QUAL O IMPACTO DA PRODUÇÃO DE “COMMODITES FLORESTAIS” SOB AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS?
Além da pandemia de covid-19, as mudanças climáticas têm sido um dos maiores desafios da atualidade. O mundo busca soluções e alternativas para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, que não se refere apenas ao aumento da temperatura, mas também inclui alterações na intensidade das chuvas e ocorrência de eventos climáticos extremos, como furacões e ondas de calor.
Não há mais dúvida de que essas mudanças são devidas em grande parte, à atividade humana, especificamente à emissão na atmosfera de grandes quantidades de gases do efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2) e metano. Também é consenso, que a manutenção das florestas tem um papel de destaque na discussão sobre o aquecimento global, especialmente no Brasil, referência mundial em produtividade florestal. Vejamos a seguir como as florestas brasileiras têm colaborado para aplacar os efeitos iminentes das mudanças climáticas:
A produtividade do setor florestal brasileiro
O Brasil é o segundo país com maior área florestal, totalizando 497.906.632 milhões de hectares (ha) de floresta (58,47% do seu território). Deste total, 488.066.946 ha são ocupados por florestas naturais e apenas 9.839.686 ha corresponde à área de florestas plantadas (SFB, 2019). Recentemente, o Brasil tem sido o foco de calorosas discussões, pautadas na necessidade de manutenção das florestas brasileiras, sobretudo no seu papel de destaque em relação às mudanças climáticas globais. O desmatamento representa no país, a principal preocupação, no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa.
O setor de base florestal brasileiro é líder mundial em produtividade (volume de madeira por unidade de área) de madeira (Figura 1), entre as principais commodities do setor florestal temos a celulose, o papel e painéis de madeira de reflorestamento e madeira serrada (majoritariamente, essências nativas oriundas, principalmente, da Amazônia e do Centro-Oeste, e essências exóticas como pinus e eucalipto).
Apesar do impacto negativo causado pela pandemia de covid-19 na atividade econômica nos diversos segmentos industriais, o setor de base florestal, numa perspectiva de longo prazo, tem se mantido aquecido. O segmento de celulose e papel destaca-se com maior perspectiva positiva neste momento, devido ao maior consumo de produtos de higiene pessoal e limpeza (VALOR, 2020). Portanto, o setor florestal brasileiro tem como desafio intensificar a sua produção para atender à crescente demanda por fibras, madeira, energia e tantas novas aplicações ainda em fase de pesquisa e desenvolvimento.
Como a produtividade florestal brasileira se relaciona com a necessidade de mitigar as mudanças climáticas?
As florestas podem ser pensadas com dois propósitos principais: conservação e produção, ou, ainda que pouco difundida, a interação entre os dois: a conservação pelo uso. Se tratando de produção, as florestas plantadas, especialmente plantios de espécies do gênero pinus e eucalipto, permitem a produção de diversos produtos, como celulose, laminados de madeira, madeira serrada e lenha, que são negociados em mercados distintos. Independente do propósito, ambas as florestas (naturais e plantadas) promovem diversos serviços ecossistêmicos como a mitigação e adaptação à mudança climática, regulação do fluxo hídrico, conservação do solo, ciclagem de nutrientes, manutenção da biodiversidade e outros mais.
Por meio do processo natural de fotossíntese, as árvores absorvem o carbono da atmosfera e estocam em sua biomassa, fenômeno também conhecido como sequestro de carbono. Durante a fotossíntese as árvores absorvem as moléculas de CO2 e água que, em presença de luz, resulta na produção de glicose (C6H12O6) e água, liberando oxigênio (O2) para atmosfera, a glicose passa por várias reações químicas durante o processo metabólico, resultando na produção de biomassa. Aproximadamente 50% da biomassa de uma árvore é carbono (SOARES et al. 2011). Como as florestas de produção são plantadas e colhidas em diversos ciclos ao longo do tempo, mantém-se um estoque médio de carbono nas referidas áreas até a idade de rotação. Em 2018, o estoque de CO2 equivalente do segmento florestal, somou 4,2 bilhões de toneladas, entre florestas nativas e plantadas (IBA, 2019).
No que se refere à adaptação às mudanças climáticas, as florestas melhoram o microclima das regiões, fazendo com que as temperaturas locais sejam mais amenas, reduzem erosão, mantêm a biodiversidade, protegem os recursos hídricos, enfim reduzem os impactos negativos que as mudanças climáticas poderiam provocar.
Ainda, para o caso de florestas plantadas, aumenta-se a disponibilidade de fornecimento de madeira e fibra para o consumo industrial, reduzindo, desta forma, a pressão sobre as matas nativas.
Nos últimos 30 anos, o Brasil desenvolveu um sistema de manejo florestal para a produção de madeira em florestas da Amazônia que concilia o uso e a conservação dos recursos florestais. Temos a maior floresta tropical, em pé, do planeta, a Amazônia, responsável por cerca de 20% de toda a biodiversidade do globo, é muito importante, a permanência dessa floresta em pé é essencial para o desenvolvimento do manejo sustentável, por comunidades carentes de alternativas econômicas e de qualidade de vida da região.
O crescente aumento nas áreas de manejo das nossas florestas naturais, mantendo os ecossistemas em pé e agregando valor, vem demonstrando ser este o caminho para manutenção de parte do que temos ainda intacto da Amazônia. Igualmente, o crescente aumento das áreas de florestas plantadas com exóticas e nativas aponta os rumos a serem seguidos por outros setores, que não vêm dando a devida atenção à iminente necessidade de estar alinhado aos esforços globais para mitigar as mudanças climáticas.
Além de suprir a demanda por produtos madeireiros, o setor florestal atua também na recomposição dos biomas, na implantação e manejo adequado de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de áreas de Reserva Legal (RL). No Brasil, o setor florestal é o que mais protege as áreas naturais. São quase 7 milhões de hectares destinados à conservação (IBÁ, 2019), somando-se as áreas de restauração, APPs, RL e áreas de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) (Figura 2), que contribuem diretamente na regulação do fluxo hídrico, na polinização, no controle do clima, formação de estoques de carbono, conservação do solo, dispersão de sementes, ciclagem de nutrientes e formação de corredores ecológicos, além de atividades culturais, científicas, recreativas e educacionais. Assim, para cada hectare plantado com árvores para fins industriais, outro 0,7 hectare foi destinado à conservação.
Outra importante classificação engloba 153 mil hectares dessas áreas classificadas como Áreas de Alto Valor de Conservação (AAVC) (IBÁ, 2019), consideradas de extrema importância para a preservação de espécies da flora e da fauna, manutenção de ecossistemas, prestação de serviços ambientais e preservação da identidade cultural tradicional de comunidades locais.
A contribuição do setor florestal para minimizar as mudanças climáticas também passa pelo processo fabril. Por exemplo, a indústria de árvores gera a maior parte da energia necessária para realizar seus processos produtivos, por meio da biomassa florestal (resíduos industriais e florestais), cerca de 70% pode ser economizado (IBÁ, 2019). Há perspectivas para que em um futuro próximo, se estabeleçam mais biorrefinarias, gerando outros produtos, além da energia, como por exemplo, biocombustíveis. Isso significa que além das remoções e estoques de carbono, o setor também contribui evitando emissões por meio do uso de diversos produtos florestais ao invés de energia e produtos de fontes não renováveis.
Desafios e oportunidades
Essas ações, em que atua o setor florestal, não parecem, ainda, ter tido o devido reconhecimento, mas, com certeza, ficarão evidenciadas, à medida que esse balanço positivo seja mensurado e comprovado.
Diante do exposto, o setor florestal brasileiro é de grande importância para o balanço global de carbono, ocupando um papel estratégico, tanto pela redução da taxa de desmatamento, quanto pela fixação do CO2 atmosférico. Portanto, é considerado um dos mais aptos a fortalecer os objetivos do Brasil no Acordo de Paris, que prevê reduzir as emissões dos gases do efeito estufa em 43% frente à realidade de 2005; restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas; incentivar a integração de lavoura, pecuária e florestas (ILPF) em 5 milhões de hectares; zerar desmatamento ilegal; atingir 45% de energias renováveis no mix brasileiro, sendo 18% em bioenergia; e expandir o consumo por biocombustíveis.
Gustavo Silveira
3P Florestal - Reflorestamento e Consultoria | Diretor Executivo
FAEPA | Membro do Conselho da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará
CNA | Membro da Comissão de Silvicultura e Agrossilvicultura da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil
Rafaela Martins da Silva, Engenheira florestal, M. Sc. em Ciências Ambientais e florestais