Porquê os alemães estão conseguindo suportar o isolamento e essa crise mundial com um pouco mais de folego... e o que podemos aprender com eles?
Não, essa não é uma análise profundamente científica. Contudo, me ative a um método que levou em consideração materiais fundamentados em pesquisas e análises de ordem econômica e social, além de minha própria experiência pessoal e familiar.
Mundialmente, alguns rótulos são atribuídos aos alemães, como os mais bebedores de cerveja no mundo (Não são. A República Checa já ocupa este posto faz muito tempo). Embora alguns não acreditem, a Alemanha também não é um dos países mais felizes do mundo, não está nem entre os 10 primeiros e não tem o melhor futebol.
Entretanto, existe um rótulo ao qual a sociedade alemã, em uma grande porcentagem, é perfeitamente aderente: uma das sociedades mais poupadoras no mundo!
O quê muitos no mundo ignoram é que existem alguns fatores históricos que precisam ser contabilizados, para entender que esse rótulo é verdadeiro e porquê é verdadeiro. Vejamos:
- Guerras entre 750 a 1200: os territórios que hoje formam o quê conhecemos como Alemanha vivenciaram nesse período uma sequência quase contínua de conflitos locais, regionais e até mesmo supra territoriais, que tinham como maiores consequências doenças e fome.
- A grande fome (1315 a 1317), potencializada por um longo período ruim no norte da Europa, entre 1310 a 1330, com longos invernos e verões frios e chuvosos.
- A peste (1343 a 1353).
- Entre 1500 e 1600, guerras religiosas, guerra dos camponeses.
- Entre 1600 a 1800, tanto guerras internas como externas ofereceram (de acordo com historiadores europeus) não mais do que 40 anos de prosperidade, restando assim 160 anos de conflitos e problemas sociais!
- Entre 1800 a 1900, a região foi fortemente atingida por outros tantos conflitos, de menor ou maior impacto, como a guerra da França contra o Sacro Império Romano, os combates pela libertação de Napoleão, a guerra dos Ducados do Elba, a guerra Austro-Prussiana, seguida pela guerra Franco-Prussiana, que deram início a era de Bismarck, que talvez tenha tido o primeiro grande período na história da Alemanha com algo que poderíamos chamar de "paz", mesmo que uma paz à moda alemã.
E, de 1900 em diante, bom... essa parte da história é mais conhecida por todos. Talvez o maior período de paz no território alemão ocorreu na era de Bismarck e só foi superado anos depois com um período pós guerra fria. Afinal, não podemos esquecer que no pós guerra de 1945, a Alemanha como nação existiu apenas artificialmente, tendo sido dividida em duas partes e esteve por vários anos no centro dos embates entre duas formas antagônicas de ver o mundo, e esse antagonismo só terminou em 1989 e selado definitivamente com a reunificação da Alemanha em 3 de outubro de 1990.
Meu Opa dizia: "até que existe um pouco de paz no meio do caos que é a história do povo alemão!". Neste cenário desenhado na história, um fator em particular é comum a toda a sociedade alemã, desde que se registra com detalhes a sua história: A fome!
A fome permeou o desenho de sociedade alemã que temos na atualidade. A fome moldou como pensamos, como guardamos comida, como aproveitamos as roupas, como cuidamos dos sapatos, como plantamos, como colhemos, como comemos... e como poupamos. Eu poderia ilustrar com uma infinidade de ditos populares, passados de geração em geração, como a sociedade alemã foi moldada, mas como o elemento principal que fez o alemão ser como é trata-se da fome, um ditado que eu escutava, sempre que tentava deixar um pouquinho de comida no prato, talvez ilustre um pouco a forma de pensar do alemão:"Die Deutschen essen alles auf = Os alemães comem tudo" ou "Os alemães raspam o prato", que é o sentido final do dito popular.
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Além de todo esse impacto, a imagem mais bem difundida no mundo é que o alemão é poupador, tem mania de poupar... ou como os brasileiros dizem: o alemão é pão duro, embora "pão duro" não seja o título mais adequado, convenhamos.
Se existe algo que realmente é "Typisch Deutsch = típico alemão" é poupar. E no campo financeiro isso se reflete de forma latente. Conforme pesquisas de Setembro de 2019, uma média de 82% da sociedade alemã poupa. Do professor ao aluno, do policial ao político, da babá ao CEO e até mesmo o desempregado, que recebe auxílio do Governo. Mesmo o desempregado na Alemanha poupa. Mas porquê os alemães poupam? Os motivos históricos estão tão solidificados que, em alguns casos, uma parcela da sociedade poupa e nem sabe ao certo porquê.
Pesquisas feitas pelo PostBank, com jovens entre 13 e 25 anos, aponta que 85% poupavam alguma quantia, todo mês, e esse resultado já refletia um aumento, considerando que a mesma pesquisa feita em 2017 registrava que na mesma faixa de idade, 81% poupavam. Nessa faixa de idade, a pesquisa apontava que a economia feita não reflete valores altos, mas sim um costume contínuo, com foco principalmente para a carteira de motorista, para o primeiro carro ou para os estudos. Com o passar dos anos, o costume de poupar normalmente muda o alvo, tendo uma parcela para aposentadoria, para compra de uma casa, e até mesmo uma porcentagem por vezes significativa, que varia entre 10% a 14%, que poupa e "nem sabe ao certo dizer porquê".
Obs.: o PostBank disponibiliza publicamente suas pesquisas, mostrando como pensa o alemão, quando o assunto é poupar.
Entre os empresários, os índices são muito mais agressivos, por assim dizer: Apenas 1 a cada 10 disse não possuir valores para garantir o funcionamento de seus negócios, com todos os custos envolvidos, por ao menos 6 meses. Em alguns casos, alguns empresários garantiam ter economias para suas empresas que permitiriam seus funcionamentos por até 10 meses. Esses dados remontam pesquisas entre 2015 a 2019.
Vejam: O alemão é poupador não é porquê ele tem planos consumistas, para usar na Black Friday ou para fazer filas de madrugada na frente de lojas, para comprar uma SmarTV gigante. Ele poupa de forma quase instintiva, pois ele sabe que "Wer weiß, wann es nötig sein wird? = Sabe lá quando será necessário?".
E agora, 2020, com o Coronavírus?
Se a sociedade alemã já poupava, agora mais ainda. Se antes muitas atividades e interesses de compra já eram cortados da lista dos alemães, agora mais ainda, refletindo um aumento significativo, mesmo quando comparado com os índices de 2019. Na verdade, as taxas de poupança são as maiores, desde 1992. Instituições financeiras como o N26 e o DZBank afirmam que cerca de 63% de seus clientes possuem em conta mais dinheiro do que em meses anteriores ao surgimento da pandemia, além de terem feito aplicações maiores em suas poupanças ou fundos de investimento.
Que lição podemos tirar? As mesmas que meus avós ensinavam aos netos, e que eles aprenderam dos avós deles:
Afinal, nunca se sabe quando precisaremos enfrentar uma guerra, uma crise econômica, políticos despreparados e políticas públicas ineficientes ou, infelizmente, um vírus.
Se você chegou até o final desse texto, deve estar pensando? Quem é esse cara para falar desse assunto? Economista, pesquisador financeiro, banqueiro, investidor angel? Não.
Apenas um pão duro! ;-)
Especialista em Manufatura Digital - Indústria 4.0 | SAP PP S/4HANA | PSPO™ | Black Belt™4.0
3 aCongratulations Herr David. Como era de se esperar, mais um excelente texto para nossa reflexão! O Brasil é um pais muito jovem e tem muito a aprender com as nações que tem maior bagagem na história e creio que, apesar de sermos prósperos em muitos sentidos, teremos que em algum momento aprender a poupar, seja para prosperara, seja para dividir com os mais necessitados.
Full Stack Software Engineer | React | NodeJs | NextJs | ExpressJs | TypeScript | JavaScript | AWS | PostgreSql | Jest
4 aExcelente texto, muito bom para refletir o porque das diferenças. A sociedade alemã aprendeu ao longo da história com seus erros, acertos e dificuldades, espero que a sociedade brasileira aprenda também. Parabéns.
Dr Métodos Numéricos em Engenharia | Especialista em Data Science e Big Data | Eng de Computação | Conselheiro Municipal | Professor Universitário
4 aParabéns pelo artigo, uma ótima leitura.