Por que a Selic alta não está surtindo o efeito esperado contra a inflação?

Por que a Selic alta não está surtindo o efeito esperado contra a inflação?

Política monetária é a principal ferramenta a disposição dos formuladores econômicos de um país, sua utilização tem como principal elemento a taxa de juros básica da economia, que, no caso brasileiro é a Selic. Taxa de juros alta tira o crédito da economia, desencorajando os indivíduos a tomarem empréstimos pois estes se tornam mais caros, estimulando-os a poupar ao invés de gastar, o que diminui o consumo num primeiro instante. A indústria, percebendo a redução do consumo e o crédito mais caro, investe menos na produção, reduzindo-a, por consequência menor será o incentivo das empresas em contratar novos funcionários e aumentar os salários. O não aumento do nível dos salários reduz, por sua vez, o poder de compra do indivíduo, gerando assim, um ciclo de esfriamento da economia. E é por meio dessa relação básica que se tradicionalmente controla o nível inflacionário de uma economia.

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Isto posto, em cenários onde a inflação esta acima da meta como se observa atualmente, o aumento da taxa básica de juros (Selic) tem o efeito de reduzir o aumento dos preços, porém, assim como teorizou Philips em 1958, acerca do trade-off entre inflação e desemprego, uma redução da inflação tende a elevar o desemprego. Dessa forma, os formuladores de políticas econômicas tem a difícil tarefa de calibrar o aumento dos juros de forma a minimizar seus efeitos negativos.

Você deve estar se perguntando: e no caso brasileiro, por que então a Selic não está reduzindo a inflação mas está afetando a retomada do emprego e dificultando a produção?

Para responder a esse questionamento precisamos antes entender os fatores que contribuem para a formação geral de preços:

  • A inflação é mundial: com o emprego de politicas monetárias e fiscais expansionistas de vários países, em especial os EUA (ver agregado monetário em circulação, M1), em resposta à crise pandêmica, inclusive no brasil, observou-se um aumento do poder de poupança e de consumo das famílias, as quais passaram a almejar mais produtos e serviços, num momento aliás, onde a indústria mundial estava em desaceleração, não estando preparada para atender tamanha demanda. Dessa forma, a cadeia de produção global sofreu um choque de demanda, inflacionando praticamente todos seus setores. Foi com base nessa análise que os bancos centrais ao redor do mundo adotaram o discurso de que a inflação era transitória pois se acreditava que no momento que a produção global estabilizasse sua atividade, haveria um equilíbrio entre oferta e demanda, estabilizando os preços. Mais adiante veremos o motivo dessa tese estar, no mínimo, incompleta;

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  • Guerra Rússia x ucrânia: Além da Rússia ser o principal produtor mundial de fertilizantes, a ucrânia é um dos maiores produtores de grãos, em especial trigo, que, com a produção completamente paralisada e destruída, teve seu preço aumentado explosivamente, o que também aconteceu, porém em menor proporção, com os preços dos fertilizantes. Estes dois insumos tem muita relevância para o brasil visto que este é essencialmente produtor de commodities alimentícias. Ademais, o preço do petróleo também atingiu novas máximas: a explicação para isso consiste em inúmeros fatores complexos, mas em resumo a mudança para economia verde, sustentável e menos agressiva à natureza exigiu a mudança das políticas relacionadas a geração de energia elétrica, especialmente nos EUA e Europa, onde esta última ainda possui muita dependência na geração nuclear e gás natural. Soma-se a isso, com o conflito, a Rússia optou por restringir seu fornecimento de gás natural à Europa, gerando uma maior busca por petróleo, elevando consideravelmente seu preço, além do mais, a retomada brusca da produção industrial mundial gerou uma demanda por petróleo gigantesca, a qual não pode ser absorvida devido a lenta extração e refino do mesmo.

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  • Dólar: com a pressão inflacionaria nos EUA, o banco central americano se viu forçado a aumentar seus juros, em virtude disso os agentes econômicos enxergam agora o mercado financeiro como mais arriscado, isto pois um juros mais alto dificulta o ambiente empresarial, especialmente à empresas de tecnologias. Ademais, com os rendimentos dos títulos públicos maiores, os investidores acabam retirando seus recursos de ativos de mais risco e os aplicam no financiamento estatal por este ser mais seguro. No caso americano, seus títulos são tidos como os mais seguros do mundo, e, em momentos de risco como o atual, os agentes compram dólar para investir nesses papeis, fator que eleva a cotação do dólar perante a outras moedas mundiais, especialmente como o real brasileiro (ver a desvalorização do real no gráfico abaixo), o qual tem ainda a desvantagem de ser de um país volátil.

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  • Política fiscal brasileira: apesar da autoridade monetária brasileira adotar um regime de forte contração do crédito, a política fiscal está sendo, ainda, expansionista, ou seja, o estado está com suas contas negativas, gastando mais do que é capaz de arrecadar. Esse montante criado pelo tesouro nacional age como uma linha mais lenta na expansão de crédito, aquecendo a economia. Apesar do estado ter reduzido seu déficit primário (antes do pagamento de juros sobre a dívida pública) significativamente após a atenuação da pandemia, ainda é visto uma estimulação da atividade econômica especialmente pelos bancos de desenvolvimento, Caixa econômica e Banco do Brasil. Especificamente há duas grandes frentes de créditos subsidiados atuando no momento, a primeira e mais tradicional é a fomentação via crédito do setor agrícola brasileiro com o objetivo de estimular a produção de alimentos com o intuito de se reduzir a pressão inflacionária. A segunda frente é o subsídio do crédito ao setor empresarial de pequeno porte, com o desígnio de evitar a falência do pequeno e médio empresariado. Se por um lado o banco central entra com uma forte contração monetária, o tesouro nacional entra com um massivo plano de estimulação econômica de emergência, um arranjo que pode ser entendido como contraditório, pois as medidas monetárias (mais rápidas e eficientes) acabam perdendo eficácia pela ação da política fiscal, necessitando que o aumento dos juros seja ainda mais severo. Entretanto, é interessante manter a saúde econômica tanto do pequeno empresariado como uma maior oferta de alimentos, a questão é mensurar os benefícios, malefícios e as distorções causadas pelos subsídios e pelas contas públicas deficitárias.

Entendida a conjuntura dos fatores, o banco central brasileiro se sustenta na tese de conter a escalada de tendência de valorização do dólar, isto pois como o brasil é um país exportador de commodities, especialmente alimentícias, com um dólar mais alto os produtores brasileiros optariam por exportarem sua produção ao invés de vender no mercado interno, dessa forma, com a demanda constante (principalmente por alimentos), mas com a oferta reduzida, os preços tendem a subir, contribuindo para uma inflação mais pesada. Já com o dólar contido, os produtores ainda possuem incentivos para vender seus produtos no mercado interno, segurando o preço dos alimentos, item mais relevante para o principal indicador de preços brasileiro, o IPCA. Por outro lado, o Brasil se encontra numa realidade muito distante do pleno emprego, isto é, tem sido um desafio criar novas vagas de trabalho, e segundo a curva de Philips, com o aumento da Selic não se espera uma grande melhora nesse quadro, visto que as medidas fiscais focam na produção de alimentos e para pequenas e medias empresas, as quais tem pouca capacidade de absorver o mercado de trabalho.

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