Qual tempo guia suas atitudes, seu passado ou seu presente?
Você já viu aquela imagem de alguém deitado numa poça pedindo socorro por estar se afogando?
Interpretamos a realidade de uma forma conectada com os fatos do presente ou tutoreada por nossas experiências do passado. A emoção do agora revela algo sobre mim que pode estar ligada aquela situação específica que vivo hoje ou a minhas experiências do passado.
Tive um pai ausente, que procurava sobreviver dando conta da rejeição que sofreu na infância dele. Como podia demonstrar amor se não sabia o que era ser amado? O vi mergulhado em dar conta da própria existência, muitas vezes o álcool entrava para dar alivio. Quando ele era um bebê, minha avó o deixava para cuidar da horta. Ele ficou desnutrido, quase morreu na infância por falta de ser amamentado. Meu avô, um imigrante alemão, muito pequeno perdeu o pai na guerra, não teve oportunidade de ser o filho amado que aprende por modelagem o que é ser um pai presente.
Meu pai tinha acessos de raiva com minha mãe, desproporcionais ao que ocorria, se irritava com pequenas coisas. Aos filhos ele poupava, nunca foi agressivo, nunca despejou raiva em nós, somente ausência. Hoje vejo que do jeito dele ele nos amou nos poupando da raiva insana.
Só na minha vida adulta pude entender que esta raiva vinha da insegurança, da tentativa vez por vez frustrada de ter uma vida funcional e não conseguir. Ele nunca fez terapia, nunca foi medicado quando se afundava em depressão, naquela época não se falava nesta doença. Meu pai era visto como o cara sem vergonha que podia parar de beber sozinho, mas não queria. Hoje vejo que ele sofria, se afundava na poça com sua raiva e sofria com um cérebro doente que não o ajudava a fica de pé. Depressão precisa de tratamento terapêutico e medicamentoso. O que seria dele se tivesse um cérebro saudável?
Voltando para a minha história, lembro de uma ocasião, quando eu tinha 8 anos, fui brincar na casa de um vizinho e não avisei ninguém. Meus pais me procuraram por algum tempo e quando eu apareci meu pai estava no portão. Sua cara de enfezado me fez pular o muro para não ter que passar por ele. Apanhei pulando o muro.
Foi a única vez que apanhei de meu pai. Eu não entendia porque lembrava com alegria desta cena. Hoje sei que minha alegria está em ter sido percebida, ele se incomodou com minha ausência, ele quis me educar, ele me viu, ali não havia rejeição. Foi um momento marcante com um pai presente. Não tenho lembrança de afeto, abraços, brincadeiras com meu pai, mas lembro bem e com carinho da cena do muro.
Já na vida adulta, eu estava alerta a sinais de atenção, de aceitação e de rejeição. Então quando um namorado me dizia que não podia me ver naquele dia por algum motivo, meu coração se deitava na poça de água e se afundava revivendo a dor da rejeição da infância. O que estava ocorrendo no presente era pareado com o passado, não importava o motivo porque ele não pode me ver, o que meu coração traduzia do evento era rejeição, não havia contato com a realidade. Hoje tenho pena dos meus namorados...eles e tantos amigos, familiares, colegas de trabalho que precisaram ter dose extra de paciência para aturar as emoções que me inundavam por nada e pareciam me afogar. As lágrimas feito cachoeira, ajudavam no processo de afogamento.
Para os de fora pode parecer um exagero infantil, é difícil de compreender e difícil de ajudar quem está se afogando. Só o próprio afogado pode se salvar, para isso é preciso compreender ao que se está reagindo, o que aquela emoção traz de informação. Se paramos para avaliar, podemos então colocar o pé na emoção, perceber a profundidade correspondente ao presente e não afundar nela.
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Depois de um tempo de terapia eu já me dava conta de que precisava regular a intensidade desta emoção e ai começa um trabalho árduo e intencionalidade de olhar para dentro e para o contexto real.
Algumas perguntas podem ajudar nesta autoanálise:
- Que nome dou ao que estou sentindo? Raiva, tristeza, ansiedade, medo?
- Caso não consiga nomear posso questionar: Esta emoção me dá energia ou me tira a energia? Ela é agradável ou desagradável? Se tenho muita energia pode ser a raiva, irritação, pouca energia a tristeza, o medo. Dar nome é o primeiro passo para o autocuidado.
- O que esta emoção diz sobre mim? Tem alguma necessidade minha que preciso cuidar agora? Estou precisando de atenção, conexão ou segurança? Isso fala sobre uma necessidade atual ou fala do meu passado? Estou em estado de alerta por medo de que o que é história na minha vida se repita?
- Se a demanda é atual, tenho outras estratégias para atende-la? Por exemplo, se entendo que tenho necessidade de ter atenção, o encontro com meu namorado é uma das possibilidades de atender esta demanda. No momento esta alternativa não está disponível, que outra alternativa eu tenho? Alguma amiga pode me dar atenção?
Autocuidado é olhar para dentro, observar as emoções e reações, procurar a informação que isso traz sobre mim. É falar comigo mesmo e não me deixar mergulhar na poça.
Autocuidado é entender o que preciso para ter uma vida com maior estabilidade emocional e não esperar que a vida me traga isso de bandeja. A vida é feita de cenas diversas e lidar com elas com o pé no presente, pode ser um presente a nós mesmos e a quem está ao nosso redor.