Professor: Você Ensina a Pensar?

Professor: Você Ensina a Pensar?

Em primeiro lugar, Feliz Dia dos Professores a todos os colegas de profissão! A missão de educar sempre foi desafiadora e, nos últimos anos, com a sociedade cada vez mais polarizada, ela se tornou ainda mais difícil. Felizmente, professores também podem aprender a solucionar essa questão. E como educar não é responsabilidade exclusiva de professores -- líderes e gestores também estão nessa missão -- nada melhor do que aprender com um cientista renomado algumas maneiras de fazer as pessoas pensarem adequadamente.

David Perkins, cientista da Harvard, fez uma descoberta fantástica ao analisar o funcionamento do raciocínio das pessoas, e como elas podem ser levadas em direções tendenciosas. Em um de seus estudos, Perkins selecionou 40 participantes de cada um dos grupos a seguir:

 

- Estudantes do primeiro ano do segundo grau

- Estudantes do último ano do segundo grau

- Estudantes do primeiro ano da universidade

- Estudantes do último ano da universidade

- Estudantes do primeiro ano do doutorado

- Estudantes do último ano do doutorado

- Não estudantes com formação no ensino médio

- Não estudantes com formação superior

 

As tarefas destas 320 pessoas era analisar dois problemas sociais por cinco minutos e escrever o máximo de argumentos possíveis para resolvê-los. Entre os problemas sociais apresentados estavam se a violência na televisão aumentava a probabilidade de violência na vida real e se incentivar financeiramente a população para reciclar garrafas e latas diminuiria a quantidade de lixo nas ruas. Como pode-se notar, os problemas apresentados foram escolhidos por permitirem argumentos favoráveis e contrários as informações apresentadas.

Surpreendentemente, Perkins descobriu que o sistema educacional não contribuiu muito com o desenvolvimento de raciocínio lógico nos indivíduos. Alunos do Ensino Médio cursando o primeiro ano desenvolveram em média 10 argumentos para cada problema, enquanto alunos do último ano, desenvolveram 14. Esta foi a única mudança estatisticamente significativa na amostra. Na universidade e doutorado, a diferença entre alunos do primeiro e último ano foi de apenas três argumentos adicionais. Além da quantidade de argumentos, os cientistas também analisaram a quantidade de linhas que os participantes escreveram para cada argumento e novamente, a única diferença estatisticamente significativa foi encontrada no grupo de alunos do Ensino Médio, o que mostra que quatro anos em uma universidade ou pós-graduação não causou grandes mudanças na sofisticação do raciocínio dos alunos.

No entanto, o levantamento mais alarmante deste estudo foi a quantidade de objeções que cada aluno conseguiu encontrar para os problemas, ou seja, quantos argumentos analisando o “outro lado” eles formularam. Após refletirem e chegarem a uma conclusão inicial sobre o problema, alunos do Ensino Médio formularam uma média de 0,6 objeções, enquanto os da graduação e doutorado chegaram a 1,1 e 1,3, respectivamente. Perceba que das 10 soluções ao problema propostos pelos alunos do primeiro ano do Ensino Médio, apenas 0,6 delas continham argumentações contrárias as crenças iniciais dos estudantes. Na Universidade, a média de soluções dadas pelos calouros foi de 18, onde apenas 1,1 levavam em consideração uma hipótese do “outro lado”. Já no Doutorado, a média de 26 argumentos formulados pelos alunos do primeiro ano foi acompanhada por apenas 1,3 objeções contrárias as suas posições iniciais. Após os quatro anos de estudo, apenas os alunos do doutorado obtiveram uma diferença estatisticamente significativa na quantidade de objeções formuladas, no entanto, este valor subiu de 1,3 objeções em cada 26 argumentações no primeiro ano, para 1,9 objeções em cada 29 argumentos, no quarto ano.

Em média, as pessoas saem de 0,6 argumentações contrárias aos seus posicionamentos no ensino médio, para 1,9 no doutorado, revelando que a educação formal não está nos ajudando a pensar nos dois lados.


Leve o Prof. Luiz Gaziri Para Palestrar em Sua Empresa ou Evento e Desenvolva as Pessoas com um Conteúdo 100% Ciência, 0% Achismo

 

Os estudos de Perkins demonstram que, naturalmente, as pessoas não raciocinam sobre problemas analisando várias possibilidades e abordagens, o que as leva a encontrar soluções superficiais e condizentes com suas crenças iniciais para problemas de grande profundidade. Esse comportamento ficou conhecido como Viés do Meu Lado. Em todos os grupos analisados, os participantes elaboravam uma quantidade desproporcional de argumentos que defendiam o “seu lado” em comparação com argumentos que consideravam o “outro lado.”

E quanto o nível de inteligência (QI) impactava nas habilidades de raciocínio lógico das pessoas? Nada! Perkins revelou que o QI das pessoas estava relacionado apenas com a quantidade de argumentos que os participantes desenvolviam para confirmar suas ideias iniciais. Quanto maior a inteligência das pessoas, maior a quantidade de argumentos que elas encontravam para justificar suas crenças. Não por acaso, Doutorandos formulavam mais argumentos do que alunos da Graduação e estes, desenvolviam mais argumentos do que os alunos do Ensino Médio. Os processos seletivos de universidades, por exemplo, levam em consideração o QI dos candidatos, que está ligado com a quantidade de argumentos que eles formulam, não com a capacidade em raciocinar analisando ambos os lados. Estamos no caminho certo?

 

Parece que a educação formal não ensina as pessoas a pensarem como cientistas, formulando hipóteses favoráveis e desfavoráveis às suas crenças para chegar a uma solução mais eficaz para todos os tipos de problemas.

 

No artigo, publicado no Journal of Educational Psychology, Perkins conclui suas descobertas da seguinte forma:

 

“...uma vez que o pensador desenvolve um modelo mental simples sem falhas aparentes, é improvável que ele ou ela venha a criticar o modelo deliberadamente ou considerar hipóteses alternativas. É como se o processo de raciocínio fosse movido principalmente por um esforço para minimizar a carga cognitiva e a dissonância cognitiva, ao invés de critério epistêmico.”

 

Aqui está mais uma evidência de que nós preferimos não pensar para crer.

A solução que Perkins encontrou foi incluir uma nova fase em seus estudos, em que após a criação dos argumentos iniciais, os participantes recebiam instruções como:

 

Trabalhos anteriores mostraram que as pessoas tendem a ignorar o outro lado do caso. Por favor tente criar argumentos analisando o outro lado.”

 

“Trabalhos anteriores mostraram que as pessoas tendem a explorar problemas superficialmente. Por favor tente criar três argumentos para dizer “sim” para a questão. Agora crie três argumentos para dizer “não” para a questão.”

 

Com esta pequena adição em uma série de experimentos, os participantes que inicialmente haviam criado, em média, apenas 0,7 argumentos analisando o “outro lado”, chegaram ao surpreendente número de 4,9 argumentos, um ganho de 700%. Não somente a quantidade de argumentos aumentou, como também a profundidade com que eles foram explorados, neste caso, os ganhos foram de 1.333%.

Tudo indica que quando inicialmente somos instruídos a pensar sobre um assunto e, posteriormente, guiados a anotar detalhes não somente sobre nossas posições, mas também sobre as possíveis posições do outro lado, o equilíbrio entre o “meu lado” e o “outro lado” se torna maior. No entanto, é importante ressaltar que a iniciativa de analisar o “outro lado” não vem facilmente.

 

Leve o Prof. Luiz Gaziri Para Palestrar em Sua Empresa ou Evento e Desenvolva as Pessoas com um Conteúdo 100% Ciência, 0% Achismo

 

Por esse motivo, lembre-se da lição de David Perkins: toda vez que for pensar em um assunto e tomar uma decisão, formule uma quantidade similar de argumentos favoráveis e contrários, e ainda mais importante: não seja tendencioso ao formular argumentos contrários que são fracos. Pense adequadamente sobre cada argumento e formule uma questão contrária com argumentos fortes.

Se você é professor, incentive seus alunos a explorarem discussões em sala de aula formulando uma quantidade igual de argumentos favoráveis e desfavoráveis. Se você é gestor, toda vez que for tomar uma decisão estratégica, desafie as pessoas a criarem diversos argumentos contrários a ideia inicial e lembre-se: você deve ser o último a expressar sua opinião.

Quem sabe assim, pessoas e empresas aprendem a tomar decisões mais eficazes e alcançam resultados superiores.


Esse e outros estudos incríveis você encontra com mais detalhes em meu livro mais recente, "A Arte de Enganar a Si Mesmo".


Compre Aqui


Se você gostou desse conteúdo, fique à vontade para encaminhar esse artigo para seus amigos, familiares e colegas de trabalho que podem se beneficiar dessas descobertas. Recebeu esse artigo de alguém? Clique aqui para se inscrever em minha newsletter e receber em primeira mão as últimas evidências científicas de áreas como psicologia, neurociência e economia comportamental. Não deixe de acessar meu site para conhecer minhas palestras, programas de treinamentos corporativos e livros 100% baseados em ciência.


Um grande abraço,


Luiz Gaziri

Professor de Pós-Graduação na Unicamp e FAE Business School

Autor de "A Ciência da Felicidade", "A Arte de Enganar a Si Mesmo", "A Incrível Ciência das Vendas" e "Os Sete Princípios da Felicidade."

Contato Para Palestras |  (41) 99103 2700


REFERÊNCIAS

Perkins, D. N. (1985). Postprimary education has little impact on informal reasoning. Journal of educational psychology77(5), 562.

Perkins, D. (2019). Learning to reason: The influence of instruction, prompts and scaffolding, metacognitive knowledge, and general intelligence on informal reasoning about everyday social and political issues. Judgment and Decision Making14(6), 624.



Allan Freitas

Analista Financeiro | Pós-graduado em Gestão Financeira

4 m

Eita! Isso me deu um alerta. Parece que somos enganados pelo nosso próprio cérebro 🤔.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Luiz Gaziri

  • Por Que Imigrantes Votaram em Trump?

    Por Que Imigrantes Votaram em Trump?

    Pessoas tomando decisões contrárias aos seus próprios interesses é uma das marcas registradas de uma mente influencida…

    4 comentários
  • O Botão "Moderar" Já Chegou Nas Suas Mídias Sociais?

    O Botão "Moderar" Já Chegou Nas Suas Mídias Sociais?

    O botão "Moderar" já chegou nas suas mídias sociais? Ainda não? Fique tranquilo, ele não chegou nem no meu e nem no de…

    4 comentários
  • A Maior Ameaça Para a IA?

    A Maior Ameaça Para a IA?

    “Posso seguir o GPS, ou você tem alguma preferência de caminho?”, é uma pergunta frequentemente realizada por…

  • Moderação nas Redes: O Que a Ciência Revela?

    Moderação nas Redes: O Que a Ciência Revela?

    Diz o ditado que uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade. Quando esse ditado é colocado sob teste usando a…

  • Mude Seus Hábitos em 2025 - Cinco Dicas Baseadas na Ciência

    Mude Seus Hábitos em 2025 - Cinco Dicas Baseadas na Ciência

    Finalmente chega 21 de janeiro – período do ano em que você formou novos hábitos e já está com o abdômen trincado…

    24 comentários
  • Cultura Organizacional: O Que Um Grupo de Pescadores na Bahia Pode Nos Ensinar

    Cultura Organizacional: O Que Um Grupo de Pescadores na Bahia Pode Nos Ensinar

    John List, cientista da Universidade de Chicago, analisou o comportamento de duas comunidades de pescadores na Bahia. A…

  • Seus Vendedores Usam Nike ou All-Star?

    Seus Vendedores Usam Nike ou All-Star?

    Se você fosse colocar uma equipe para correr uma maratona, com o intuito de que o máximo de pessoas cruzasse a linha de…

    1 comentário
  • Como a Virgin Usou a Ciência Para Economizar 24 Milhões

    Como a Virgin Usou a Ciência Para Economizar 24 Milhões

    O cientista John List, da Universidade de Chicago, realizou um experimento na Virgin Atlantic para tentar fazer os…

    6 comentários
  • O Lado Negativo da Felicidade

    O Lado Negativo da Felicidade

    Em um dia desses, ouvi uma pessoa famosa dizendo que: ”Nem precisava fazer pesquisa científica para saber que pessoas…

  • O Cérebro e Suas Ilusões

    O Cérebro e Suas Ilusões

    Observe a imagem abaixo e responda: qual das duas mesas é a mais comprida? Shepard, R. N.

    1 comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos