Por que empresas brasileiras só cometem crimes ambientais?
A tendência é que o país adote cada vez mais as exigências dos organismos internacionais e, com isso, aumente o rol de delitos que podem ser praticados pelas pessoas jurídicas.
Em artigo publicado recentemente aqui no Jornal Opção, escrevi que, no Brasil, as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas penalmente somente por crimes ambientais. Por essa razão, as empresas não respondem por eventuais delitos como lavagem de dinheiro e corrupção, ainda que tenham sido utilizadas como instrumento para praticá-los.
Em diversos países de primeiro – e até terceiro – mundo, o leque de crimes que podem ser cometidos pelas empresas é muito mais extenso. O fato é que, a partir da década de 1990, os diplomas internacionais passaram a estabelecer a obrigatoriedade de a legislação dos integrantes prever sanções às pessoas jurídicas. Podem ser citadas, por exemplo, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, tão almejada pelo Brasil), Organização dos Estados Americanos (OEA) e, de modo geral, as Nações Unidas.
Na União Europeia, o Protocolo nº 2 da Convenção para a Proteção dos Interesses Financeiros, de 19/7/1997, ao tentar harmonizar as leis dos países europeus sobre a matéria, declara a necessidade de sancionar conjuntamente pessoas físicas e sociedades. Hoje, pode-se afirmar que todos as nações membros da UE responsabilizam criminalmente as pessoas jurídicas.
Além disso, é importante mencionar duas importantíssimas normas internacionais, a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), dos Estados Unidos, e o Bribery Act, do Reino Unido. Ambos possuem caráter extraterritorial, ou seja, os atos de suborno e corrupção das empresas são observados até mesmo quando praticados em outros países. A título de exemplo, caso o diretor de uma empresa norte-americana pratique corrupção perante as autoridades brasileiras, ela também será responsabilizada e punida nos termos da FCPA.
Quanto ao rol de infrações que podem ser praticados por empresas, há países que permitem a sua incriminação por quaisquer das infrações previstas na legislação. Sendo assim, todo crime que pode ser cometido por pessoas físicas poderá, igualmente, ser praticado por pessoas jurídicas. Dentre tais países, incluem-se França, Alemanha, Holanda e Bélgica.
Por outro lado, há países que permitem a incriminação das pessoas jurídicas apenas em determinados crimes, havendo maior incidência dos delitos de corrupção e lavagem de dinheiro. São os casos de Espanha, Itália, Portugal, Reino Unido, Chile e Argentina.
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No Brasil, seguindo essa tendência internacional, o Projeto de Lei nº 236/2012, que visa reformar o Código Penal, estabelece em seu artigo 41 que “as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente […]”.
Se aprovado, o número de crimes potencialmente praticados pelas empresas aumentará drasticamente. É provável que necessite, ainda, de uma Emenda Constitucional, diante da ausência de previsão de responsabilização de pessoas jurídicas pelos crimes contra a administração pública. Isso, porém, não será empecilho, tendo em vista que prevalece o entendimento de que não se trata de cláusula pétrea (aqueles trechos da Constituição Federal que não podem ser mudados).
Como se vê, há um grande movimento internacional para aumentar a responsabilização penal das pessoas jurídicas. Essa tendência, sem quaisquer dúvidas, aterrizará por aqui, mais cedo ou mais tarde.
Utilizando-me do ditado popular de que “quem avisa amigo é”, deixo este prognóstico para que os empresários possam ir se adiantando e, cada vez mais, preparando-se para o inevitável futuro de leis mais rigorosas quanto às práticas de corrupção, lavagem de dinheiro e crimes financeiros. Quem avisa sobre o sistema de compliance (conformidade com as normas), consultor jurídico amigo é.
*Thiago Costa dos Santos, mestre em Direito Constitucional, integra o escritório Demóstenes Torres Advogados, nas bancas de Compliance e Direito Criminal.
Artigo de opinião originalmente publicado no Site do Jornal Opção em 04/09/2023.