Plataformas de Negócio Digitais: o que a Apple e o iPhone podem nos ensinar.
O que faz uma empresa líder de seu segmento, e que chegou a dominar metade do mercado, perder 80% de sua participação em um período de apenas 5 anos? Há menos de uma década esta novela se passava diante de nossos olhos e na palma de nossas mãos. Era a derrocada da Nokia, empresa dominante do segmento de telefonia celular, desde o fim da década de 90, mas que se via incapaz de dar resposta à onda de inovação que a Apple e o Google traziam com o iPhone e o Android.
O então CEO da Nokia, Stephen Elop, chegou a publicar em 2011 uma desconcertante comunicação interna aos colaboradores onde dizia ser “inacreditável que depois de mais de dois anos a companhia não tivesse sido capaz de ter um produto que os aproximasse da experiência oferecida pelos concorrentes”.
Entretanto, o ponto principal era a admissão de que Apple e Google não estavam vencendo simplesmente por conta da venda de seus dispositivos, mas sim através da competição baseada em um ecossistema bem organizado que criava uma atratividade nunca antes vista aos diversos participantes.
Em suas próprias palavras, “a plataforma da Nokia estava em chamas” enquanto a Apple dominava o segmento high end com a plataforma proprietária iOS e o Google se trasformava em um motor de inovação e desenvolvimento da indústria de telefonia celular com a plataforma aberta Android". A Nokia, pressionada de âmbos os lados não tinha como resistir.
Na realidade, não era se tratava exatamente de um embate entre plataformas, mas sim o confronto entre o modelo tradicional de desenvolvimento e distribuição de produtos da Nokia contra o novo modelo de negócios de plataforma baseado em ecossistemas ricos e dinâmicos.
O destino da Nokia fala muito da transformação que diferentes indústrias passam hoje em dia. Ele pode também apontar formas de vencer situações de competição extrema contra novos tipos de competidores.
Cadeias & Plataformas
Historicamente os modelos de negócio das empresas foram predimonentemente baseados em cadeias. Daí vem o termo cadeia de valor que dá a ideia de um conjunto de atividades, ou subsistemas com entradas e saídas, que são acionados sequencialmente dentro e fora de uma empresa. Em linhas gerais uma cadeia de valor passa por etapas como logística de insumos, produção, distribuição e consumo.
Este modelo, abordado por Michael Porter em seu livro Competitive Advantage, predominou por mais de 100 anos e foi a base para criação de valor do século 20. Produtos, serviços, mídia e vários outros tipos de verticais ainda hoje operam desta forma, que tem como foco o processo de geração de valor. Entretanto, a partir do princípio do século 21 três mudanças fundamentais viabilizaram a transformação dos modelos de geração de valor.
A primeira foi democratização da conectividade trazida pela adoção da internet como o padrão global de comunicação digital. Gradativamente diferentes tipos de atores e dispositivos foram integrados a esta rede. Governos, empresas, instituições, lares, indivíduos, servidores, PCs, telefones, sistemas M2M e, mais recentemente IoT, todos hoje estão conectados.
A segunda mudança é o fato de que esta infinidade de dispositivos conectados, que inicialmente predominantemente consumiam informações da internet, passaram a ser também uma fonte quase que infindável de geração de dados. Somente os sensores instalados em um telefone celular são capazes de gerar uma quantidade enorme de dados a cada segundo. São dados como localização, velocidade, localização de redes, altitude e muito mais, que podem ser transmitidos para servidores na nuvem. Estes, por sua vez, são capazes de oferecer dinamicamente respostas inteligentes em função destes e outros dados coletados.
O terceiro fator é que os meios de produção de valor não mais estão centralizados apenas nas grandes empresas como no passado. A abundância de conectividade, associada aos novos meios de produção e de compartilhamento de recursos, permitem que pequenas empresas, e até mesmo indivíduos, participem deste processo de forma competitiva.
Estes fatores foram o estopim para a criação do modelo de negócios de plataforma.
Platform Thinking
O modelo de negócios de plataforma baseia-se na capacidade de fomentar interações entre diferentes agentes de um ecosistema de negócios. O objetivo não é necessariamente a venda da plataforma como um produto, mas sim torná-la um meio para que as interações sejam realizadas, incrementadas, melhoradas e diversificadas. Diferentemente do modelo de cadeia de valor, o modelo de plataforma tem seu foco nas interações sobre a plataforma.
O exemplo dos Smartphones mostra como este modelo se diferencia. A Nokia tinha um modelo de negócios baseado em ciclos de 2 anos (processo), centrado no lançamentos de novos modelos de celulares (produtos) que eram usualmente diferentes geração após geração. Já o modelo da Apple tornava o iPhone (plataforma) não somente um produto mais sofisticado, mas um meio de comunicação (interação) entre diferentes atores de seu ecossistema. Desenvolvedores criam aplicações que os usuários podem comprar através da App Store. Produtores de música podem vender suas coleções através do iTunes e assim por diante.
Este modelo permitiu à Apple e Google, juntamente com os demais usuários de suas plataformas, desenvolverem novos tipos de interações e ecosistemas cada vez mais ricos que causaram fortes disrupções em segmentos como telecomunicações, transporte, música, hotelaria, fotografia, notícias etc. Suas plataformas tornaram-se o ponto de partida para um conjunto gigante de inovações que varreram do mercado segmentos inteiros de produtos e criaram novas interações de geração de valor.
Um dos papéis principais da Apple e Google neste processo é garantir não somente a quantidade de interações, mas principalmente a sua qualidade. Isso é muito importante pois a qualidade garante o “network effect” onde a plataforma capaz de oferecer interações com maior qualidade também consegue atrair mais usuários. Um plataforma com um número crescente de usuários, por outro lado, atrai mais desenvolvedores e desta forma mais inovações fechando um ciclo virtuoso e viabilizando um crescimento exponencial.
O controle da plataforma também garante o acesso a inovação gerada pelos usuários a um custo marginal, e a participação nas transações que ocorrem sobre ela. A geração de valor e receita vai muito além da venda dos seus produtos, mas pela participação em praticamente todos os negócios realizados pelo ecosistema. Não é a toa que a Apple alcançou um valor de mercado de mais de 900 bilhões de dólares em 2018.
Por que Isso é Importante?
O modelo de plataformas não está limitado somente ao mercado de tecnologia. Exemplos como o Airbnb e o Uber demonstram que segmentos não relacionados a tecnologia são suscetíveis a disrupção de seus modelos tradicionais de negócio por novos entrantes utilizando o modelo de plataformas de negócio.
A capacidade das empresas de entender esta dinâmica pode gerar oportunidades em praticamente todos os segmentos de negócios. O objetivo é dominar a interação com os clientes e atrair parceiros que possam acrescentar valor as interações destes clientes. Há espaço para criação de novos modelos de negócio mesmo em indústrias tradicionais.
Entretanto é necessário entender que plataformas de negócio são baseadas em comunidades. Somente é possível ter sucesso se uma empresa for capaz de se abrir e gerar valor a um ecossistema. Para isso, deve criar formas para que terceiros possam criar valor integrando-se a ela digitalmente.
Esta transição trará com certeza muitos riscos e oportunidades nos próximos anos. É hora de estar atento e entender todo o potencial deste novo modelo de negócios.
Sobre a Nokia
Finalmente, a Nokia vendeu a divisão de telefones móveis para a Microsoft em 2013, após anos de perda de participação de mercado. Nos últimos anos, voltou a produzir celulares, sendo um dos participantes do ecossistema Android. Sua estória com certeza nos ensina a não subestimar a necessidade de compreender o impacto do modelo de plataformas de negócio.
Para saber mais
Forbes - How to Succeed With A Platform Model
Wired - Why Business Models Fail
Vice President of Sales & Business Development
6 aMuito bom. Abraço
Happy Father | Senior High Tech Executive | Entrepreneur | Always Learning & Enhancing Environment | Sports Fan & Athlete | Enthusiastic about Space Exploration | Inclusion Advocate |
6 aÓtimo: o caminho segue por aí ! Estamos indo para a era da "InTRInet" com trilhões de devices, sensores e machines gerando dados conectados na nuvem com um modelos de negócios baseado em plataforma & ecossistema prá gerar conhecimento e valor. Nesse mundo novo com AI & Cloud, vantagem competitiva pode mudar de uma hora para outra :-)
Head ISV Development, Service Providers
6 aEstamos na mesma estratégia na Ingram Micro Cloud
VP Global Alliances & Cloud at BRQ Digital Solutions
6 aExcelente Artigo !!! Com certeza a força do ecossistema predomina na abordagem dos novos negócios e da nova economia.