A propaganda é a alma do negócio?
Depois de um dia puxado de trabalho, saí para relaxar e me dei aquele presente: uma camisa nova, “Bonita camisa, Fernandinho!”, como dizem. No jantar, pedi umas batatinhas, mas como “é impossível comer um só”, acabei repetindo. A conta chegou salgada, mas pensei: “Tem coisas que o dinheiro não compra. Para todas as outras, existe Mastercard”. Foi uma noite que me trouxe aquela sensação de “amo muito tudo isso”, mesmo que o restaurante “não seja assim uma Brastemp”. Finalizei o dia com um Doril, e “a dor sumiu”; realmente, sair tem suas “1001 utilidades”.
É incrível como esses slogans se tornaram parte do nosso vocabulário e como as marcas conseguem, ao longo do tempo, criar uma presença emocional e simbólica em nossas vidas.
O conceito de marca como uma barreira protetora de mercado tem uma longa trajetória no pensamento de marketing e gestão empresarial. Ele remonta a uma época em que marcas fortes eram vistas como barreiras quase intransponíveis para novos concorrentes. No mundo dos negócios, essa noção ganhou força no pós-guerra, com a explosão da propaganda de massa primeiro nas ondas do rádio e, posteriormente, com a popularização da televisão. Esse cenário consolidou a ideia de que marcas estabelecidas ofereciam uma vantagem competitiva difícil de ser ultrapassada, um verdadeiro “fosso” ao redor das empresas que as blindava da concorrência e preservava sua posição de mercado.
Com a ascensão de teóricos do marketing, o conceito de marca passou a ser cada vez mais estudado. Entre esses nomes, Philip Kotler se destacou como um dos principais expoentes do pensamento acadêmico no campo. Sua teoria dos 4 Ps — Produto, Preço, Praça e Promoção — tornou-se uma referência essencial e quase universal, moldando o planejamento estratégico das empresas durante décadas. Em uma era onde os consumidores tinham acesso limitado à informação e onde o controle sobre o meio de comunicação estava nas mãos das grandes corporações, os 4 Ps foram cruciais para construir e consolidar marcas. A fórmula parecia perfeita: uma combinação de produto de qualidade, distribuição eficiente, preço competitivo e propaganda impactante era o suficiente para criar um relacionamento duradouro e leal com o consumidor.
Esse modelo funcionava em um ambiente de marketing relativamente estável, onde as marcas podiam ser desenvolvidas e promovidas de forma gradual e controlada. A propaganda de massa oferecia um alcance significativo e, ao mesmo tempo, reforçava a ideia de exclusividade para marcas consagradas, criando um vínculo quase emocional com os consumidores. Assim, no contexto pós-Segunda Guerra, marcas como Coca-Cola, Ford e Procter & Gamble, entre outras, foram capazes de estabelecer uma relação duradoura com o público, tornando-se referências praticamente incontestáveis em seus setores.
Contudo, essa abordagem começou a ser questionada com o avanço da tecnologia e, mais recentemente, com o advento da internet e das redes sociais. A primeira grande mudança veio com o surgimento do Google, que transformou a forma como as pessoas buscavam e consumiam informações. Com o Google, os consumidores passaram a ter acesso imediato e irrestrito a uma infinidade de informações sobre produtos, serviços e empresas concorrentes. Com as redes sociais, a mudança se aprofundou ainda mais. Plataformas como Facebook, Instagram, Twitter e mais recentemente o TikTok deram voz aos consumidores, que agora podem compartilhar suas opiniões e influenciar a percepção das marcas em uma escala sem precedentes.
As marcas já não detinham o mesmo controle sobre o fluxo de informação, e a decisão de compra começou a ser pautada por recomendações, resenhas e comparações feitas pelos próprios consumidores e terceiros, fora do controle das empresas.
Isso trouxe desafios para as marcas estabelecidas, que viram seu “fosso” de proteção se estreitar, ao mesmo tempo em que abriu oportunidades para marcas emergentes se destacarem. A nova geração de consumidores, altamente conectada e informada, passou a valorizar a autenticidade, a transparência e os valores das marcas, em detrimento de sua simples tradição e longevidade.
Com o avanço da internet e das redes sociais, o modelo clássico dos 4 Ps foi repensado para se adaptar ao consumidor digital. Kotler substituiu o conceito de “praça” por “presença” — ou seja, a marca deve estar onde o consumidor está, seja nas redes sociais, em marketplaces ou em plataformas de mensagens. A "promoção" foi substituída pelo "engajamento", em que a comunicação vai além da persuasão e busca uma interação genuína com o público. Esse novo cenário deu voz aos consumidores, criando um ambiente em que as marcas precisam ser mais autênticas, transparentes e acessíveis.
Esse ambiente dinâmico e interativo trouxe à tona a importância do branding como um elemento relacional, e não apenas institucional. O branding, que antes era construído quase exclusivamente pela propaganda, passou a incluir o valor das interações e do engajamento real com o consumidor. A fidelidade, nesse cenário, não é mais apenas um reflexo da exposição à publicidade, mas sim da experiência e do propósito da marca. Marcas como Apple e Nike, que conseguiram se adaptar a esse novo ambiente, permanecem relevantes ao construir narrativas que ressoam com seus públicos, mas muitas outras enfrentaram dificuldades para se reinventar.
Até mesmo em um setor considerado "árido" em questões emocionais, como o de petróleo e energia, com seu alto nível de capitalização e complexidade técnica, a construção e o fortalecimento de marcas continuam sendo ferramentas fundamentais. Empresas globais como Shell, ExxonMobil, BP e TotalEnergies não se limitam apenas a fornecer combustível; elas investem pesadamente em suas marcas para criar uma imagem que vai além da oferta básica de energia, buscando agregar valor de várias maneiras – seja por meio de diferenciação de produtos (combustíveis premium, por exemplo), compromissos com a sustentabilidade ou melhorias na experiência do consumidor. Com a transição energética, essas gigantes precisaram repensar também sua estratégia de branding para manter a relevância e a confiança dos consumidores.
Hoje, há uma demanda crescente por biocombustíveis, energias renováveis e práticas sustentáveis. Isso cria tanto uma oportunidade quanto um desafio para as grandes empresas de energia. Por um lado, elas são pressionadas por consumidores e reguladores para adotar tecnologias mais limpas e comprometer-se com uma economia de baixo carbono. Por outro, novos concorrentes — muitas vezes focados exclusivamente em energias renováveis ou biocombustíveis — entram no mercado com um posicionamento claro de sustentabilidade, conseguindo atrair uma base de clientes que valoriza essas práticas.
As grandes empresas de petróleo têm reagido a essa mudança de algumas formas. A Shell, por exemplo, lançou combustíveis que prometem menor emissão de poluentes, investindo em pesquisa e desenvolvimento para melhorar a eficiência e a sustentabilidade de seus produtos. A TotalEnergies, por sua vez, investe em uma ampla gama de fontes de energia, de biocombustíveis a energia solar e eólica, reposicionando-se como uma empresa de energia diversificada, não apenas uma petroleira. Essas estratégias são uma tentativa de manter o “fosso” de proteção em um mercado cada vez mais competitivo e consciente dos impactos ambientais.
Além disso, o conceito de engajamento também é aplicado nas ações dessas grandes marcas. A BP, por exemplo, utiliza suas redes sociais e plataformas digitais para dialogar com os consumidores e divulgar suas iniciativas de sustentabilidade. Ao publicar relatórios de impacto ambiental e detalhar suas ações para reduzir emissões, a empresa tenta construir uma relação de transparência e confiança com o público, que hoje exige mais do que apenas produtos de qualidade — quer entender o impacto por trás de cada escolha.
No campo dos biocombustíveis, vemos um crescimento significativo e uma mudança de paradigma. Empresas regionais de energia e novas startups especializadas em biocombustíveis e gás natural renovável surgem com um discurso focado em sustentabilidade e inovação. Essas marcas emergentes utilizam redes sociais e plataformas de marketing digital para construir uma conexão emocional e de confiança com seus consumidores. Ao enfatizar o impacto ambiental positivo dos biocombustíveis — como a redução de emissões e o apoio à economia local —, elas conquistam um espaço que antes era monopolizado pelas grandes petroleiras.
Essas novas empresas, como distribuidoras regionais de biometano ou produtores de biodiesel, frequentemente adotam uma narrativa autêntica e engajada, dialogando diretamente com o consumidor sobre o impacto de suas operações. Em redes sociais, por exemplo, elas compartilham histórias sobre como suas operações contribuem para a economia local, reduzem a pegada de carbono e promovem a sustentabilidade. Isso gera uma identidade regional valorizada pelos consumidores, que tendem a preferir empresas com raízes locais e uma abordagem mais pessoal.
Outro exemplo interessante vem de empresas que produzem biocombustíveis a partir de resíduos agrícolas ou industriais, transformando um problema ambiental em uma solução energética. Esse diferencial é amplamente promovido em campanhas de marketing, onde a narrativa foca na inovação e no compromisso com o meio ambiente. Empresas como a Raízen, no Brasil, têm se destacado ao investir em biocombustíveis de segunda geração, que aproveitam resíduos da cana-de-açúcar para produzir etanol, minimizando o impacto ambiental. Essa abordagem é valorizada pelos consumidores e também pelos reguladores, que buscam incentivar práticas mais sustentáveis.
Esse novo contexto exige que as grandes petroleiras se adaptem para competir com essas empresas menores e ágeis. Muitas delas têm adotado programas de fidelidade e melhorias na experiência do cliente para reforçar o vínculo com o consumidor final, um elemento cada vez mais importante em um mercado digitalizado. A Shell, por exemplo, investiu no programa Shell Box, um aplicativo que permite aos clientes acumular pontos e obter descontos, além de promover ações exclusivas para quem usa combustíveis com menor impacto ambiental. A ideia é criar uma relação de proximidade com o consumidor e mostrar que a empresa está atenta às novas demandas.
Hoje, as empresas de energia precisam se posicionar como parceiras do consumidor em uma transição para um futuro mais sustentável. Não basta ser uma marca conhecida; é preciso ser uma marca relevante, que se engaja e se posiciona frente aos desafios ambientais e sociais. Isso inclui desde a digitalização da experiência do cliente até o investimento em alternativas energéticas limpas.
Para isso, o branding no setor de energia está sendo reinventado. O valor de uma marca vai muito além do produto oferecido — ele envolve o impacto ambiental, a responsabilidade social e o alinhamento com valores que os consumidores modernos consideram essenciais. As marcas de energia que conseguem transmitir credibilidade nesse compromisso com a sustentabilidade, sem abrir mão da inovação e da eficiência, ganham um novo tipo de “fosso” no mercado, menos dependente do capital ou da escala e mais centrado na confiança e lealdade do público.
Em última análise, essa transformação do branding afeta tanto as gigantes quanto as empresas locais. Hoje, marcas menores, regionais e focadas em nichos sustentáveis conseguem competir em pé de igualdade com grandes corporações, especialmente no mercado digital, onde podem destacar suas práticas éticas e inovadoras. Isso cria uma diversidade de opções para o consumidor e aumenta a pressão para que todas as empresas do setor se adaptem às novas demandas.
Assim, vemos que o branding no setor de petróleo e energia deixou de ser apenas uma ferramenta de publicidade. Ele se tornou um compromisso real com a transparência, a inovação e o propósito. Em um cenário onde quase tudo pode ser replicado ou substituído, o que realmente diferencia uma marca é sua capacidade de ressoar com os valores do consumidor moderno. As marcas que conseguem se posicionar como agentes de mudança — mesmo em um setor tradicionalmente visto como conservador — conseguem não só sobreviver, mas prosperar em um mercado em rápida transformação.
O futuro do branding em energia não será apenas sobre vender combustíveis, mas sobre liderar a transição para um futuro sustentável, onde o compromisso com a sociedade e o meio ambiente será tão importante quanto o produto final. Afinal, a lealdade do consumidor, hoje, está mais ligada à confiança e aos valores compartilhados do que aos slogans ou à tradição.
ENERGIAS RENOVÁVEIS, BIOGÁS, BIOMETANO
1 mParabéns pelo artigo muito bem feito!
Oil & Energy Professional
1 mParabéns pelo tema Gabriel, uma pena que alguns líderes ainda não aprenderam. Abração.
Gabriel Kropsch publiquei recentemente que os consumidores e tem que o etanol emite menos emissões, e alguns consumidores se dizem dispostos a pagar um prêmio por isso e ainda assim a venda de etanol não decola. Por outro lado aparentemente as margens para os postos de gasolina são menores na venda de etanol. Na minha opinião a decisão de compra lá na ponta precisaria de incentivo. Branding? Cash Back, redução no pagamento de IPVA para quem usar etanol? Comunicação é tudo.
Vamos juntos fazer a Transição Energética! Empreendedor e Desenvolvedor de Negócios em Gás Natural, Biogás e Energias Renováveis
1 mOlha aí luiz henrique sanches até o nosso “guru” Phillip Kotler está mudando os seus conceitos!
Editor na Revista AutoBus
1 mGabriel, parabéns, sua narrativa foi interessante e esclarecedora. Pena que o sistema de transporte não saiba fazer propaganda...