Preservando Vidas

Quero relatar aprendizados e conhecimentos obtidos em minha carreira pública de 36 anos e, principalmente, no exercício do cargo de Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comandar a Polícia Militar Paulista, instituição quase bicentenária, foi uma enorme honra e responsabilidade, e seguramente a tarefa mais complexa e desafiadora que já exerci na vida. São quase 100 mil homens e mulheres que patrulham os 645 municípios de São Paulo, dia e noite, enfrentando todos os tipos de desafios, mas sempre focados em proporcionar a segurança e o conforto nos momentos difíceis que nossos cidadãos anseiam e merecem. Tive a honra de ser o 85º Comandante nessa história que já conta quase 187 anos. Os dias de comando são sempre intensos, às vezes solitários, por muitas vezes angustiantes, como nos momentos em que nos despedimos de nossos heróis tombados no cumprimento do dever de proteger a sociedade, sacrificando o maior bem, a própria vida.

E é sobre esse sacrifício de nossos homens e mulheres, verdadeiros heróis da Pátria e principalmente do resultado de seu trabalho dedicado que aceitei essa missão de relatar semanalmente assuntos de interesse da segurança pública e enfatizar aprendizados que tive em minha vida profissional, com grandes instrutores e mestres. Neste artigo para o Semanário quero falar de um assunto esquecido na mídia: quantas vidas a Polícia Militar salva.

Fala-se muito “polícia que mais mata” quando se referem às Polícias Militares do Brasil e à nossa PMESP. Mas nunca querem enfrentar as causas e o porquê dessas mortes e nem o quanto está sendo evitado.

Em primeiro lugar, todo resultado morte atribuído à Polícia Militar no desempenho de suas funções é não desejável, pois busca-se sempre a resolução do conflito e a detenção do criminoso. Quando isso não ocorre por agressão do ente criminoso, há a necessidade de emprego de força, mesmo letal, amparada pela excludente de ilicitude da legítima defesa própria (do próprio policial que atua) ou de terceiro (para proteger a vida da vítima ou de outro policial). E um ponto é fundamental: a opção pelo confronto, quando da chegada da Polícia é sempre do criminoso. Nunca há de se admitir que o policial tome a iniciativa do confronto armado, seu pressuposto é sempre uma resposta necessária a fim de preservar vidas.

Mas o ponto principal, na atuação da polícia de caráter ostensivo e preventivo, a Polícia Militar, é reduzir a ocorrência de delitos. Somente é possível medir os fatos nefastos que deixaram de acontecer por intermédio de um histórico de longo prazo, comparando indicadores e apoiado em um planejamento estratégico, baseado em uma Política de Estado (e não política de governo) gerido por profissionais comprometidos com a melhora.

Assim, mais que se atribuir à polícia mortes que ocorreram por opção somente do criminoso, deve-se verificar quantas vidas foram preservadas por um trabalho focado na prevenção e solução de conflitos.

Se retornarmos à década de 1990 podemos relembrar que o Estado de São Paulo possuía o 4º pior indicador de homicídios do Brasil, beirando os 35 homicídios por grupo de 100 mil habitantes por ano (indicador usado em todo o mundo para comparativo de crimes). Naquele momento histórico, os homicídios totais no Brasil já beiravam os 65 mil, que se assemelha mais a uma guerra civil, e São Paulo quase encabeçava esse nefasto ranking.

Foi então que, sob a batuta de um grande Comandante Geral da PMESP, Coronel Carlos Alberto de Camargo, nossa Polícia se “reinventou”. Esse tema, que pode ser abordado em diversos artigos, será resumido em seu ponto principal: a mudança de rumos baseou-se em uma mudança nos princípios a nortear o trabalho policial, vigente até hoje, com as seguintes prioridades: Polícia Comunitária, Direitos Humanos e Gestão pela Qualidade.

Desses pontos e da reengenharia estrutural pela qual a Polícia Militar do Estado de São Paulo passou surgiram programas e atividades que hoje são referência não só no Brasil, como também repassadas a diversas polícias da América Latina e Caribe. Alguns deles são: Método Giraldi de Tiro Preventivo na Preservação da Vida (padrão de todas forças policiais do Brasil e algumas da América, prêmio da ONU), Procedimentos Operacionais Padrão, Matrizes Organizacionais e Operacionais (para emprego e distribuição do efetivo segundo critérios científicos e estatísticos), Programas de Policiamento (abordagem sistêmica e abrangente de diversas modalidades de emprego policial), integração dos COPOMs – Centros Operacionais da Polícia Militar, dentre tantos outros, que poderão ser abordados em posteriores artigos (e aqui gostaria que aqueles que desejam a abordagem de um tópico específico que solicitem).

Todo esse esforço foi coroado com a redução constante – mês a mês – do número de homicídios, com o alcance da taxa de 7,4 homicídios por 100 mil habitantes, ou seja, o menor índice de homicídios já registrado no Estado de São Paulo, menos de um quarto da média nacional, índice em constante queda em nosso Estado, diferente do que ocorre no Brasil.

Hoje, São Paulo é disparado o Estado com o menor indicador de homicídios do Brasil, um caso de sucesso que deve ser e replicado, e principalmente analisado e estudado em futuras e imperiosas medidas que ainda devem ser realizadas em nosso modelo de segurança pública, que possui muito a evoluir quando comparado com o que existe nos países mais seguros e democráticos de nosso mundo. Essa será a premissa que guiará posteriores artigos neste periódico.

A evolução do modelo de policiamento preventivo realizado no Estado de São Paulo representa milhares de vidas poupadas; para um gestor da segurança pública, não há prêmio maior do que poupar vidas humanas. Eram 12 mil homicídios em 1997 no Estado de São Paulo. O ano de 2017 fechou com redução para 3.674. São mais de 8 mil vidas preservadas por ano.

Somando-se a isso as missões de salvamento realizadas pelo Corpo de Bombeiros e Aviação da Polícia Militar, que representa no conjunto mais de 1.400 missões por dia, podemos ter uma dimensão do trabalho desses valorosos homens e mulheres na preservação e proteção de vidas. Isso representa 1 pessoa salva a cada 2 minutos.

A atuação da Polícia Militar nesse contexto passa a ser o de proteger e amparar pessoas, mesmo que alguns ainda insistam em dizer que polícia é responsável somente por mortes. Há ainda muito a fazer para tirarmos nosso país da cruel condição que se encontra, mas a Polícia Militar está fazendo sua parte.

 

 

RICARDO GAMBARONI

Coronel da Polícia Militar, Comandante Geral da PMESP de 05Jan15 a 17Abr17,  Aspirante a Oficial da Turma de 1985 da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Mestre e Doutor em Ciências Policiais pelo Centro de Altos Estudos da PMESP, Mestre em Tecnologia pelo Centro Paula Souza e Especializado em Liderança e Gestão pela Academia Nacional da Polícia Federal Americana (FBI), em Quantico, Virginia, EUA.


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