Quão efetivo tem sido o Desdobramento de Metas nas organizações? Se você fosse investidor, deveria se preocupar?
No artigo anterior “Espremam Os Indicadores Até Que Eles Confessem!”, foi abordada a dificuldade de se atribuir metas aos colaboradores de uma organização em contexto frágil, inconstante e turbulento como o que estamos “atravessando” e o quanto o conhecimento é ainda mais decisivo nestes momentos. Mas, depois das metas definidas, como as empresas se organizam para garantir, de forma eficaz, que todos seus colaboradores saibam realmente o que fazer para que o alvo seja atingido? Será que os gestores, de uma maneira geral, conhecem a real amplitude da responsabilidade que têm neste processo? Será que os premiados sistemas de Qualidade Total realmente dispõem das ferramentas adequadas para garantir que isto ocorra? Será que a mensagem está sendo comunicada de forma adequada e será que está sendo entendida? Até aonde é preciso chegar para se garantir os resultados?
Em estudo aprofundado que fiz foram identificados indícios importantes de que as organizações, em sua maioria, têm grande dificuldade de fazerem com que seus líderes e gestores realmente cumpram seus papéis de garantir informação, conhecimento, processos, procedimentos, treinamentos e recursos capacitados necessários para o cumprimento das metas. A preocupação maior, aparentemente, está em garantir resultados “empurrando” o sistema, por vezes até de forma autocrática e sem o treinamento adequado, para que sejam recompensados por bônus atribuídos a metas de curto prazo. Raras são as recompensas de longo prazo para esses profissionais fazendo com que poucos realmente pensem de forma estratégica e garantam resultados sustentáveis.
O processo de desdobramento dos objetivos não deveria ser somente uma folha enorme de papel pendurada em todos os departamentos da empresa, revisada por sorte algumas vezes por ano. Por certo não deveria ser somente a ilustração de uma pirâmide dividida em camadas que simbolizam os níveis hierárquicos, com objetivos listados e com valores de atingimento definidos, além dos prazos é claro. Deveria ir muito além do conceito “SMART”, que a maioria utiliza, e que indica que um objetivo precisa ser Specific (Específico), Measurable (Mensurável), Attainable (Alcancável), Relevant (Relevante) e Time-Based (a Tempo) ou da aplicação imediatista e superficial de muitos Balanced Scorecard que já presenciei (diversas vezes implantados de forma equivocada). Estes conceitos obviamente são muito importantes e apontam o norte. Mas não resolvem e não garantem os verdadeiros desdobramentos e alinhamentos, para todos, principalmente para aqueles que se dedicam as operações valorizando os produtos e serviços, os que colocam ”a mão na massa”.
Os objetivos e metas precisam chegar, de fato, aos movimentos daqueles que montam as peças, daqueles que movimentam os materiais, dos que retiram os pedidos, daqueles que milimetricamente avaliam a qualidade dos produtos, aos que vendem os serviços. Precisam estar claros e traduzidos nos detalhes dos procedimentos daqueles que definem as políticas, dos que compram os insumos, de todos os que fazem a empresa produzir, seja lá qual for o produto ou serviço.
Todos os colaboradores de uma organização precisam ter seus afazeres diários totalmente direcionados pelas metas e mais importante, saber a importância de tudo isso, “porque e para que” estão fazendo aquilo daquela maneira.
Seus procedimentos precisam descrever em detalhes “o que” deve ser feito, isso não pode ser delegado. O “como” e “que recursos e competências” precisam e devem ser definidos em conjunto e de forma compartilhada. Colaboradores devem ser treinados exaustivamente. Esta forma de administrar e gerenciar cientificamente, de modo bem Taylorista (Administração Científica, 1911) e Fayolista (Administração Industrial Geral, 1916), é atribuição de quem deveria ter uma supervisão do negócio, uma coordenação ou gerenciamento do todo, ou seja, Supervisores, Coordenadores, Gerentes ou Diretores.
Supervisionar, planejar, organizar, controlar, coordenar e comandar, definitivamente, não pode ser substituído por mandar, delegar ou cobrar resultados. É preciso garantir que todas as condições de realização das metas estejam disponíveis para àqueles que farão o trabalho operacional. Não deixar claros os objetivos pode dar margem a diferentes interpretações e incentivar cada indivíduo a criar sua própria régua de meta, fato que é muito perigoso quando se está falando de necessidade de obtenção de resultados. Há momentos em que as pessoas não podem e não devem ser criativas, devem respeitar as determinações do alto escalão da organização.
Para exemplificar um pouco o exposto acima, cito parte de um estudo que fiz em uma montadora de veículos em 2005, foco da Dissertação de Mestrado. Pode ser considerado atual por constatar a mesma problemática em algumas empresas mesmo que dez anos tenham se passado. Na empresa estudada, o Top Management recebeu da Matriz uma meta e esta foi cascateada para os Departamentos de Manufatura e Logística da seguinte maneira:
Meta recebida pelo Top Management da Direção de Fabricação e Logística:
- Três dias de tolerância no atraso sobre as entregas de veículos aos clientes finais nas concessionárias.
As metas foram cascateadas pela o Departamento de Logística Interna, responsável pelo abastecimento das linhas de montagem:
- 0,20% de veículos incompletos sobre o total de veículos produzidos para as fábricas de veículos de passeio e utilitários;
- 0,10% de veículos bloqueados na linha de produção em função de erros de armazenagem nas fábricas de veículos de passeio e utilitários;
Definidas e comunicadas as metas para o Departamento de Logística Interna, o que precisaria ser feito? O que mudaria para os Operadores que precisam manter a linha de montagem abastecida com peças? O que precisaria ser diferente de quando tinham outras metas? Eles conheciam as mesmas? O plano seria fazer que eles corressem mais com a empilhadeira para garantir que a linha de montagem estivesse sempre abastecida? O que faria com que eles passassem a operar de forma diferente, simplesmente uma tabela com o objetivo escrito? E se a meta fosse de 0,18% para veículos incompletos, o que precisaria ser diferente na rotina? Quais as competências técnicas e comportamentais precisariam desenvolver?
Em alguns casos, nem hierarquia, nem subordinados, sabem o que precisam mudar para que as ações estejam de fato em linha com a estratégia organizacional. Quando é feito, parecem não dedicar tempo suficiente aos treinamentos e a solução continua incompleta. É neste ponto que falham os gestores e colaboradores que não conseguem atingir os resultados de forma satisfatória e certeira.
Executar uma tarefa de acordo com o planejado se tornou talvez o maior desafio das empresas e gestores nos últimos anos. Segundo Kaplan e Norton no livro A Estratégia em Ação (1997), “estima-se que em 70% dos casos em empresas, o verdadeiro problema não é [má estratégia], é má execução”. Os pesos da estrutura organizacional, aliado à dificuldade de se transformar objetivos estratégicos em processos internos e a resistência às mudanças de cultura das pessoas, fazem grande parte das empresas chegarem ao final do ano com os indicadores estratégicos apontando para resultados negativos. E por estar-se falhando muito neste aspecto, muitas organizações se tornaram fábricas de slides de powerpoint carregados com centenas de explicações dos porquês de resultados não atingidos.
Estive no litoral no último fim de semana e um ambulante passou oferecendo sorvete. Como eu estava um pouco distante, minha esposa perguntou: “-Que sabor você quer?” Eu respondi: “-Maracujá ou Abacaxi”. Ela trouxe o de Coco. Ou eu não passei a mensagem corretamente ou ela não a entendeu. Ela pensava ter cumprido a meta, até eu avisá-la do contrário, mas já era tarde.
O desalinhamento entre metas estratégicas e a execução das atividades nas organizações dá indícios que estamos utilizando a mesma lógica da compra do sorvete. Há indícios de um desalinhamento importante e isto precisa ser corrigido, principalmente em momentos de crise como os de agora.
Em sua maioria, ao invés das pessoas se comportarem como uma raiz de uma árvore, na qual todas as ramificações, maiores ou menores, têm a mesma incumbência, a de contribuir para o crescimento da árvore e geração de bons frutos, se comportam como fungos que se apoderam da árvore para seu próprio desenvolvimento. Precisa-se do alinhamento estratégico da raiz, e não a dos fungos. Será este um dos fatores que posicionou o Brasil em penúltimo lugar no ranking de Produtividade em pesquisa* realizada com 76 países? Fica a reflexão.
*Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Sócio na S9000 - DLO Assessoria Treinamento Inf
9 aMuito bom ! Traduz a realidade !
Professor e Consultor em Métodos e Ferramentas da Qualidade
9 aExcelente artigo Eduardo Müller Saboia! Merece uma profunda reflexão!