Pontos de entradas para engajar com a governança de água: como o processo de governança de Água ocorre no dia-dia e os desafios associados
Aqui partilho a minha intervenção na Reunião Temática da União Interpalamentar da CPLP em cabo Verde “Mudanças Climáticas Face aos Desafios Do Desenvolvimento Sustentável”.
Participei no formato online no Painel 2: Os Desafios para a Efetivação dos Direitos Humanos Face às Alterações Climáticas, subtema 1 – A importância da governança da água num contexto de crises naturais
Um olhar prático
Reunião Temática da UIP-CPLP em Cabo Verde sobre Mudanças Climáticas Face aos Desafios do Desenvolvimento Sustentável, organizada conjuntamente pela União Interparlamentar da CPLP e o Parlamento de Cabo Verde.
Distintas senhoras e senhores, caras e caros convidados
Começo por endereçar os meus cumprimentos a todos os presentes e manifestar o meu apreço pelo convite que me foi formulado para tomar parte deste importante evento.
Estou certa de que todos nós aqui presentes reconhecemos e estamos de acordo quanto a importância da governança da água em contexto de crise. Fiquei muito feliz ao ter lido, na segunda linha da carta convite que recebi, que se espera um momento de troca de ideias sobre os desafios práticos enfrentados no que se colocam ao clima. E é sobre isto que irei explanar durante os 15 minutos que me foram atribuídos. Uma vez que a crise climática é tambem a crise da água, irei apresentar algumas ideias, surgidas durante a minha experiência profissional com instituições governamentais e privadas, e sobretudo lançarei um olhar pragmático e empírico sobre o resultado de pesquisas e estudos que efetuei sobre a água.
Quando ouvimos falar sobre governança de água, facilmente a nossa mente é diretamente levada para as políticas de gestão de água, e deixamo-nos levar e envolver de forma profunda com conceitos influentes que promovem uma certa ideologia politica, inspirada em agendas nacionais ou internacionais. Estas agendas estão mais interessadas na parte de como a governança de água deve ser ou parecer do que em entender o que é na verdade, ou como ela ocorre no dia dia (lembro-me dos meus primeiros meses na IHE -Delft quando muitas vezes murmurei comigo mesma, “Ah esta gente é dramática”)
É certo que o termo governança da água ganhou uma rápida popularidade nas últimas décadas. Paralelamente ao aumento da sua utilização no desenvolvimento de documentos políticos, o termo também ganhou espaço nas pesquisas acadêmicas, tanto que até foi criado um jornal específico para publicações como por exemplo o International Journal of Water Governance bem como obras publicadas sobre o tema. Isto indica um amplo reconhecimento de que a questão da água não é apenas um aspeto natural, mas também social.
Assim, o termo governança marca uma mudança das políticas, deixando o foco de estar apenas na parte infraestrutural para tambem contemplar aspetos financeiros e institucionais, a fim de regular e ordenar o fluxo de água.
Gostaria tambem de realçar brevemente que existe uma segunda corrente onde o termo governança de água é muito usado entre economistas e cientistas políticos que dão êmfase à participação dos privados e sociedade civil na governança da água. Estes passam a ser responsáveis por alocar e prestar serviços públicos e o governo deixa de ser provedor para passar a ser regulador. Aqui, o termo governança traz consigo as reformas, incluindo reformas no setor de água. Estas reformas introduzem um novo processo de governação, contemplando a ideologia neoliberal, que se tornou muito atrativa no meio dos políticos e movimentos que puxam para bottom up approach. Aqui posso citar por exemplos o uso de termos accountability, transparency, integrity etc) promovidos e utilizados pelos bancos internacionais de desenvolvimento. Um ponto notável da operacionalização desta agenda de reforma é a criação do mercado para água (water rigths), onde se espera melhorar o uso da água e responder aos problemas relacionados com a degradação ambiental. Dando um exemplo familiar, a transição da SAAS para AdS permitiu criar uma empresa pública comercial. Posso dizer que esta agenda de mercado, ou quasi-mercado tem trazido e fomentado vários debates e pesquisas para se tentar entender qual o verdadeiro papel do Estado em responder as necessidades básicas das populações, e não apenas parte das populações.
Assim, o meu foco é no como a governança da água deve ser, mas de uma forma pragmática, baseada no estudo empírico. Pretendo evidenciar como, na verdade, a governanca de água ocorre no nosso dia-dia. Primeiro, penso que é mister perguntar para quem e com que objectivo político se governa a (água).
Minhas senhoras e meus senhores
Sabendo que muitas políticas de gestão de água estão centrado numa ideologia de mercado, o conceito de equidade e justiça aparecem como um afterthought, que significa “pensamos nisso depois” ou assume-se que isto irá acontecer com sinergias posteriores ou acredita-se que o conceito sustentabilidade irá fazer o seu trabalho.
Assim, o tema da minha conversa gira a volta da distribuição. A partir daqui, foco-me em 3 pontos de entradas importantes para se entender como o processo de governança de água ocorre no dia dia e os desafios associados ao processo de governança da água: distribuição de conhecimento, distribuição de voz e autoridade e distribuição de água e o risco,
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Isto porque entendo que governança de água é essencialmente escolhas políticas, como por exemplo, onde á agua deve fluir; é sobre adoção de normas, regras e leis e como estas políticas afectam as pessoas. È sobre quem é qualificado para decidir sobre, e como estas escolhas apoiam o desenvolvimento da nossa sociedade.
Por isso a distribuição de conhecimento, a distribuição de voz e autoridade e a distribuição de água e o risco servem para ilustrar os desafios de governança de água. Isto, irá permitir-nos pôr no primeiro plano a questão de equidade na governação da água, construir diálogos para pensarmos e analisarmos a água e por último engajar com as políticas de governança de água numa perspetiva prática.
1.Distribuição de conhecimento e expertise
Mas quem tem o conhecimento? Quem é o expert? O que está a ser promovido de forma a responder aos desafios de água?
È incontestável que para governar o que seja, deve -se conhecer. Devido a natureza da água e principalmente a nossa natureza geográfica insular conhecer a água é de extrema importância. Muitas vezes subestimamos o conhecimento ou facilmente tiramos conclusoes sobre algo. Exemplo é o reconhecimento, na agenda global, da importancia da água subterranea espelhado no slogan tornar invisivel, visivel. Isto nao apenas sobre o ponto de vista técnico, mas tambem promover outras formas informais de conhecer a agua subterranea, reconhecer e dar oportunidade ao conhecimento tradicional. Assim, estaremos a aproveitar e a incorporar o conhecimento tradicional nacional no planeamento das açoes.
Na verdade, as pessoas de diversas areas apenas se interessam e participam nas questoes da agua e do clima se tiverem conhecimento ou sentirem que fazem parte. Como estamos a criar esta comunidade de partilha de conhecimento? A pesquisa, a colaboração e a troca de experiência são fundamentais para se criar e fortalecer a participação de varios usuarios da água (agricultores, sociedade civil ligado com os profissionais da área para troca de conhecimento tradicional ou nao documentada com conhecimento formal, documentada (dinamica da intrusao salina, processo e consequência).
Isto é, quando fazemos um zoom a nivel local, como é considerado o conhecimento de um operador de válvula ou de um leitor de contador? Estes fazem parte das tomadas de decisões, queiramos ou nao. Estes agentes influenciam na prática a eficacia de implementação de qualquer plano. Imaginemos que temos uma comissão para a água e saneamento. Quem faz parte disto? Que tipo de conhecimento e agenda política estamos a promover e a implementar para fazer face as questões do clima e da agua? Por exemplo, relativamente ao uso e promoção do conceito resiliencia dentro das operadoras de água, quem deve ser resiliente ? Meu apelo não é apenas para criticar o pensamento de resiliência, mas, em geral, para incentivar a traçar as raízes de conceitos influentes e examinar o que eles ajudam a fazer (e para quem)! ). Sobre o conceito de resiliência, há uma citação polêmica e radical de Kaika, mas sobre a qual vale a pena refletir:
Resiliência… “só atua como imunologia: vacina cidadãos e ambientes para que possam tomar doses maiores de desigualdade e degradação no futuro; ela medeia os efeitos da desigualdade socioambiental global, mas pouco faz para aliviá-la’’ (Kaika, 2017:98).
2. Distribuição de voz e autoridade
À medida que investimos em conhecimento, devemos alargar e incorporar outros agentes a fazer parte da gestao. Assim teremos a voz e autoridade de contestar, participar nos assuntos relacionados com a água e o clima, e consequentemente teremos na mesa soluções mais diversificadas. Um exemplo de ter voz, é a minha participação hoje nesta conversa. Tens voz e autoridade para contestar e participar se tiveres conhecimento, mas nao so, oportunidade e poder para exerce-la e contestar, que varia muitas das vezes consoante a posição social e económica de cada um.
Distribuição de voz e autoridade é principalmente analisar como a voz de um cidadao comum tem o poder de contestar aspectos relacionados com a água e como as responsabilidades e autoridades estao distribuidas na sociedade. Questões como, a quem endereçamos ou quem responsabilizamos em caso da distribuição de água ser injusta, ineficiente e insustentável são levantadas quando se dá voz.
A um nivel mais estrutural, devemos ver com empatia como a adoção de regulamentos e estrutura da lei da água (adotadas de paises mais desenvolvidos) estão a ser operacionalizadas a nivel local, e como isto está a responder a declaração da nossa Constituição da República, que impõe ao Estado, como tarefas fundamentais, a garantia do respeito pelos direitos humanos e o pleno gozo dos direitos fundamentais a todos os cidadãos ( como a água entre outros direitos básicos).
É certo que decisões sobre distribuição de água ocorrem num complexo meio sociopolitico no qual inúmeros actores sociais intervêm, e tentam exercer influência em diferentes graus e niveis. Trago resumidamente, o caso de Santa Cruz, resultado da minha pesquisa de mestrado. Ve-se uma diferenciação de serviços em termos de infrastrutura e de disponibilidade de água de acordo com o tipo de consumidores. Aqui nota-se um alto grau de influência e relações de poderes sociais a intervirem diariamente no fluxo de água (plano de distribuição de agua, arranjos de infraesturturas, práticas diários dos operadores etc). Repara-se numa microesfera de negociações de quem consegue contestar a falta de agua e, com sucesso conseguir a religação, ou quem consegue fazer a mudança de uma rede velha para uma rede nova.
3. Distribuição de água e riscos
O poder (social, político, económico e financeiro) de contestar e participar em diversas instancias ( formal e informal) influência altamente a forma como a distribuição de água é feita, a sua continuidade de acesso e consequentemente os vários riscos associados.
Onde facilmente a água é alocada ou re-alocada? Dependendo de qual modelo de operacionalização da política e de regulamento, facilmente respondemos a esta pergunta. Provavelmente para áreas de agro-negócio, grandes consumidores e zonas com maior poder económico. As zonas rurais dispersas são muitas das vezes consideradas contra produtivas e insustentaveis e se justifica. Então, falta-nos perguntar se o modelo de diferenciação do serviço está a responder os desafios desta fracção da população ou a reproduzir e agravar o stress hídrico? Trazendo um exemplo prático, em Santa Cruz, dependendo das áreas ou assunção da relevância destas áreas, há maior acesso e continuidade de água. Isto porque a tradução de política de comercialização da água protege os objetivos comerciais acima dos objetivos sociais. A operacionalização das políticas de água, regulamentos, intervenção de vários atores, no fim, traduzem-se na prática a governança de água, porque afinal o que caracteriza a governanca de água é a capacidade de distribuir a água de forma justa e segura.
Obrigada pela vossa atenção
Jurist | Compliance Assistant
2 aUm posicionamento que merece muitos aplausos. sucessos! Espero que os governantes tenham interiorizado a mensagem.
Excelente apresentação Helen, parabéns e votos de muitos sucessos.