Psiquiatria e Transtornos Mentais ... cada vez mais ... Doenças para Ricos no Brasil

Psiquiatria e Transtornos Mentais ... cada vez mais ... Doenças para Ricos no Brasil

Comentar sobre psiquiatria e transtornos mentais no Brasil é como mexer em um vespeiro:

  • Infelizmente muito do que se discute acabou sendo politizado nos últimos anos;
  • Mesmo que não tenha viés ideológico, qualquer coisa que se diga é imediatamente classificado como aquele que é contra o a favor “do grupo antimanicomial”, e corre-se o risco de ser classificado como radical de direita ou de esquerda ... uma pena!

Só me permito fazer isso porque prestei serviço em diversos hospitais psiquiátricos, públicos e privados, que atendem SUS e Saúde Suplementar, e inclusive um público que atende os dois. Vivi a realidade da gestão deles em projetos de consultoria.

Isso posto, fico bem tranquilo para afirmar que os números demonstram que o SUS tende cada vez mais a abandonar quem necessita de internação em psiquiatria, dependência de álcool e drogas e outros transtornos mentais:

  • As políticas públicas dos últimos anos reduziram significativamente as estruturas para internação;
  • Só reforçando ... aqui não existe qualquer juízo de valor se é bom ou ruim internar este tipo de paciente: isso não faz parte do meu escopo profissional. A afirmação é simplesmente a de que que se existe necessidade de internação, o SUS está indo na direção contrária já há alguns anos.

Como sempre, onde tem gente chorando tem gente vendendo lenço ... a saúde suplementar está “nadando de braçada”, mas que fique bem claro:

  • Não a saúde suplementar regulada pela ANS, que permitiu que as operadoras pudessem impor coparticipação para internação psiquiátrica, que na prática leva ao abandono do tratamento por parte do paciente que não tem recursos para bancar com recursos próprios mais da metade do valor do tratamento;
  • Quem nada de braçada é a saúde suplementar não regulada pela ANS – a financiada pelas pessoas que podem pagar do próprio bolso, e pelas empresas mais privilegiadas economicamente que não impõem limites na assistência aos seus funcionários e dependentes.
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(*) Todos os gráficos foram construídos com base nos dados do estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil – Edição 2020.


Este gráfico demonstra que dos 50.513 leitos que existem, 28.628 são do SUS e 21.885 são da SS:

  • Estes números já embarcam algo que diferencia esta especialidade da maioria das outras;
  • É uma das poucas especialidades em que o volume de leitos SUS não é tão maior como os da SS !
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Observando este gráfico fica mais claro:

  • Os 28.628 do SUS estão vinculados em 1.038 unidades;
  • Os 21.885 da SS estão vinculados em 449 unidades na Saúde Suplementar.

>>> Estes números já quebram uma imagem completamente equivocada que a maioria das pessoas imaginam sobre a especialidade.

Quem não tem intimidade com o segmento associa o SUS aos grandes “hospícios ... asilo para loucos”, que viram em documentários antigos com uma infinidade de pacientes, e a SS aos pequenos serviços com poucos pacientes. Mas a realidade é bem diferente:

  • Aqueles serviços públicos gigantes não existem mais, ou acabaram implodindo e hoje se resumem a um pequeno volume de pacientes que o governo não sabe o que fazer – perderam a família e se tiverem alta ficam literalmente desabrigados;
  • O famosíssimo Juqueri, por exemplo, que já teve milhares de pacientes, hoje tem cerca de 100, em uma estrutura tombada pelo patrimônio histórico, dificílima de gerir: se estourar um cano não se pode chamar um encanador ... tem que ser um restaurador !

Quem não conhece associa a SS aos pequenos hospitais psiquiátricos, em ambientes paradisíacos com bosques, lagos, marrecos:

  • A realidade é bem diferente: a SS tem hospitais psiquiátricos até verticais, com grande quantidade de leitos;
  • Como são privados não vou citar o nome, mas você deve ter ouvido falar de um na Grande São Paulo com mais de 1.000 leitos !
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Este gráfico demonstra que o volume de leitos se mantém praticamente o mesmo desde 2017.

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Mas este outro gráfico, que demonstra crescimento do volume de unidades, já nos dá uma pista do que ocorre no setor – por ele já se vê que SS e SUS não devem ter a mesma tendência de crescimento !

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Este gráfico demonstra a evolução dos leitos no SUS:

  • Nos últimos 2 anos, a política pública fez a especialidade reduzir nada menos que 3.429 leitos;
  • Isso é mais do que o total de leitos de todas as especialidades de 5 Estados Brasileiros !
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Este gráfico demonstra que o número de unidades SUS é praticamente o mesmo desde 2017:

  • Ou seja, o SUS tem reduzido o número de leitos nas unidades existentes;
  • Não é uma questão de reduzir grandes estruturas, porque em hospitais e clínicas psiquiátricas o maior custo está associado à retaguarda e não ao leito – o maior custo é fixo, e não variável.

Com a retração do SUS a Saúde Suplementar rapidamente aproveita a oportunidade.

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O volume de leitos na saúde suplementar aumentou significativamente entre 2017 e 2019:

  • Nada menos que 3.280 leitos;
  • Quase o mesmo número da queda do SUS !
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E cresceu também o número de unidades:

  • Este é o ponto mais significativo destes gráficos;
  • Crescendo em número de unidades, como uma das características da SS é a facilidade de expandir unidades existentes, a SS aumenta seu potencial de crescimento para os próximos anos.

Analisando o % de evolução a tendência de investimentos da SS no segmento fica bem mais evidente.

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O SUS reduziu 10,7 % dos seus leitos nos últimos 2 anos, enquanto a SS aumentou 17,6 %:

  • Em uma sociedade cada vez mais radicalizada, com acesso cada vez mais facilitado às drogas, e o SUS reduzindo a estrutura para internação, a SS vai se equipando para “nadar cada vez mais de braçada”;
  • Seguindo a tendência, em pouquíssimos anos o número de leitos da SS será maior que o do SUS.
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Em um cenário em que o SUS praticamente estagnou seu número de unidades de internação, a SS rapidamente investiu para crescer nada menos que 12,3 % em 2 anos.

Se juntarmos a isso o que as fontes pagadoras remuneram:

  • Na saúde suplementar regulada, diárias globais que se equiparam a uma diária em um hotel 3 estrelas. Em uma internação ou HD o paciente tem assistência médica, de enfermagem, psicológica, TO, medicamentos e assistência farmacêutica e 5 refeições por dia ... em um hotel 3 estrelas uma toalha “malhadinha” e um “sabonetinho de origem duvidosa”;
  • No SUS o repasse para HD é $ 26,91, e para internação $ 39,88 ... mal cobre a despesa com café da manhã e almoço.

O serviço que se propõe a atuar em internação nesta especialidade, para se sustentar precisa ter muito foco em 4 fatores – ou ser muito forte um deles, ou preferencialmente combinar os 4:

  • Grande quantidade de leitos para diluir ao máximo os custos fixos;
  • Evitar o modelo de repasse proporcional de receita aos parceiros comerciais, uma vez que a maior parte dos custos são fixos;
  • Grande variedade de produtos agregados, também em grande escala (ambulatório, pronto socorro, SADT especializado);
  • Grande quantidade de pacientes fora do SUS e da Saúde suplementar regulada – pacientes com maior poder aquisitivo que podem pagar um preço que seja compatível com os custos.

Vamos lembrar que a análise é para sustentabilidade financeira em serviços de internação:

  • Isso supõe que antes já se tenha feito um BP para definir a oportunidade de negócios para internação;
  • Pode ser que o cenário em que a instituição se insere só se sustenta com HD e Ambulatório – pode ser proibitivo para internação sob o ponto de vista econômico.

Também vale lembrar que fazer um BP sem viés exige que a alta gestão seja profissional:

  • Neste segmento existem muitas empresas de administração familiar que primam por não se adequar às necessidades de mercado, muitas pequenas empresas privadas estão passando dificuldade para se sustentar, mantendo unidades de internação cada vez menos lucrativas;
  • Como testemunho, além de consultoria temos um curso de gestão de custos e de rentabilidade específico para clínicas. Comparado com outras clínicas, a participação de gestores das psiquiátricas é baixa – e não é raro ouvir o gestor que participa afirmar que tem muita dificuldade em discutir o assunto com os proprietários;
  • Tive alguns episódios em que ao estruturar a planilha de rentabilidade das unidades de negócios para discussão, a alta gestão da empresa ficou muito decepcionada em saber que deveria mudar o perfil de negócios para poder sobreviver;
  • A rejeição à profissionalização pode até ser medida avaliando o próprio cadastro do CNES: o número de empresas que fecham é grande – é compensado no geral pelo maior número de novas empresas !

Então, sem se envolver com a discussão de que é bom ou ruim internar pacientes nesta especialidade:

  • Existe demanda para internação e a oferta do SUS está menor a cada ano, gerando oportunidade de negócios para a SS;
  • A SS vem mostrando sua agilidade em reagir a uma oportunidade de mercado gerada pela deficiência do SUS;
  • E, da forma como a ANS está regulando, o acesso à internação em psiquiatria e TM faz com que cada vez seja privilégio de pessoas ricas no Brasil !

Aproveitando o tema ... lembro que já foi finalizado o capítulo do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil Edição 2020 (www.gesb.net.br), que tabula informações do CNES sobre Leitos. 

O capítulo tem:

  • O caderno, que serve como guia de estudo e apresenta algumas análises, como esta;
  • Planilhas que permitem tabular leitos por tipo, MacroGrupos e grupos, por municípios e por UF’s;
  • E apresentações em Power Point com 200 plotagens de indicadores por região geográfica brasileira.

A programação para os seminários de entrega do Estudo, e da premiação das Operadoras e Secretarias de Saúde está publicada na página da Jornada da Gestão em Saúde (  jgs.net.br  ) – são poucas vagas:

  • Brasília – 23 e 24 de Julho
  • Curitiba – 13 e 14 de Agosto
  • Recife – 24 e 25 de Setembro
  • São Paulo – 22 e 23 de Outubro

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