Precisamos falar sobre personalidade nos Agentes Virtuais

Precisamos falar sobre personalidade nos Agentes Virtuais

Enquanto o tempo em que os robôs irão reproduzir fielmente processos neurais somados à memória, emoção e percepção não chega, teremos que conduzir e treinar eles para serem como nós. É possível sim criar a ilusão de personalidades para robôs.

Quando se pensa na criação de uma persona para um Agente Virtual, o designer além de refletir sobre qual tipo de característica essa persona precisa ter; seus atributos “físicos” ou traços observáveis, como ser alto, baixo, gordo, magro, negro, pardo, enfim, a semiologia do avatar que sustentará essa persona, é preciso entender que há outras características além da visual que também compõem os atributos de um robô / assistente (ou agente) virtual.

Abordarei de início três conceitos básicos a serem levados em conta na hora de criar um agente virtual. São eles: Personalidade, Estereótipo e Identidade.

Falar sobre personalidade de uma pessoa real é falar, em parte, sobre seus traços psicológicos, aqueles que determinam ações, pensamentos e até o modo de se relacionar em sociedade. Mas quando se trata de um robô e, indo mais além, no mundo de aplicações por voz, onde esse robô se faz presente apenas por ondas sonoras, posso afirmar ser um pouco mais complexo determinar o que é ou não personalidade, mesmo quando o designer tem liberdade para desenhar o fluxo conversacional sem os cortes e opiniões dos clientes, a quem os robôs devem servir.  

Mas por que falar/pensar sobre estereótipos ao construir uma persona?

Quando se trata de estereótipos, pensamos se tratar da “imagem” moral e preconcebida sobre determinada pessoa ou grupo. No entanto, em uma ligação, quando o único sentido para captar e atribuir estereótipo a uma voz é a audição, um sotaque pode trazer consigo tanto prestígio quanto estigmas.

Já identidade diz respeito a nossa própria visão sobre quem somos, os recortes e referências que escolhemos usar para espelhar nossos valores como indivíduos... Um robô, nesse aspecto, é refém das fantasias do que depositamos nele com nossas interpretações.

“Olá, eu sou o Leo, agente virtual, fique tranquilo”.

É no momento da apresentação que o Agente Virtual deixará sua primeira impressão, ou seja, deixará pistas sobre sua personalidade e em poucos segundos fará com que o usuário, além de atribuir rótulos a partir de suas ações, crie expectativas sobre o tipo de “pessoa” que esse agente é.

No geral o tempo é muito curto para que o Agente Virtual “venda seu peixe”, desarmando logo na apresentação quem o escuta, e que precisa ser cativado logo de início. É também essencial que esse ouvinte tenha confiança e deposite credibilidade no atendimento do robô. No entanto, a estratégia de negócio do cliente precisa ajudar, pois só assim elevará o sentimento de verossimilhança do fluxo conversacional. O produto oferecido somado à visão e aos valores da marca para a qual o agente prestará o serviço também afetará no recebimento dessa credibilidade, é preciso dar liberdade para que o Agente Virtual possa caminhar pelo campo do diálogo conversacional sem fugir necessariamente do contexto que contém o produto em si.

Conteúdo X Forma

Não há nada mais chato do escutar um texto seco que só aborda o tema em questão ou um texto de um design que se permite refém dos chavões publicitários.

No que diz respeito à conversação, o que garante uma boa qualidade da “conversa” em um Agente Virtual é sua pseudocompreensão, ou seja, a falsa noção de entendimento, o critério que o design utiliza para contornar os desafios comunicacionais, os imprevistos que podem surgir em uma ligação, por exemplo, o humor esporádico (mesmo que vindo em momentos ativos, e não após uma “piada” do usuário), e a energia transmitida na vontade de manter aquele contato. Em outras palavras, a ilusão de vida.

Nada é mais entediante e desestimulante que um papo sem vitalidade sonora. Todos esses detalhes dão uma forma à conversa, ou seja, dão pistas sobre a personalidade do Agente Virtual.

Mas uma boa conversação não se sustenta apenas com simpatia. É preciso trazer conteúdo para essa forma. É preciso trazer a matéria, ou seja, o contexto desenhado, escrito e roteirizado. Por isso é importante que o cliente disponibilize o máximo de informações necessárias para que o Agente Virtual não fique refém do desconhecido e tenha que pedir para o usuário fazer o trabalho dele, informar coisas que o AV já deveria saber.

O conhecimento, vindo via Mailing ou Web Service, nas mãos, ou melhor, na voz do Agente Virtual é uma arma poderosa para garantir a atenção e interesse por parte do usuário, além da persuasão para finalizar com sucesso qualquer negócio. Levando em consideração também que é papel do usuário associar as qualidades que compõem a fala de cada Agente, baseado apenas na subjetividade de quem escuta a voz do robô.  

Conclusão

O que caracteriza uma boa personalidade é o antagônico caráter de abordar as margens da questão. Ou seja, tratar do núcleo, ou sendo mais claro, do assunto principal, utilizando estratégias da “fala conversacional urbana espontânea popular do cotidiano”, depositar “desejos” no agente virtual e marcadores de fala ou conceitos universais e externos ao ponto chave que é o produto discutido. Esses marcadores entre um texto ou após uma resposta do usuário servem para demonstrar empatia com a pessoa que está do outro lado da linha. E nada mais confortante que um traço de humanização nas relações, escasso hoje em dia, inclusive por parte de grande parte dos call centers, que a cada ano se tornam (ironicamente) mais robotizados.

Além desse caráter, é preciso também dar pistas para que a interpretação do usuário crie para si a ideia de uma personalidade satisfatória do outro lado da linha. Queira você leitor acreditar ou não, em qualquer voz se encontram nuances sutis (despercebidas por designers apressados), que podem contribuir para a boa ou a má recepção do ouvinte usuário.

Ou seja, desenvolver uma persona é basicamente conduzir a interpretação/percepção do usuário para que ele tenha uma determinada opinião sobre o Agente. No entanto, de nada adianta planejar, pensar e documentar uma “identidade/personalidade” de um Agente Virtual, se o mesmo for censurado pelos caprichos dos clientes na hora do desenho do seu discurso, reduzindo o mesmo a um script seco e “robotizado” sem fluidez na interação. Também não adianta documentar de forma romântica uma suposta personalidade se na hora da ligação a mesma não se sustenta.

Artigo muito interessante! Estamos falando da concepção de uma entidade psicosocial! Se isso não é algo fascinante, não sei o que não é! Se análisarmos que a 68 anos atrás um homem propôs um teste que instigou o imaginário humano, e se compararmos ainda que a história da humanidade tem uns 6000 anos e que a apenas recentemente, pouco mais de um século, construimos toda esta tecnologia que nos cerca me leva a perguntar: Qual o limite do homem?, ou melhor ainda: Qual será o limite da tecnologia?

Yasmim Costa

CX & Operations at Johnny Days | Crafting Exceptional Customer Experiences

6 a

Sueliton, muito legal! Falar de personalidade é complexo e corajoso. Estou cada vez mais convencida da complexidade eterna que envolve a criação de uma personalidade e que os estereótipos culturais podem ajudar nessa construção, mas nunca existirão percepções comuns a todos, já que é um aspecto intimamente ligado à subjetividade do ser humano. 

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