PRECISAMOS FALAR SOBRE POLÍTICA, FUTEBOL E RELIGIÃO
Eu penso diferente de você. Acredite, isso é possível! Seriado"The Office"

PRECISAMOS FALAR SOBRE POLÍTICA, FUTEBOL E RELIGIÃO

Estava num encontro de network e alguém puxou o assunto do campeonato brasileiro. Imediatamente, o outro falou “Aqui não se discute política, futebol e religião”. A explicação é que esses temas são muito sensíveis e apaixonantes, podem gerar discórdia e comprometer o desempenho do grupo.

Fiquei me perguntando quando nos tornamos tão infantis a ponto de não conseguir levar adiante uma conversa sobre esses e tantos outros assuntos sem que comece uma discussão daquelas, sem argumentos e que não acrescenta nada para ninguém.

Pois sempre defendi o uso da palavra! É ela mesma a essência do nosso desenvolvimento, do que nos tornamos, do que assumimos como verdade diante do espelho e dos outros. A palavra é responsável por nossas conquistas, ela nos leva ao mundo do conhecimento, transforma ações em poesia, expressa desejos. Sei que é clichezão, mas é por meio da palavra que expressamos nossos sentimentos e nos comunicamos com o mundo.

Então, se sabemos falar, podemos lidar com o contraditório. Se eu defendo a posição política A e outro defende a posição B, cabe a mim ouvir o outro com respeito e atenção, encontrar argumentos que sustentam minha posição e procurar pontos em comum para que a conversa avance. Espero do outro o mesmo comportamento.

Aqui cabe um parêntese gigante. Não estou defendendo fascistas, neo-fascistas ou equivalente. Não há tolerância com os intolerantes.

Um exemplo do que já pode ter acontecido com alguns de vocês. Em um grupo no whatsapp, uma participante enviou uma daquelas informações falsas sobre fraude nas urnas. Não acreditei quando vi, mas com toda paciência do mundo mandei as notícias que desmentiam o que ela havia enviado. A resposta que recebi foi ‘é melhor não falarmos sobre política neste grupo’. Só que eu não estava falando sobre política, estava só desmentindo uma notícia falsa e dando a informação correta.

Não tenho nenhum problema para falar sobre o assunto, mas corrigir uma informação falsa não é falar sobre política. 

Podemos e DEVEMOS falar sobre política pública, política social, política financeira ou política partidária.

Podemos e DEVEMOS falar sobre religião, crença religiosa, respeito às religiões, fé.

Podemos e DEVEMOS falar sobre futebol, jogadas, tabela do campeonato, mas também sobre o comportamento de jogadores, torcidas e todos os envolvidos. Aliás, o esporte é um tema bastante rico e do qual podemos tirar muitos aprendizados sobre como nossa sociedade se comporta.

A verdade é que nos isolamos cada vez mais em bolhas que refletem o próprio pensamento e fomos nos distanciando do diferente, até que esse nos parecesse estranho.

Essas bolhas funcionam como zonas de conforto, e quando uma delas é furada não sabemos como reagir. O algoritmo das redes sociais reforça nossas crenças, confirmando a todo momento nossos vieses. Assim, temos a ilusão de que estamos sempre certos e de que muitas pessoas concordam com nosso ponto de vista. Essas bolhas nos dão a falsa segurança de pertencimento e perdemos a riqueza que é experimentar o diferente.

Claro que queremos encontrar quem pensa da mesma maneira e formarmos a nossa tribo, mas isso não deveria ser excludente. Também preciso conhecer e estar próximo de quem pensa diferente de mim, disso é feito o amadurecimento.

Mas o que eu ganho falando sobre esses assuntos?

Primeiro e mais importante, você aprende a escutar. Parece que estamos ‘destreinando’ nosso cérebro a entender o ponto de vista do outro. Veja que há uma diferença grande entre escutar e ouvir. Escutar significa ouvir com atenção, mas normalmente o que fazemos ao entrar em uma discussão é assumir uma posição defensiva e só esperar o outro parar de falar (às vezes nem isso) para rebater ou desdenhar.

Segundo, a partir do processo de escuta, treinamos nossa capacidade de argumentação. Quando você entende o ponto de vista do outro, é possível desenhar cenários com maior clareza e junto com a outra pessoa encontrar alternativas para o que antes parecia ter uma única resposta fixa. Ouvi uma analogia de esporte para o diálogo que gostei muito. Quando você joga tênis, seu objetivo é aniquilar o adversário e ganhar o jogo. O diálogo tem mais a ver com o frescobol, em que o objetivo é manter a bola em jogo, sem deixar ela cair, para que os dois usufruam do que estão fazendo. Se você entra numa conversa já considerando o outro como adversário, a chance de um diálogo genuíno cai consideravelmente.

E por último, mas não menos importante, aprendemos a ter responsabilidade com a palavra. Nossas interações são feitas sempre com base na palavra, precisamos pensar no que está sendo dito. Embora o diálogo seja um processo - ao contrário da escrita, que é um produto - é possível encontrar as melhores palavras para expressar o que você quer.

Como conseguir dialogar sem querer estapear o outro

A primeira coisa que me vem à mente é a “Comunicação Não Violenta”, ou CNV para os iniciados, que vou resumir brevemente. Recomendo muito que quem se interessar pelo tema leia o livro “Comunicação Não Violenta” para se aprofundar. Trata-se de uma técnica, desenvolvida pelo pesquisador Marshall Rosemberg, em quatro passos. 

Passo 1: observação. É a descrição do ocorrido, sem qualquer tipo de juízo de valor. Ex.: no lugar de dizer ao seu filho que ele é um bagunceiro,  que sempre deixa as coisas fora de lugar, descreva o que a incomoda. “As roupas no seu quarto estão fora do lugar”.

Passo 2: sentimento. Aqui é preciso olhar para dentro e identificar o SEU sentimento, o que você sente. Chateada, animada, desconfortável são exemplos de sentimentos próprios. Injustiçada ou humilhada falam mais sobre um julgamento em relação ao outro do que sobre o sentimento em si.

Passo 3: necessidades. As conversas são mediadas por necessidades, há sempre um desejo embutido - de realização, conexão, exposição, autoafirmação. Entender suas necessidades e saber expressar isso com clareza facilita o diálogo para que você e seu interlocutor cheguem a um ponto comum.

Passo 4: pedidos. Talvez este seja um dos pontos mais desafiadores. Para fazer o pedido, é preciso ter clareza sobre o que se deseja, e isso não é tão simples. Muitas vezes vemos no outro as deficiências e carências que existem em nós mesmos. O outro funciona como um espelho.

Bem, mas a CNV não é a única maneira de conseguir estabelecer um diálogo. Aliás, é importante frisar que a CNV não é uma conversa de ‘bonzinhos’. Em suas pesquisas, Rosemberg concluiu que somos todos violentos e a partir daí criou essa técnica para lidar com situações de conflito de maneira mais assertiva.

Eu posso discordar e ainda assim manter o respeito

Acho que respeito, transparência e empatia formam um combo ético com o qual podemos atuar sempre. Tudo comunica, inclusive o silêncio, então tenho também algumas dicas que fui aprendendo ao longo da jornada e incorporando para a minha vida.

A verdade é que a comunicação carrega valores que nos são caros e a exposição pode nos deixar em uma situação vulnerável, talvez por isso tenhamos tanto receio de nos posicionarmos em temas que são considerados mais sensíveis.

Pois eu digo que é preciso muita coragem para expor suas vulnerabilidades, e admiro quem faz isso. Tem a ver com a transparência que citei acima. Estou em constante aprendizado, não tenho vergonha de mudar de opinião ou assumir os meus erros. Pode até soar falsa ou pretensiosa essa afirmação, mas é resultado de todos os tombos e abraços que pertencem à minha jornada.

Finalmente, o que faço para lidar com conversas que parecem ser difíceis

Acolho meus sentimentos. Procuro ter clareza sobre o que determinada questão provoca em mim.

Sou gentil comigo. Não é autopiedade nem nada disso, é gentileza, a mesma que tenho com as outras pessoas. 

Empatia sempre. Agora que entendi o que mexe comigo, procuro fazer o mesmo movimento em relação ao outro. Lembrando que empatia não é se colocar no lugar do outro - dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Empatia é tentar enxergar uma situação pelo mesmo ponto de vista do outro, entender suas necessidades e ser solidária à sua dor.

Com tudo isso em mente, bora conversar sobre futebol, política e religião?

Maria Leonor Galante Delmas

Formadora e Mentora Comportamental / Desenvolvimento de Pessoas / Palestrante. / Profa. da FGV / Co-autora de 3 livros. Membro ABMEN e do HubMulher. Sócia Diretora Pontes&Conexões e do Longevativa.

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Parabéns pela ousadia de derrubar cercas.

Deize Andrade

Top Voice | Facilito o desenvolvimento da Marca Pessoal para Líderes com o Programa "Carreira Brilhante". Ganhe confiança e clareza para ser um líder admirado! | Mentoria | Palestras | Treinamentos | Open Talent

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Nem todas as pessoas, mesmo que sejam pessoas vividas e cultas, têm maturidade, sensibilidade e mente aberta. Então também temos que saber onde e com quem podemos debater cada tipo de assunto. Talvez por isso, a formatação e o conteúdo dos ensinamentos sobre Comunicação não violenta vem crescendo,, Marta. Vai além de economia, política, religião e futebol. Cai em qualquer assunto onde os dois lados pensam diferente. Haja educação!

Angela Pugliese

Entrepreneur / Chief Financial Officer / Co-founder & President of W-CFO Brazil / D & I / ESG

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Parabéns pelo texto Marta Gucciardi, realmente isso vale para qualquer assunto que traga algum tipo de polêmica. Precisamos de tolerância e aceitação ao próximo, sem isto tudo vira uma "guerra".

Rosaria Russo

Conselheira de organizações do terceiro setor, pesquisadora sobre Gestão de Projetos e Pessoas, mentora e professora.

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Realmente estamos perdendo a capacidade de entender o diferente, ao mesmo tempo que pra dar conta da inovação precisamos incluir e diversidade. Ótimo texto e exemplos!

Dani Barcellos

Profissional as a service IConsultora I Mentora I Palestrante I Conselheira consultiva I Advisor I CHO

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Que texto reflexivo e inspirador!! Somos mesmo resistentes ao diferente. Ouvimos sem escutar, já querendo retrucar e colocar nossas opiniões! Tenho feito o exercício da escuta, respeito e empatia!

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