Precisamos ter cuidado com discursos irresponsáveis sobre a CLT
Não raramente, me deparo com publicações de empreendedores e novos empresários criticando a CLT. No universo do marketing digital, sobretudo, o discurso "crie o seu próprio negócio e saia da CLT" se tornou recorrente.
Já cheguei a ler coisas como "jogue sua carteira de trabalho no lixo" ou "Nunca mais volte para a CLT". Transformaram um instrumento histórico para o mercado de trabalho no Brasil no grande "inimigo em comum" de quem quer empreender.
O problema desse discurso irresponsável é que ele ignora por completo o fato de a Consolidação das Leis Trabalhistas ser a principal legislação que garante o mínimo de dignidade ao trabalhador brasileiro.
E "mínimo" aqui significa a garantia de benefícios básicos, como um salário justo e compatível com a profissão, vale-alimentação e férias.
Há sim o que melhorar na legislação trabalhista do nosso país. Mas é preciso ressaltar que boa parte dos problemas e injustiças enfrentados por empregados e empregadas têm raízes no descumprimento das leis que os asseguram.
No meu primeiro emprego em tempo integral, trabalhei em regime PJ e não tive sequer um contrato. Assim que a pandemia deu o ar da graça, parei de receber o meu salário. Fiquei três meses prestando serviço regularmente sem receber por isso, até finalmente me "desligar" da empresa.
Nada de rescisão contratual, nada de comprovação de tempo de trabalho, exceto notas fiscais. Nem mesmo os salários atrasados me pagaram ainda. Um processo corre na Justiça.
Hoje, com emprego devidamente formalizado, vejo a diferença que a CLT faz na minha vida: salário na conta até o quinto dia útil do mês, a maravilhosa experiência de receber um 13°, férias proporcionais, etc. Isso se chama respeito ao trabalhador.
E isso é, sim, uma conquista. Portanto, precisamos pensar bem antes de espalhar discursos irresponsáveis pelas redes, principalmente como empreendedores.
Mantenho um negócio paralelo ao meu trabalho formal, procuro incentivar outros jornalistas como eu a empreenderem, mas, nem por isso, transformo a CLT em um inimigo do empreendedorismo.
Muito pelo contrário. É graças a ela que sobrevivo financeiramente enquanto não consigo garantir a sustentabilidade da minha empresa. E é também graças a ela que eu posso investir no futuro profissional que almejo.
É imprescindível associar o que foi dito em relação aos direitos trabalhistas com a Constituição Federal de 1988, especialmente com o rol de garantias previstas no Art. 7⁰ e seus incisos. Frente a um mercado voraz, a CLT por si só é muito frágil e poderia "tudo" vigorar em uma reforma trabalhistas se não houvesse os limites impostos pela Constituição.