A Polêmica Transformação dos Valores Sociais

A Polêmica Transformação dos Valores Sociais

Os valores, enquanto construções sociais e culturais, são constantemente moldados pelo tempo e pelas transformações das sociedades que os sustentam. A ideia de que estamos vivendo uma "perda de valores" reflete mais uma percepção nostálgica do que uma realidade objetiva. O que se entende como valor hoje não é o mesmo que há décadas, e isso pode ser perturbador para aqueles que se apegam à estabilidade de um moralismo fixo e imutável. Contudo, o que estamos testemunhando não é o esfacelamento de princípios éticos, mas uma evolução — uma reconfiguração dos valores que sustentam as relações humanas e o tecido social.

Essa transformação não implica, necessariamente, em uma decadência, como muitos podem argumentar. Pelo contrário, estamos vivenciando um ajuste. Valores que por muito tempo foram defendidos como absolutos estão sendo desconstruídos, revelando contradições e opressões silenciosas. A percepção de uma "perda de valores" frequentemente carrega uma nostalgia por tempos mais "simples", quando certas verdades pareciam incontestáveis. No entanto, o que muitos veem como uma queda de padrões pode, na verdade, ser o florescimento de uma nova consciência coletiva, mais inclusiva e autêntica.

Ao romper com o que antes era ocultado, estamos abrindo espaço para uma vida mais verdadeira. Não há mais tanto espaço para "coisas para inglês ver" — uma expressão que, por si só, já expõe a hipocrisia de sistemas morais que priorizavam a aparência sobre a substância. Hoje, o que antes era sufocado pelas convenções sociais se expressa com liberdade, revelando a complexidade e as contradições da natureza humana em sua plenitude e legitimidade. E isso não pode ser visto como uma perda, mas como uma conquista.

Talvez o mais polêmico dos campos é o que costumamos chamar "valores de família". Quando discutimos estes valores, entramos em um terreno delicado e, muitas vezes, contraditório. A noção de "valores familiares" é amplamente promovida como um bastião de virtude, uma base para uma sociedade justa, coesa e funcional. Porém, ao olharmos mais de perto, percebemos que esses valores frequentemente são sustentados por falácias e hipocrisias, ocultando práticas de traição, exclusão e opressão que comprometem sua real validade no que concerne ao bem comum.

O pseudo-conservadorismo, que frequentemente advoga pela proteção desses "valores familiares", não está imune a contradições. Sob o manto de uma moralidade rígida e incontestável, escondem-se fissuras que revelam a fragilidade dessa narrativa. Valores que teorizam união, respeito e responsabilidade muitas vezes se desmancham na prática, enquanto a imposição de um modelo familiar "tradicional" desconsidera a diversidade das experiências humanas, perpetuando exclusões sociais e condenando ao ostracismo aqueles que não se encaixam nesse molde.

Tomemos como exemplo o discurso sobre casamento e fidelidade, central aos tais "valores familiares". A sociedade prega a monogamia como ideal, mas sabemos que infidelidades ocorrem de forma disseminada, frequentemente mascaradas por uma fachada de respeito e ordem. Aqui, a falácia é clara: o que se prega e o que se pratica raramente estão alinhados. E, diante dessa realidade, muitos defensores desses valores acabam sucumbindo à hipocrisia, perpetuando uma cultura do "faça o que eu digo, mas não o que eu faço".

Além disso, esses valores familiares são historicamente enraizados em sistemas de poder que mantêm certas hierarquias intactas. A exclusão de pessoas LGBTQIA+, por exemplo, é uma das mais evidentes traições ao valor da "família", se considerarmos que a essência de uma família deveria ser afeto, cuidado e apoio mútuo. O pseudo-conservadorismo, no entanto, fecha as portas para esses indivíduos, insistindo que apenas uma versão heteronormativa da família merece respeito e legitimidade. Nessa exclusão, o que se defende não é o bem comum, mas a manutenção de uma estrutura opressiva.

Essa versão dos "valores de família" muitas vezes serve como cortina de fumaça para práticas de controle social e opressão. A insistência em moldar a sociedade a partir de um ideal conservador de família busca manter o status quo, onde quem não se adequa ao modelo sofre sanções morais e sociais. Isso cria um ambiente perigoso, onde se justifica a exclusão e marginalização em nome de uma moralidade falaciosa, que não promove o bem coletivo, mas sim o controle sobre aqueles que ousam desafiar essa visão ultrapassada.

Ironicamente, os valores pseudo-conservadores, que pregam a moralidade e o bem, muitas vezes são os próprios motores da desagregação social. Eles criam uma sociedade baseada na exclusão, intolerância e repressão, perpetuando o ciclo de falácias e hipocrisias que deveriam combater. O "bem" que se defende, na realidade, beneficia poucos, enquanto marginaliza muitos.

O verdadeiro valor de uma família, e por extensão de uma sociedade, reside em sua capacidade de acolher, adaptar-se e reconhecer as diversas formas de amor, cuidado e apoio que as relações humanas podem proporcionar. A tentativa de forçar um retorno a um ideal conservador que exclui e oprime não representa um retorno a valores genuínos, mas a uma manutenção de estruturas desgastadas que ferem a sociedade como um todo.

Entretanto, ao mesmo tempo que assistimos a esse movimento de libertação e autenticidade, há também o surgimento de uma contracorrente. A valorização da superficialidade, do efêmero e do superficial, em um mundo saturado por estímulos instantâneos e uma busca incessante por validação externa, faz com que os valores se diluam em práticas consumistas e hedonistas. Porém, essa valorização do efêmero não é um fenômeno novo; ela sempre coexistiu com os valores considerados "elevados", em uma tensão constante. O que mudou, talvez, seja a amplificação proporcionada pelas novas tecnologias e o hiperindividualismo de nossa era.

No fundo, estamos testemunhando uma batalha entre dois grandes polos: de um lado, a busca por uma vida autêntica e menos enredada em ilusões e, de outro, a sedução do superficial. A crítica, portanto, não deve se limitar a apontar uma suposta "perda de valores", mas sim questionar o que, como sociedade, estamos escolhendo valorizar. A superficialidade pode ser reflexo de uma crise de sentido, enquanto a autenticidade emergente sugere que estamos nos aproximando de uma compreensão mais profunda do que significa viver em verdade com nós mesmos e com os outros.

Os valores não estão se perdendo; estão se transformando. E, como sempre, a escolha sobre o que valorizar está nas mãos da sociedade. O desafio que enfrentamos é decidir se vamos continuar alimentando a superficialidade ou se vamos abraçar uma vida que, embora mais complexa, nos conduza a um sentido maior de pertencimento e legitimidade.

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