Quando a dedicação ao trabalho ultrapassa limites
O espírito do nosso tempo exige que sejamos perfeitos em tudo: nas amizades, com a família, nos estudos, nos esportes e, claro, no trabalho. Ultrapassar a linha que separa a excelência do excesso é muito fácil, abrindo caminho para comportamentos que se aproximam do vício.
Definindo de forma simples o que é um vício: um desejo persistente e intenso de usar uma substância, apesar dos danos e das consequências negativas que esse uso provoca. Quando falamos de drogas em geral (cocaína, nicotina ou anfetaminas, por exemplo), o efeito químico no cérebro e alteração das suas funções é bem compreendida pela maioria das pessoas. Quando falamos da dependência em repetir determinados comportamentos (como jogos de azar), frequentemente isso é visto como um desvio moral, uma fraqueza de caráter. E quando ouvimos que uma pessoa é viciada em trabalho? Aí o julgamento inverte seu vetor: a palavra vício é ignorada e a valência para virtude é quase imediata.
Mas o “workaholismo” precisa ser compreendido, identificado e, principalmente, abordado de forma séria nas organizações. Apesar de não estar nos manuais de psiquiatria como uma doença específica, o vício em trabalho provoca diversos prejuízos para a pessoa e para sua rede de relacionamento social e familiar semelhantes aos que são provocados pela dependência de algumas substâncias. Se em um primeiro momento as empresas até apreciem o engajamento fora do normal, em médio e longo prazo o modo de agir do workaholic não vai se sustentar e vai provocar grandes perdas para todos.
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Identificar esses trabalhadores não é fácil. Em um exame periódico de saúde, é possível que essa disfunção passe despercebida, a não ser que a abordagem seja mais direcionada. Instrumentos de rastreamento, como o Dutch Work Addiction Scale podem ser úteis nas avaliações individuais ou do conjunto de empregados. Uma revisão sistemática com metanálise publicada na Frontiers in Psychology mostrou uma prevalência de workaholismo da ordem de 15%, avaliando estudos que cobriam mais de 70 mil trabalhadores de 23 países. Em outras palavras, quase um em cada sete trabalhadores foi classificado nos critérios de adição em trabalho.
As equipes de saúde das empresas são fundamentais na cadeia de cuidado das pessoas que sofrem com esse comportamento. Técnicas de relaxamento, terapia cognitivo-comportamental e tratamento de outras condições psíquicas de base são caminhos possíveis. Além disso, as organizações precisam cumprir seu papel nas questões da organização do trabalho, do equilíbrio entre demandas e controle e não poupar esforços para desencorajar a competição e incentivos para resultados que ultrapassam os limites individuais.
Artigo completo: Andersen FB, Djugum MET, Sjåstad VS, Pallesen S. The prevalence of workaholism: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2023 Oct 30;14:1252373. doi: 10.3389/fpsyg.2023.1252373
Gerente de Serviços de Saúde - Siemens Energy
10 mSensacional o texto Rogério Muniz de Andrade