Pilha de Estéril
artigo apresenta uma proposta canadense de classificação de pilhas de estéril do ponto de vista da sua estabilidade física. O método baseia-se na avaliação ponderada e semiquantitativa de fatores-chave que podem afetar a estabilidade. Seu resultado permite atribuir uma determinada classe à pilha de acordo com o potencial de instabilidade. Essas classes definem um nível de esforço recomendado para investigação, projeto, construção e monitoramento da pilha. Para a verificação da eficácia do sistema de classificação, foi realizado um estudo de caso diante da realidade da mineração de ferro, na cidade de Nova Lima, Minas Gerais. A execução desse trabalho envolveu uma pesquisa documental e um posterior trabalho de campo, a fim de se aplicar, as informações coletadas sobre as pilhas no sistema de classificação.
O trabalho mostra, também, inovações introduzidas pelos autores sobre o uso do sistema de classificação como meio de atestar a qualidade do manejo das pilhas e de identificar condicionantes de um projeto. O sistema de classificação mostrou que se trata de uma ferramenta muito útil, tanto no planejamento, como também na avaliação de todas as fases da vida de uma pilha.
Palavras-chave: Pilha de estéril, classificação, estabilidade, mineração de ferro.
Keywords: Waste Dump, classification, stability, iron ore mining.
1. Introdução
A extração de bens minerais faz surgir uma quantidade expressiva de materiais de pouco ou nenhum valor econômico, como o minério futuro e o estéril. O manejo do minério futuro responde a uma estratégia de negócio: tal minério pode ser aproveitado e, ainda, dar um retorno financeiro. Já a remoção de estéril da área de lavra e a sua disposição final representam apenas custos no desenvolvimento de uma mina com implicações, não só de ordem econômica, mas, também, no que diz respeito à segurança e ao meio ambiente.
Atualmente o manejo criterioso de estéril impõe-se devido a diversos fatores. Entre esses fatores destacam-se o significativo aumento no volume de material movimentado nas operações mineiras, a maior escassez de áreas adequadas à disposição, especialmente em empreendimentos mais antigos, a maior exigência dos órgãos fiscalizadores, principalmente nos aspectos ambientais, e o amplo leque de possibilidades para a utilização futura desses depósitos. Essa situação faz com que seja necessário um esforço maior de planejamento das atividades de projeto, construção, operação e reabilitação das estruturas finais geradas pela movimentação dos estéreis.
No Brasil, o planejamento e o projeto de uma pilha estão sujeitos a aprovações legais, apesar de se exigir muito pouco sobre investigação e projeto. A norma ABNT NBR 13029 (2006) especifica os requisitos mínimos para a elaboração e a apresentação de projeto para disposição de estéril.
Dada a diversidade das pilhas em termos locacionais, porte, tipos de estéril, clima, etc., existe uma carência de orientação dos profissionais que lidam com esses empreendimentos. É preciso que eles estabeleçam um nível adequado de detalhamento dos estudos dessas estruturas. Essa dificuldade pode ser, em parte, resolvida por uma classificação de pilhas.
Até o presente momento, não existe, entre nós, uma classificação de pilha de estéril com relação ao seu potencial de perigo/dano, algo mais comum de se ver quando o assunto é barragem. No estado de Minas Gerais, por exemplo, existe uma Deliberação Normativa COPAM (62/2002 alterada para 87/2005) específica para barragens, que as classifica segundo o potencial de dano ambiental.
O presente trabalho procura contribuir para preenchimento dessa lacuna ao trazer os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo avaliar um sistema de classificação de pilhas de estéril com vistas a sua utilização em gerenciamento de riscos, planejamento, projeto, construção e monitoramento dessas estruturas. Espera-se que o assunto possa despertar uma discussão de um critério de classificação a ser adotado para as pilhas no Brasil.
2. Sistema de classificação de pilhas de estéril
Um sistema de classificação proporciona, em geral, a identificação básica de um produto, estrutura ou processo, que, no caso de uma pilha de estéreis, poderia, por exemplo, informar sobre o seu tipo e a sua configuração. Essas informações facilitam a comunicação e o entendimento entre profissionais interessados em projeto e construção. Além disso, a classificação pode fornecer informações adicionais que permitam prever o provável comportamento interno da pilha (poro pressões, nível de água, etc) e identificar problemas potenciais (condicionantes).
Nesse trabalho, avalia-se um sistema de classificação de pilhas desenvolvido para o governo canadense com base na estabilidade física de uma pilha de estéril (BC Mine Waste Rock Pile Research Committee, 1991). Na elaboração desse sistema, foram enviados questionários a diversos profissionais e empresas de consultoria, indagando sobre fatores que influenciavam a estabilidade das pilhas e sua importância. As informações obtidas foram tratadas de modo a se obter um consenso e daí surgiu o sistema de classificação baseado numa pontuação ponderada daqueles pontos-chave e numa categorização do potencial de ruptura das pilhas em classes.
Esse sistema de classificação é uma ferramenta que pode ser utilizada em todas as fases da vida de uma pilha, desde o seu planejamento. Ela propicia realizar classificações preliminares dos possíveis locais para disposição do estéril, tornando possíveis comparações entre esses locais, quanto ao potencial de instabilidade, e estabelecendo o nível deesforço de investigação, projeto, construção e monitoramento necessários para cada local de acordo com a cada classe encontrada.
O sistema de Classificação consta de duas partes principais, a saber: Avaliação de Estabilidade e Classificação de Pilha. Um complemento à Classificação é o que aqui se denomina Verificação de Enquadramento de Classe.
A Avaliação de Estabilidade da pilha trata-se de uma metodologia semiquantitativa para avaliar o potencial de instabilidade de pilhas com base em fatores-chave. A Tabela 1 lista esses fatores, sendo as três primeiras colunas referentes ao sistema de classificação propriamente dito, compreendendo a descrição, o grau ou intensidade de cada um e a ponderação sugerida. As outras colunas subsequentes apresentam exemplo de classificação dentro de um estudo de caso, que será discutido no item 3.
É importante ressaltar que a atividade de classificar segundo a Tabela 1 permite, também, identificar aspectos relevantes da pilha naqueles fatores onde a pontuação alcançada é máxima (200 ou 100 pontos). Essa observação é apontada no estudo de caso (item 3).
Com a pontuação alcançada, a pilha é, então, classificada em uma das quatro categorias de estabilidade conforme a Tabela 2. Essas categorias ou classes definem um nível de esforço recomendado para investigação, projeto e construção da pilha, ou seja, a qualidade do manejo de estéril. Quanto maior a classe, maior o nível de esforço recomendado. É bom que se esclareça, que ao ser colocada numa categoria, por exemplo, classe III ou IV, não significa que a pilha vai romper ou está com uma estabilidade precária e, sim, qual o potencial de perigo ou dano associado, traduzindo a qualidade de manejo desejado àquela classe em que ela foi classificada.
A Verificação de Enquadramento da Classe é uma etapa complementar dentro do sistema de classificação, onde é analisado se o manejo de estéril previsto ou realizado é compatível com a classificação, ou seja, avalia-se se uma pilha, por exemplo, classe III, está sendo tratada como tal, ou como uma classe diferente. Essa etapa não existe na proposta original da classificação, mas se julgou necessária para responder à questão sobre a qualidade da gestão do manejo de estéreis da pilha classificada. Ela será também apresentada no estudo de caso a seguir.
3. Estudo de Caso
O sistema de classificação introduzido anteriormente foi examinado nessa pesquisa através de estudo de caso nas pilhas de estéreis da VALE, nos complexos mineiros de Vargem Grande e Paraobebas, em Minas Gerais, mais especificamente no Quadrilátero Ferrífero.
A empresa, na época do estudo, possuía, na região, uma relação de 34 pilhas em diversas fases (projeto, operação ou desativada).
Características gerais das pilhas
A primeira etapa do estudo de classificação das pilhas compreendeu uma pesquisa documental sobre os fatores-chave (Tabela 1) para cada um dos 34 empreendimentos mineiros. Iniciou-se com os documentosem meiofísico. Foram analisados documentos como: projetos básicos, projetos executivos, relatórios de reuniões, relatórios de consultores, mapas, croquis, relatórios de instrumentos, relatórios de investigação de campo, etc. Em seguida, passou-se a análise dos documentos em meio eletrônico. Ao concluir o trabalho, os dados foram computados e organizados de forma estruturada em planilhas eletrônicas. Para cada mina, foi feita uma planilha e, dentro dessas planilhas, foram colocadas as pilhas das respectivas minas, contendo as informações sobre as variáveis pesquisadas.
As pilhas analisadas possuíam características semelhantes, sendo planejadas, projetadas e construídas com acompanhamento técnico. De um modo geral, são estruturas de médio e grande porte, formadas pelo método ascendente, o que constitui uma boa prática para a estabilidade das estruturas. A Tabela 3 mostra um resumo das informações coletadas.
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Trabalho de Campo
Ao finalizar a análise de todos os dados, foram separadas as pilhas que possuíam o maior número de informações necessárias à classificação, evitando-se inferências. As pilhas selecionadas foram Grota Fria (desativada) e Capão da Serra (em operação), da mina do Tamanduá, e Grota 0 (em operação de retomada, alteamento), da mina da Mutuca.
Além do trabalho de escritório, realizaram-se visitas ao campo àquelas estruturas de modo a se obter um conhecimento da situação real das pilhas, do plano operacional, o "as built" de construção, e a se ter acesso a relatórios locais, resultados de instrumentação e outras informações por meio de comunicação pessoal. Essa atividade foi muito útil para complementar e para validar os dados coletados na fase de escritório (pesquisa documental).
Classificação das Pilhas
As pilhas escolhidas foram analisadas pela Tabela 1, sendo a pontuação dos fatores de cada uma das pilhas mostrada naquela tabela (três últimas colunas da esquerda). As pilhas foram classificadas dentro de uma categoria (classe) de acordo com a Tabela 2. A pilha do Capão da Serra obteve seiscentos pontos, no limiar de classificação entre classe II e classe III, sendo conservadoramente classificada como classe III, com potencial de ruptura moderado. A pilha da Grota Fria obteve trezentos e cinqüenta pontos, sendo classificada como classe II, com potencial de ruptura baixo. A pilha da Grota 0 obteve oitocentos pontos, sendo classificada como classe III, com potencial de ruptura moderado.
De acordo com a Tabela 1, é possível, também, observar que os aspectos mais relevantes de projeto (condicionantes de projeto) para as três casos estudados, de um modo geral, foram: altura das pilhas, tipo de fundação, qualidade do material da pilha e condições piezométricas e climáticas.
Com a classe definida, passou-se à etapa de se verificar o nível de esforço empregado estava compatível com a classe encontrada. Para a verificação do enquadramento da classe, foi modificada a apresentação da Tabela 2, de modo a tornar mais direta o seu uso nessa nova finalidade. Assim surgiu a Tabela 4 - Enquadramento de Classe.
No exercício de enquadramento da pilha Grota Fria (classe II) com auxílio, também, de pesquisa documental e de visitas ao campo (itens anteriores), constatou-se que, dos nove itens de avaliação, havia informações sobre seis deles, destacando-se que, nos quesitos de investigação e projeto, o realizado, para esta pilha, estava acima do necessário (nível de classe III e IV).
A pilha Capão da Serra (classe III) também possuía informações em seis itens, chegando a respostas satisfatórias para atendimento aos requisitos de esforço de uma pilha classe III, ou mesmo classe IV, no que tange a sondagens.
Por fim, a pilha Grota 0 (classe III) possuía informações também em seis itens, todos atendidos na classe III/IV, com exceção de um, marcado em classe superior, ou seja, acima do exigido.
O enquadramento de classe das pilhas analisadas não foi de todo completo, mas os resultados sugerem que as pilhas foram e/ou estão sendo objeto de um manejo compatível com a classificação.
4. Conclusão
O sistema de classificação de pilhas de estéril apresentado parece mostrar-se uma ferramenta muito útil na avaliação de todas as fases da vida de uma pilha, atingindo um nível razoável entre a aplicabilidade e a facilidade no estudo de caso avaliado.
Além da classificação, verificou-se que o método traz, como importante subproduto, a identificação de aspectos relevantes de projeto (condicionantes).
A questão de avaliação de enquadramento de classe foi introduzida como complemento ao sistema original, ampliando o alcance da classificação proposta, permitindo uma constatação ainda que conceitual sobre a qualidade do manejo de estéril na pilha classificada.
O resultado do enquadramento de classe no estudo de caso é apenas indicativo, pois muitos itens não possuíam as informações necessárias.
O estudo realizado para o conjunto de todas as pilhas tornou possível, também, ter um panorama sobre o manejo de estéril da mineração de ferro no Quadrilátero Ferrífero (Tabela 3).
Por fim, a classificação de pilha é um conceito novo que deve ser discutido, sendo esse trabalho uma tentativa de se estabelecer um procedimento normalizado.