Por onde andam nossas missões...
Passamos grande parte de nossa existência, ou do que entendemos como ela, perseguindo objetivos ditados por nosso convívio social. Pouco refletimos a respeito do quão relevantes de fato tais objetivos nos são, quando consideramos como vida o que excede o que nossos sentidos mais básicos, como visão ou tato, nos permitem experimentar.
Em sua obra, Richard Bach, nos chama a tal reflexão utilizando como metáfora um bando de gaivotas, o qual se limita a fazer não mais que o estritamente necessário para se alimentar. Em um extremo, os membros desse bando abrem mão de exercitar e desenvolver seu maior dom ou talento - voar - respeitando leis que impedem a busca por liberdade e perfeição.
Como nos é difícil, como gaivotas, sustentar anseios por ir além do que entendemos ser esperado de nós pelos que nos cercam. Por vezes, temos lampejos ou ouvimos vozes misteriosas que parecem nos indicar que há outro caminho mais promissor a ser seguido, mas as intempéries do cotidiano nos fazem rapidamente esquecê-los ou descartá-los e retomamos os hábitos que nos fazem sentirmo-nos vazios e iguais. Acabamos, com isso, satisfazendo os que nos cercam, mas raríssimas vezes a nós mesmos.
A evolução de Fernão, o protagonista do livro, após frustar-se inúmeras vezes em suas tentativas de caminhar segundo a normalidade de sua espécie, nos remete a um caminho de iluminação conquistado por poucos. A experiência por ele vivida transcende a percepção de um único plano, propondo o entendimento da vida como uma passagem cíclica de aprendizado. Em posse desse nível de razão, o desafio de conviver em um grupo com percepções distintas e de valores mais seculares agrava-se, ao passo que a busca por mais conhecimento e novas oportunidades de estudo se intensifica. Daí emergem desconexões com o material, introspecção intelectual e intensificação do espiritual.
Após adquirir a real compreensão do que ocorrera em sua jornada pelo primeiro plano, Fernão descobre que sua evolução para alçar voos mais audazes estava apenas começando e que, para seguir, precisa ouvir quem teve experiências mais profundas. Aceitando Chiang como mentor espiritual, ele passa a compreender que variáveis como tempo e espaço podem limitar movimentos segundo a percepção que temos de corpo, mas nunca o desdobramento do espírito.
É chegada então a hora da lição mais valiosa, doação por amor ao próximo. Um amor pela essência de um ser, indo além do carnal ou do manifestado em reações momentâneas. Mais do que demonstrar esse amor, há também a necessidade de incitar o próximo a também fazê-lo, formando seguidores e criando uma cadeia de transformação que se sustente e dê espaço para reiniciar a missão junto a outros grupos carentes da mesma.
O autor encerra com a demonstração de que o maior empecilho ao aprendizado absoluto e a descoberta de sua missão como simples gaivota, imagem e semelhança de uma Grande Gaivota, é a insistência em acreditar que existem limites corporais e intelectuais.