Qual o papel do texto escrito, num mundo "youtuberizado"?
Já parou para pensar no quanto de textos escritos você ainda lê todos os dias? Quando busca por uma informação, especialmente na internet, você dá preferência aos tutoriais e artigos em texto (quando os encontra) ou vai direto para os vídeos? A informação vem se tornando cada vez mais acessível, num mundo cada vez mais "youtuberizado"; MAS…
Para responder à pergunta do título, convido você a pensar comigo sobre duas perspectivas críticas: a primeira diz respeito à maneira como conteúdos importantes têm virado vídeos rasos, preocupados muito mais com formatos que gerem monetização ao invés de informação e conscientização; a segunda trata sobre um (nem tão) novo papel do texto escrito na construção do conhecimento, inspirando indivíduos mais autônomos.
A proposta desta reflexão é romper a dualidade entre os bem intencionados progressistas, que vêem nas mídias digitais um novo limiar evolutivo da comunicação humana, e os bucólicos nostálgicos, desejosos de regressar às cartas arcadianas, enviadas em envelopes com selos escolhidos carinhosamente; prometo me deter aos argumentos concretos, embora me identifique um pouco mais com este segundo grupo mais idílico. =D
No princípio, era o roteiro!
É uma pena como as discussões relacionadas às produções textuais, no atual cenário digital, nos conduzem, quase sempre, para o foco na leitor (usuário dos conteúdos), e quase sempre envolvem regras proibitivas: : NÃO pode texto longo; NÃO pode palavras novas ou difíceis; NÃO pode publicar/enviar em tal horário! Esquece-se, assim o exercício, e benefícios, para quem escreve.
Escrever é como materializar aquilo que se pensa, dar forma e significado às ideias, organizando-as durante este processo de transformar ideias e informações em conhecimento compreensível, inteligível e compartilhável. Ignorar este papel pode tornar uma simples filmagem numa pequena catástrofe ou, no mínimo, numa atividade desnecessariamente trabalhosa, como a cena que presenciei há alguns dias.
Enquanto aguardava a revisão da Heather (nome carinhoso da moto que adquiri há alguns meses), assistia a divertida cena (meio tragicômica, na verdade) da gravação de um vídeo de apresentação do portfólio de motos da loja. Um experiente vendedor tentava, com certa dificuldade, atender todas as orientações do diretor, cinegrafista e equipe de produção acerca das informações que não podiam faltar, a melhor sequência e a necessária fluidez, como num diálogo. O interminável ciclo de erro e acerto fez com que, em pouco tempo, aquela interminável repetição se tornasse cansativa, e irritante, para eles, tanto quanto a mim, mera testemunha ocular da cena.
De repente, percebi que escrevia mentalmente meu próprio roteiro, organizando as informações, e escolhendo palavras que pudessem transmitir as sensações e emoções desejadas pelo diretor, e que fariam mais sentido para a audiência; pensando da perspectiva de alguém que já havia adquirido uma daquelas motos. Quando concluí meu texto, revisei-o, rindo baixinho e sozinho; até ser interrompido pelo mecânico que me avisava sobre a conclusão do serviço que eu aguardava. Fui embora, e levei comigo o roteiro mental.
Fica aqui a dica dos melhores youtubers (sim, por que não?) que dedicam um bom tempo à pesquisa e escrita de seus roteiros, muito antes de encarar a câmera. O humorista Gregório Duvivier, por exemplo, sempre enaltece sua equipe de redação; uma equipe inteira para escrever os excelentes textos que ele apresenta nos episódios de Greg News. Mas ainda há quem ignora este imprescindível exercício, apostando tudo no improviso para "transmitir naturalidade".
O texto escrito é, no mínimo, o melhor caminho para materializar um bom conteúdo que poderá se tornar um vídeo incrível!
Autonomia e Foco
Todo texto, seja ele curto ou longo, estimula a autonomia do leitor; a palavra escrita o desafia a decodificá-la; é preciso interpretar, participar ativamente da construção dos significados daquilo que se está lendo.
Um ótimo exemplo são as mensagens que ficam nos elevadores, ou mesmo nos banheiros das organizações, com alguma orientação ou regra explícita; quatro ou oito palavras são suficientes para que o leitor construa todo um contexto e mude seus comportamentos, especialmente de etiqueta.
Outro ponto importante diz respeito ao exercício de foco numa pesquisa; adoro poder fazer uma leitura dinâmica de algum conteúdo, em busca da informação que eu preciso! Quem nunca se rendeu à precisão de um índice ou sumário para navegar num livro e encontrar aquilo que procurava com urgência!? Você já tentou fazer isso num vídeo de tutorial no Youtube? Hahaha.
Escrever faz Parte
Apesar do tom crítico, e às vezes ácido, a mensagem que desejo compartilhar com você que leu o texto até aqui, ou talvez tenha pulado para o final a fim de ver se vale a pena ler tudo (viu só!), é que o texto escrito faz parte do nosso dia a dia; inclusive da construção de conteúdos para outros formatos midiáticos.
Por isso, valorize seu leitor, sem o subestimar. Textos longos podem até cansar, mas cuide para que seus conteúdos ofereçam alguma profundidade, algo de real valor; expressões novas ou palavras "difíceis" (bem explicadas) podem ser exatamente o que o usuário esteja buscando num texto sobre uma tema que lhe seja novo!
Cada palavra, frase ou microtexto conta! Da maneira como você apresenta seu perfil no LinkedIn, descreve seus serviços num site, comenta uma postagem nas redes sociais, até a forma como conclui um e-mail ou texto do seu blog!
Mas e você, como tem exercitado sua escrita???
Rafael Giuliano :: Escritor nas horas vagas, e nas outras também!