande fato jornalístico, um jogo importante, um final de novela... as pessoas obviamente vão assistir mais TV do que normalmente e isso, lógico, vai impactar bastante na pesquisa.

Mas há duas dúvidas que tenho sobre as pesquisas de TV que nenhuma empresa ou emissora normalmente conta.

Primeiro, levando em consideração que as pesquisas também aferem a quantidade de TVs ligadas (embora esse dado possa e deva ser prejudicado pelos fatores que já citei) e que esse número é bem diferente de outras épocas, será que a empresa mantém as pessoas na pesquisa quando elas declaram que não assistem TV local, sabendo que o caderninho vai voltar vazio? Por tudo que vi, não. Só são pesquisadas as pessoas que têm o hábito de ver TV local e só esse dado já produziria uma distorção gravíssima nos resultados.

Segundo - e talvez mais importante - nas pesquisas feitas por aqui as empresas levam em consideração o efeito segunda tela, que é o hábito das pessoas assistirem TV concomitantemente com o uso de smartphones, tablets ou computadores? Esse dado seria importantíssimo para medir o nível de atenção das pessoas à programação e verificar se a TV realmente se transformou no novo rádio, que está ali ligado, as pessoas até escutam mas pouco olham... ...e, principalmente, para confirmar um fenômeno que quase todo que conheço diz praticar: a fuga da atenção para os dispositivos móveis durante os intervalos, o que tornaria a eficiência mercadológica da TV muito mais baixa e, em alguns casos, quase nula.

Enfim, mesmo os números divulgados e comemorados mostram o quanto a TV aberta local está em crise.

No caso da TV Paraíba, de Campina Grande, por exemplo, ela tem, a partir dos dados divulgados, uma média geral de audiência dos programas locais de 23,63%, enquanto as concorrentes têm, pela ordem, 13,05%, 3,67%, 1,07% e 0,68.

Qual o dado mais expressivo desses números? A soma!

Todas juntas, as TVs locais têm apenas 42,1% de audiência, o que significa que 57,9% do público potencial simplesmente não está mais assistindo TV local. E se considerarmos que a TV local ainda é o grande motivo para as pessoas manterem o hábito de ver TV aberta no Brasil. A situação e bem complicada...

Na prática, segundo a pesquisa, quando um anunciante compra um espaço publicitário em um programa de TV em Campina Grande o máximo de pessoas que ele vai atingir, caso escolha a TV Paraíba, é 24 de cada cem pessoas, em média.

Se não for um produto de massa, que interesse a todo mundo, descontando aqueles que não são seus clientes potenciais, os que não assistem aos intervalos e os que afirmaram ver o programa só pela lembrança que ele existe, os números não são nada interessantes.

Imagine, por exemplo, um anúncio de uma loja de material de construção. Quantas daquelas 24 pessoas, de um universo de 100, que assistem à programação local da TV Paraíba realmente têm interesse em uma promoção de pisos, tintas ou bacias sanitárias? Vamos pensar, por hipótese, em 3 pessoas, que seriam 12,5%. Nesse cálculo, o anunciante teria uma perda efetiva de investimento de 87.5%. E se aplicarmos o cálculo ao conjunto potencial de audiência da TV, que seria 100% da população com TV, o valor "jogado fora" seria de 97% da verba investida.

E se a gente levar em consideração a impossibilidade de verificar realmente se e quem viu o anúncio e qual a impressão que teve sobre o conteúdo, aí é que o negócio fica difícil mesmo.

Enfim, há quem esteja comemorando os resultados publicamente, mas eu acho que tem muita gente chorando com a realidade que vive atualmente o mercado de TV local...

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Emerson Saraiva

  • O Mundo está pronto para a sua Grande Ideia?

    O Mundo está pronto para a sua Grande Ideia?

    Em 1974 o empresário João Gurgel apresentou ao Brasil o Itaipu, um carro movido a eletricidade, com autonomia de 80km…

    1 comentário
  • Contra Depressão, INFORMAÇÃO!

    Contra Depressão, INFORMAÇÃO!

    Realmente não tá fácil pra ninguém viver nesse mundo em que a gente vai dormir imaginando que pode acordar no meio do…

    1 comentário
  • Eleição é Pragmatismo!

    Eleição é Pragmatismo!

    ATENÇÃO: O texto a seguir é sobre Estratégia e Marketing Eleitoral e NÃO SOBRE POLÍTICA. .

  • Quem tem medo de perder o "Fundão"?

    Quem tem medo de perder o "Fundão"?

    Na última semana o meio político brasileiro tem ocupado seu tempo e espaços de comunicação para debater o valor…

  • Qual a métrica mais importante do Instagram?

    Qual a métrica mais importante do Instagram?

    Qual o resultado que te deixa mais feliz quando você faz uma postagem no Instagram? O número de curtidas, de…

  • A Política é o Mar. A Eleição é a Onda. O Candidato é o Surfista.

    A Política é o Mar. A Eleição é a Onda. O Candidato é o Surfista.

    Anos atrás li um artigo do publicitário e professor Cid Pacheco, um dos precursores do Marketing Político no Brasil, em…

    2 comentários
  • Só mais um Jornal Nacional

    Só mais um Jornal Nacional

    Eu normalmente assisto o Jornal Nacional uma vez por semana, mas, por amostragem, posso dizer que a coisa tá feia mesmo…

  • Nós ainda precisamos conversar sobre Bettina

    Nós ainda precisamos conversar sobre Bettina

    Eu JURO que eu não queria escrever sobre isso e tô aqui me martirizando por ocupar o tempo que poderia usar em algumas…

    4 comentários
  • Einstein e o Deus de Spinoza

    Einstein e o Deus de Spinoza

    Nos cursos, eventos e palestras dos quais participava, a pergunta mais ouvida por Albert Einstein era se ele acreditava…

    2 comentários
  • O comércio local é um morto vivo

    O comércio local é um morto vivo

    Bastou uma hora no comércio de minha cidade pra entender o risco que o varejo local está correndo. Visitei basicamente…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos