Portos sustentáveis: bons para as comunidades, bons para os negócios

Portos sustentáveis: bons para as comunidades, bons para os negócios

O desenvolvimento dos portos passa cada vez mais por ações sustentáveis, buscando tanto a redução dos impactos ambientais de suas atividades como o crescimento social da comunidade ao seu redor e, claro, bons resultados econômicos. É um caminho irreversível e que pode até representar mais gastos de imediato. Mas, a longo prazo, garante ações de custo bem menor. A análise é do diretor de Monitoramento Ambiental do Porto de Roterdã, nos Países Baixos, Tiedo Vellinga. Engenheiro civil, pesquisador e professor universitário, ele se tornou um dos principais estudiosos de sustentabilidade portuária. Em Roterdã, foi o responsável por supervisionar o planejamento ambiental da construção da nova área de expansão do porto, o Maasvlakte 2, que envolveu o aterro de um trecho da costa do país. Também se destaca por ter sido um dos autores do modelo de desenvolvimento Working with Nature (Trabalhando com a Natureza), defendendo que o meio ambiente tem muito a ensinar ao homem em relação a obras portuárias. Esses foram alguns dos tópicos abordados por Vellinga na entrevista exclusiva dada durante recente passagem pelo Brasil. Confira a seguir. 

Quer por pressão popular, quer por força da legislação de cada país, cada vez mais os portos desenvolvem políticas de gestão ambiental. Como o sr. analisa essas ações hoje? Essa consciência existe no setor como um todo ou ela se destaca apenas em casos pontuais, como Roterdã, Los Angeles e Long Beach? 

A cada dia, mais e mais portos adotam essa visão porque eles estão sob pressão. E eles são pressionados pois, como em Santos, há grandes problemas entre as áreas urbanas e o Porto, envolvendo a qualidade do ar, contaminação, a perda de áreas verdes. Então tem de haver pressão. Se não houver pressão, muito pouco ocorre. Eu estive na África, em Gana, e lá não havia tanta pressão, mas mesmo as pessoas tinham a consciência de que era preciso mudar, pois tanto estava se perdendo. Eles estavam perdendo as praias, as áreas para pesca, a água estava contaminada, eles não podiam nadar no oceano, havia congestionamentos nas estradas, e áreas ambientais estavam sendo perdidas. Então as pessoas perceberam que tinham de mudar. E o mesmo ocorreu em Los Angeles, Long Beach, Roterdã, Antuérpia. Pela pressão do passado, eles tiveram de mudar. Mudaram e perceberam que essa mudança possibilitou uma forma de trabalho bem melhor. 

Só há mudança por pressão?

Normalmente, você vai precisar de pressão. Seria muito inteligente se você pudesse pensar bem à frente. Com esses portos, eles aprenderam fazendo. No começo, em Roterdã, nós nos perguntávamos por que estávamos fazendo isso, se era apenas para reduzir o risco de ter problemas com a comunidade local. Mas percebemos que essa era uma forma de operar bem melhor. É por isso que chamamos de crescimento verde. Um porto verde é bom para a comunidade a seu redor e bem melhor para os negócios. É inspirador para os clientes, é inspirador para os usuários e você valoriza a comunidade local. Para ter uma política ambiental, os portos devem sofrer pressão ou ter uma boa visão de futuro. Mas tradicionalmente portos não costumam ter uma visão de longo prazo. 

Que portos o sr. cita como exemplo de sustentabilidade?

Los Angeles e Long Beach, com o programa de Ar Limpo, que também envolve outras ações além de cuidar da qualidade do ar; Você ainda tem Roterdã e também Gotemburgo (Suécia),que foi um dos primeiros a ir nessa direção, na Europa. Eu acho que, agora, mais portos começam a tomar ação. Cada vez mais portos europeus adotam planos de gestão ambiental. Podemos dizer que, na Europa, os portos do Mediterrâneo estão um pouco atrás do que os portos do Norte. Os do meio, estão bem. Mas os do Sul são os piores. 

Em recente entrevista, o executivo-chefe de Sustentabilidade do Porto de Los Angeles, Chris Cannon, disse que “ser verde é bom para os negócios. Quando você atua de forma sustentável, você é mais eficiente, amplia suas operações e reduz seus custos”. O sr. concorda?

Sim. Este é um dos tópicos principais em meu discurso de apresentação como professor universitário. As pessoas sempre querem provas, especialmente provas econômicas de que os negócios se desenvolvem dessa forma. E isso é o que penso. Eu vejo isso acontecer no Porto de Roterdã. Mas tem mais em jogo do que dinheiro. Você se torna um porto atrativo devido a esses fatores. E, ao mesmo tempo, educa seus clientes e usuários. Por isso, há descontos em tarifas para navios “limpos”. Isso é abrir mão de recursos, mas fará um futuro melhor. 

Qual sua análise sobre as políticas sustentáveis nos portos brasileiros? E Santos?

Atualmente, em relação à sustentabilidade, os portos do Brasil lidam com vários problemas, como congestionamentos e contaminações de sedimentos de dragagem. São questões para as quais eles ainda não têm respostas. Aliás, sobre isso, o melhor é adotar um plano estratégico de longo prazo, para tratar das questões que eles não gostam de tratar, como os conflitos entre Porto e Cidade e as questões de contaminação, de limpeza dessas áreas. Você pode definir as áreas a serem recuperadas em um plano de longo prazo. 

Os problemas que o sr. citou são enfrentados apenas no Brasil ou comuns aos portos de países em desenvolvimento? 

Sim, são comuns e não só nos países em desenvolvimento. Eles também estão ou já estiveram nos já desenvolvidos. Nós, por exemplo, tivemos esses problemas nos anos 60, 70. E veio uma pressão e realizamos uma enorme operação de limpeza, adotamos regulações restritas sobre emissões tanto na água como no solo. Agora, todo mundo vê com normalidade essa postura ambiental restrita nos Países Baixos, mas há 40 anos, não era usual. Nós passamos por isso e tivemos vitórias e derrotas. As regulações adotadas eram restritivas e dificultavam as limpezas, pois elevaram seus custos. Nesse caso, você precisa de pragmatismo. Você precisa ser ambicioso, mas tem de ser pragmático. Não se consegue tornar seu porto completamente limpo em uma década, mas em décadas. Por isso, é importante fazer planejamentos de longo prazo. E foi isso que fizemos. Agora está tudo normal. As pessoas tendem a esquecer como eram as coisas. O que eu vejo aqui é como as coisas eram na Europa, ao menos, em Roterdã, nos anos 60.

O Porto de Roterdã é bem integrado com sua comunidade. Há trechos do canal de navegação reservados para esportes náuticos e áreas às margens para atividades de lazer. Como essa relação entre Porto e Cidade chegou nesse estágio?

Foi uma evolução natural. No passado, nós permitimos às pessoas virem ao porto e percebemos que elas gostaram. E isso não prejudicou nossas atividades. Então pensamos: temos de estruturar isso e organizar. E assim, com mais controle, as pessoas continuaram vindo. Percebemos que, ao criar isso para a sociedade, ela nos aceita melhor. E agora, isso se tornou um dos valores do Porto. Quando desenvolvemos uma nova estrutura de negócios no Porto, verificamos nossos valores corporativos. É claro que o primeiro deles é que o projeto seja uma atividade econômica positiva e ajude a boa imagem do porto, mas nós também queremos manter e contribuir com ar limpo, a biodiversidade, o fornecimento de energias renováveis e fornecer opções de recreação. Estes critérios integram uma visão que Roterdã desenvolveu.

Que visão?

Ela começa com a relação do Porto de Roterdã com a natureza. Você planeja seus empreendimentos de acordo com a natureza e isso significa que o processo de planejamento muda um pouco. Você tem muito mais foco na locação de seu porto ou terminal, que é uma decisão estratégica, pois você vai verificar os efeitos na natureza, na morfologia da costa, nas correntes. A natureza se torna um dos principais fatores. E nesse processo, você deve incluir todos os agentes, como pescadores e ecologistas, pois eles realmente sabem da natureza, que lugar é mais valioso e aquele que não é. Deve-se ter consciência de que, ao expandir um porto ou construir um terminal, você acaba interferindo em processos naturais. E não estou dizendo para não interferir. Construir um porto é basicamente impactar a natureza. Mas se você ampliar o escopo do projeto e olhá-lo como parte de uma região, é possível construí-lo e ainda ter um impacto ambiental nulo. Isso ocorre se você desenvolver novos espaços naturais, compensando os que foram perdidos. Você tem seu empreendimento portuário, mas deve considerar todos os efeitos dele.

No início da década, em sua atuação junto à Associação Mundial de Infraestrutura do Transporte Aquaviário (Pianc), o sr. participou da equipe que desenvolveu a filosofia do Working with Nature (Trabalhando com a Natureza). Aliás, o sr. é um dos pais fundadores desse modelo. Essa visão de valorização da natureza do Porto de Roterdã é um reflexo do Working with Nature?

O Working with Nature prevê que você deve observar bem a natureza antes de um projeto e, tradicionalmente, é possível aproveitá-la para a própria implantação do empreendimento, sem alterá-la muito. Nos Países Baixos, nós interferimos na natureza, pois queríamos nos proteger das inundações. E percebemos que, no longo prazo, é bem melhor para a natureza e para a economia fazer diferente, de acordo com a natureza. Agora, ensinamos nossos estudantes a pensar diferente, a perceber a natureza, a conectividade, a proteger a costa, mas você deve fazer com respeito ao rio. Em um recente caso, na Europa, engenheiros queriam alterar o curso de um rio, queriam mudar o rio, alterar suas correntes, para que ele pudesse receber os navios programados. Para mim, deve-se fazer o contrário. É melhor adaptar os navios, mantendo o rio tão natural quanto possível. Pode parecer uma solução difícil, mas ela se torna possível se considerarmos os avanços tecnológicos. Hoje temos tecnologia para facilitar a navegação e, assim, você não precisará mudar o rio.

E os custos envolvidos?

É bem mais barato e você não arruína a natureza. Se você pesquisar, você encontrará na literatura que 80% dos rios da Europa foram drasticamente arruinados por tudo o que fizeram em seus cursos. Somente agora as pessoas percebem os efeitos negativos disso e para corrigi-los, o custo é alto. Usamos esse modelo nos Países Baixos. Para proteger nossa costa do aumento do nível do mar, o optou-se por fornecer areia para nossas praias. Foi mais barato do que fazer grandes obras de proteção, que afetariam as correntes locais. Nesse caso, colocamos 20 vezes o volume de areia necessário em um ponto da costa e, com o tempo, as correntes vão levando-a para onde é necessário, acabando com o processo de erosão. Dessa forma, você não arruína tanto a natureza e ela ainda te ajuda a levar a areia até onde é preciso. Foi uma solução bem inteligente e que casa com os valores do porto. Veja, que nós então utilizamos o Working with Nature e buscamos desenvolver o porto junto com a comunidade, ouvindo-a. Isso é cocriação e integração. Você não apenas vê o valor econômico do porto, mas seus valores sociais e ambientais.

O sr. destaca a importância tanto do viés econômico como do social e do ambiental, que são os três pilares da sustentabilidade. Os portos, então, têm de adotar modelos sustentáveis.

Sim. Para o setor se desenvolver bem, você tem de ter um trabalho com base ambiental, a cocriação, integrado com a comunidade e garantindo lucro.

O sr. costuma defender que o material dragado não deveria ser lançado fora da área do porto, mas ficar na região e ser reaproveitado. Por quê?

Muitos governos ainda acreditam que os sedimentos dragados são um resíduo e, como tal, têm de ser descartados em um local bem distante no oceano, de modo a não retornar. Mas isso é um desperdício, pois os sedimentos dragados são um recurso. Você pode usá-los no porto, para regenerar suas margens ou reutilizar a areia, o silte, no solo. Quando você fala em trabalhar com a natureza, você tem de pensar para onde iria esse sedimento quando é levado pelas correntes e onde ele pode ser útil, em construções ou barreiras contra grandes tempestades.

Aproveitando o tema, essas grandes tempestades devem se tornar cada vez mais frequentes com o aumento do nível do mar. Preparar-se para este problema é o próximo desafio dos portos?

Não é apenas para os portos, mas para os gestores costeiros, que são os responsáveis pela proteção dos moradores das regiões que podem ser inundadas. É um evento extremo, mas que não acontecem com frequência. O aumento do nível do mar é um processo lento. Não é algo que você tenha de fazer para amanhã, mas você tem de saber que é algo a ser feito. Se nada for feito e o aumento do nível do mar ocorrer mais rápido do que você espera, então você terá problemas.

Em suas apresentações, o sr. defende que os portos devem ter planos adaptáveis. O que são esses planos?

Hoje, quando construímos um terminal para um cliente (operador), o fazemos para movimentar suas cargas. Mas percebemos que essa não é uma atitude inteligente. O futuro é muito incerto e a gente deve tentar se preparar para vários cenários. Em um porto, isso significa que você deve preparar seus terrenos, seus terminais para diferentes clientes, demandas e necessidades. Atualmente, nosso plano diretor é muito detalhado. Há os espaços para granéis sólidos, os dos líquidos, os do contêineres, os do roro, os da carga geral. Agora, pensamos em um plano mais adaptável no segmento de cargas. Temos de ter uma infraestrutura mais flexível, que possa atender os vários tipos de carga. Ela terá de ser mais robusta e isso talvez vai até custar mais, mas no final, esse investimento vai custar menos, muito menos. Hoje, você constrói um terminal especializado e, quando seu cliente sai, o mesmo terminal não pode atender outras demandas.

Mas já há essa rotatividade de operadores?

Sim. Já é assim atualmente. E percebemos isso da maneira mais difícil. Há 20 anos, construímos no Porto de Roterdã uma infraestrutura bem especializada, com cada instalação para uma operação específica. E agora vimos alguns clientes perderem seu negócio, quebraram. E ficamos com uma infraestrutura especializada que não podemos oferecer a outros clientes. 

Em vários momentos dessa entrevista, o sr, destacou a importância da utilização de novas tecnologias e a importância de pesquisas nos portos. A Autoridade Portuária de Roterdã mantém parcerias conta duas das mais importantes universidades do setor, a Erasmus e a Tecnológica de Delft (cidade vizinha à Roterdã). Qual a importância dessa parceria com as universidades para o porto?

Hoje, os principais portos do mundo não são os maiores ou os mais profundos, mas os mais inteligentes, que buscam inovações constantemente. Então as universidades são ótimas parceiras nisso. Os estudantes e suas universidades têm acessos a novas tecnologias e conseguem fazer conexões com várias fontes (de conhecimento). É uma iniciativa educacional e voltada ao desenvolvimento do porto. Mas ainda temos um outro motivo para isso. Nós estamos preparando nossa futura força de trabalho. Assim, temos uma fonte de inovação, com acesso às novas tecnologias, e garantimos que os estudantes tenham acesso às mais recentes práticas portuárias. Tudo está interconectado. Nós preparamos nossos futuros profissionais e eles nos mostram hoje como será o futuro.

(Entrevista publicada originalmente no jornal A Tribuna,  em 10 de janeiro de 2016)

Carlos Henrique Prol

Corretor de Imóveis | Administrador de Imóveis | Avaliador de imóveis | Fotógrafo

8 a

Parabéns pala matéria, muito boa mesmo.

André Ursini

A Wordcom Brasil é uma plataforma de negócios, reunido sob uma mesma organização com estratégia corporativa única, ancorados em suas competências essenciais

8 a

Parabéns pela matéria. Pela sua experiência, você tem uma visão de porto que merece ser ouvida e respeitada. Ótimo trabalho.

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