Pinacoteca: uma Lovermak brasileira
Lovemarks, o futuro além das marcas(2004), de Kevin Roberts, CEO do grupo Saatchi&Saatchi, é um livro que fala sobre a importância das empresas criarem conexões emocionais com seus clientes. No mundo das commodities, da velocidade, da cacofonia de produto idênticos e insossos nas prateleiras físicas e digitais, esse vínculo além da razão fará a diferença para o cliente e para a empresa. O primeiro enxerga valor na sua aquisição. A segunda remunera seus investimentos e mantém-se saudável. Questão de sobrevivência. É um conceito inspirador, presente na comunicação de muitas marcas vitoriosas, daquelas que fazem parte da nossa vida emocional e pelas quais tiramos o dinheiro da carteira sem reparar.
Mas ser o feliz proprietário de uma lovemark pode ser uma benção e uma maldição. As empresas, em geral, gastam um caminhão de dinheiro planejando, criando e lançando suas marcas. Agências, designers e criativos são envolvidos. Começa o trabalho de definição de conceito, personalidade, etc, etc... Depois de hectolitros de café consumidos, de infindáveis reuniões realizadas, uma ligeira, mas intensa, guerra de egos travada, voilá: surge uma marca vencedora.
Só que o projeto é tão bem-sucedido e os clientes ficam tão alucinados com a marca que se sentem donos dela, como se fosse parte da família. Não, mais do que isso: é como se fosse parte da própria personalidade deles. Isso é muito bom, um sinal de sucesso e de que a marca conquistou seu lugar nas prateleiras emocionais dos clientes. Por outro lado, significa que a marca, dali em diante, será o que os consumidores quiserem que ela seja.
O caso clássico é o da New Coke, produto lançado pela Coca-Cola nos anos 80 em substituição ao produto tradicional. Quando perceberam a mudança no sabor do seu querido refrigerante fizeram uma mobilização social de dar inveja aos black bobocas. A empresa que não souber lidar com essa situação pode jogar fora seu maior ativo, intangível e incalculável.
E aí, leio na coluna de Sônia Racy, no Estadão de sábado, 23 de janeiro, que a Pinacoteca do Estado vai adotar na sua comunicação visual o apelido dado pelos frequentadores do Museu - Pina. Talvez a notícia não tenha recebido a atenção merecida, mas é interessante, do ponto de vista de marketing e branding e coloca a Pinacoteca na categoria de Lovemark.
Talvez seja mais fácil fazer isso com um museu do que com shampoo ou molho de tomate. Afinal, é quase intuitivo criar uma conexão com o fascinante mundo das artes, dos gênios criativos, do alimento espiritual para as mentes ávidas por conhecimento. Ou será que não? Mas isso é tema para um próximo texto...
No caso da Pinacoteca, essa relação fica um pouco mais apimentada, pela sua localização, em um prédio onde funcionava o Liceu de Artes e Ofícios, projetado por Ramos de Azevedo, no final do século XIX, e reformado com projeto de Paulo Mendes da Rocha, no final dos anos 1990. Um prédio histórico e com história.
Além disso, foi se reposicionando ao longo do tempo e, hoje, é referência em arte contemporânea. Sua visão de futuro é ser reconhecida como museu, espaço de produção e difusão de conhecimento, centro educacional e de inclusão social, referência de qualidade, consistência e dinamismo no cenário museológico brasileiro e internacional. Ou seja, um corpo vivo, vibrante, conectado com a sociedade.
Você já foi até lá? Já sentiu a presença poderosa e protetora das paredes de tijolo aparente? Daquele pé direito infinito, mas acolhedor? Já sentou no café do Museu para ler, conversar, refletir ou apenas fazer nada? 500 mil pessoas por ano fazem isso. Quando estou perambulando pelas salas e corredores da Pina, tenho sempre a impressão de que, a qualquer momento, Ramos de Azevedo vai aparecer, com terno preto de flanela clássica, gravata lisa e um guarda-chuva na mão. Afinal, naquela época, não se falava em aquecimento global e São Paulo ainda era a terra da garoa.
E assim, as pessoas transformaram o museu em sala de estar, biblioteca e playground. A Pinacoteca virou Pina e a cidade ganhou uma lovemark. Não por acaso, a empresa que criou a nova identidade visual da Pina é dirigida por Kevin Roberts.