QUANDO ACEITEI A ANSIEDADE E PASSEI A (APRENDER A) VIVER COM ELA
UM RELATO SINCERO DE UM ANSIOSO

QUANDO ACEITEI A ANSIEDADE E PASSEI A (APRENDER A) VIVER COM ELA

Há um bom tempo penso em compartilhar as descobertas (sofrimento + perdas + angústia = aprendizado) que tive após o diagnóstico de ansiedade. O que eu vive até hoje, achando que era uma face da minha personalidade, tinha nome, tratamento e formas de conviver com ela.

Este não será um conteúdo sobre empregabilidade, networking, mercado de trabalho... é sobre como comecei a aceitar que a ansiedade não era apenas uma das minhas faces – ela estava em todas as demais e, o pior, bem antes do que eu imaginava. E como essa doença tem me boicotado faz um bom tempo.

Talvez a dificuldade de entender o que acontecia comigo foi devido à dificuldade que temos (ainda temos) de aceitar que o alerta da saúde mental foi acionado. No meu caso, após crises inexplicáveis de nervosismo, desespero, tonteiras, dores no peito e pensamento altamente acelerado, resolvi procurar um especialista. Batata: você sofre de transtorno de ansiedade.

Um ano depois, estou aqui cheio de pontos que quero compartilhar na esperança que alguém, ainda no início do transtorno, possa ler e facilitar essa jornada rumo à aceitação dessa característica que, por vezes, nos faz achar que estamos enlouquecendo, mesmo sem saber os motivos para tal.


É IMPORTANTE ESTAR ATENTOS AOS SINAIS

Não é frescura. Não é falta do que fazer. Muito menos se trata de fraqueza. Ansiedade, de acordo com o próprio Ministério da Saúde, está disparada entre os principais transtornos presentes em nossa sociedade por conta da pandemia de Covid-19, conforme postagem no Portal PEBMED, destinado para médicos e profissionais de saúde. 

O Ministério divulgou os resultados no final do ano passado. A pesquisa foi feita por meio de questionário online, disponível de 23 de abril a 15 de maio de 2020. O objetivo era analisar o impacto da pandemia e isolamento social na saúde mental do brasileiro.

Com o cenário de incerteza e insegurança, claro, as pessoas foram sentindo cada vez mais fortes os tais sintomas. O que antes achávamos ser “uma coisa nossa”, se tornou um problemão para muitas pessoas e, nós, os ansiosos, por bem, percebemos que não estávamos sozinhos nessa turbulenta estrada.

Comigo os sintomas físicos não foram os únicos problemas a serem enfrentados por causa do meu transtorno. Além da sensação de sufocamento, de angústia, de falta de ar, de acordar com pesadelos e pensamentos negativos... ainda precisei lidar com a enorme dificuldade de me relacionar socialmente com amigos, familiares, colegas de trabalho, vizinhos e afins.

No trabalho, por exemplo, minha rispidez ganhou tons mais sombrios e isso me deixou profundamente preocupado. Foi a partir dessa irritabilidade que percebi que algo estava indo mal e procurei ajuda médica. A terapia me fez voltar ao meu eixo.

O tabu envolvendo a busca por atendimento especializado me travou por um momento. A busca por produtividade, por respostas para as novas perguntas geradas pela pandemia... enfim, tudo parecia se unir pra me deixar cada vez ansioso, preocupado, nervoso e com medo de não dar conta. A pressão por controle emocional me deixava desnorteado e sem saber o que fazer.


BUSCAR AJUDA, GARANTIR O AUTOCUIDADO E FOCAR NO QUE REALMENTE IMPORTA

A primeira coisa que uma pessoa ansiosa precisa se convencer é de que nenhum desafio precisa ser enfrentado de maneira solitária. A ajuda médica é fundamental para desconstruir a imagem cheia de equívocos que nos passam todos os dias sobre quem tem uma saúde mental fragilizada, esteja ansioso/depressivo ou que precise de apoio nos momentos mais desafiadores.


Além da ajuda médica especializada, também é preciso olhar para dentro de si. Reconhecer o que de fato é nosso, o que trouxemos conosco ao longo da vida – e devolver aquilo que não nos pertence. Isso vale também para sensações, emoções, percepções e o que mais te incomodar.

A respiração. Uma função natural do corpo que a gente dá tão pouca atenção. Muitas vezes ignoramos dicas e sugestões de como respirar é o ponto de partida para o autocontrole e conhecimento sobre si mesmo. Está ai um dos maiores erros nossos: ignorar o poder da respiração como forma de nos controlar e tomar as rédeas do que nos angustia.

Descobri a meditação guiada, depois passei a meditar sem guia mesmo. Passei a redescobrir hobbies que tinha – mas que a vida corrida tratou de nos afastar ao longo dos últimos anos. Descobri o poder do sol na pela (na busca por mais vitamina D na vida), do passeio despretensioso com o meu “cãopanheiro”, das conversas por videochamada com amigos afastados por causa da pandemia... valorizar a presença plena, sempre!

Fui me encontrando aos poucos com o Márcio na essência. Mais maduro, mais atento, mais focado e mais resiliente. As crises nervosas se foram. Aquela sensação forte da adrenalina não me amedronta mais. Passei a estar presente nas conversas, nas sessões de filme em casa... Voltei a treinar na academia, e aprendi a gostar disso.


E lidar com os gatilhos? Foi bem mais fácil do que eu imaginei. Hoje tenho mais facilidade de me blindar contra o que antes me deixava ansioso. Comecei a falar sobre a ansiedade com uma naturalidade para compartilhar minhas percepções com quem está sofrendo com esse transtorno por vezes silencioso mas, por outras, barulhento e assustador.


VIVER UM MOMENTO POR VEZ. TUDO AO SEU TEMPO

Quando me perguntam o que me fez lidar melhor com a ansiedade, minha resposta quase sempre é: aceitando que sou uma pessoa ansiosa e está tudo bem com isso – desde que eu faça a minha parte. E não é que está dando certo?

A aceitação é a porta da libertação. Quando entendemos que algumas coisas somos incapazes de solucionar sozinhos, mais chances temos de chegar aonde pretendemos, sem nos mutilar, culpar, julgar ou nos rotular como perdedores.

Lembro que estava no banho me arrumando para o primeiro dia de um desafio profissional enorme, pelo qual esperei mais de um ano. No chuveiro, debaixo da água que caia em minha cabeça, senti abrir um enorme buraco. Eu perdi o equilíbrio e cai no chão. Tudo, claro, foi causado por mais uma crise de ansiedade. Chorei e senti um mal como ainda não havia sentido. Fui me apoiando nas paredes, controlando a respiração, agarrado em minhas preces mentais, acabei me levantando, tomando consciência do que estava acontecendo e seguindo em frente.

Resumindo: fui para o trabalho naquele mesmo dia da crise, dei o meu melhor, gerei resultados positivos, ao longo dos demais dias. O resultado não era esperado (até então) por quem me contratou. Conquistei ainda mais respeito e aprendi que eu sou muito mais forte e capaz do que essa doença covarde me fez acreditar por muito tempo. É possível ser ansioso sem ser angustiado. É possível. E aprender a viver com ela é fundamental para vencer obstáculos e reescrever o roteiro da nossa jornada.

Saber como evitar crises, dar valor ao que (de fato) importa, entender que quase nada a gente tem real domínio, afinal nem tudo é na hora que queremos e, principalmente, nada é mais urgente que o agora.

Eu costumo dizer que “sai do armário” pela segunda vez quando aceitei e assumi para mim mesmo que caminhar nesta jornada exige expertises muito mais específicas. Que autoconhecimento é fundamental para tudo, compaixão nas horas em que errarmos é o suporte mais importante e que, não importa o que acontecer, esteja no comando da sua respiração. Ela é o ponto de partida dessa virada no jogo e para a sua vitória contra o transtorno de ansiedade.

Uma jornada só começa com o primeiro passo. De nada adianta se preocupar com os próximos quando o primeiro ainda nem chegou a ser dado, não é? 



Patricia Giudice

Comunicação em Ciência, Tecnologia e Inovação / Empreendedorismo Digital

3 a

Me identifiquei bastante com tudo. Gratidão.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Márcio Antunes Silveira 🏳️‍🌈

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos